29 Outubro 2025
Meteorologistas alertam que a intensidade contínua do ciclone é uma resposta ao aumento da temperatura do mar. "O calor atua como combustível", ressaltam.
A informação é de Noor Mahtani, publicada por El País, 29-10-2025.
Nenhum caribenho se surpreende com a chegada de furacões em outubro. Em Cuba, mensagens de alerta precoce foram emitidas há dias, áreas vulneráveis foram identificadas e um plano de realocação foi preparado na parte oriental da ilha; a Jamaica fechou seus aeroportos, ordenou a evacuação da população em maior risco e montou abrigos coletivos... Mas o furacão Melissa, que a Organização Meteorológica Mundial (OMM) das Nações Unidas descreveu como "a tempestade do século para a Jamaica" antes mesmo de atingir este território caribenho, forçou o uso extremo de superlativos.
"Não há território que possa sair ileso de um fenômeno desta magnitude", lamentou Rodney Martínez, representante da OMM para a América do Norte, América Central e Caribe. O ciclone, que passou da categoria 1 para a 5 na escala Saffir-Simpson em apenas 48 horas, fez com que o Centro Nacional de Furacões (NHC) dos Estados Unidos fosse bastante contundente com a população nas últimas horas. "Esta é a última chance de proteger sua vida!", publicou na rede social X. Mas, para os especialistas, Melissa é um furacão "clássico" em tempos de crise climática.
Furacões se formam sobre águas oceânicas quentes, normalmente com temperaturas acima de 26,5 °C. Esse calor é a principal energia que alimenta o sistema, que então se condensa e libera o calor na forma de tempestades ou furacões. "Quando chegou perto da Jamaica, a superfície do oceano estava a 30 graus, mesmo a 100 metros de profundidade. Era uma panela de água quente, e isso é combustível para furacões. É por isso que explodiu daquele jeito", explica por telefone José Rubiera, meteorologista cubano especializado em furacões.
A ciência comprovou em vários estudos que o aquecimento global devido às emissões de gases de efeito estufa piora os ciclones: aumenta a precipitação, retarda seu movimento de um lugar para outro e aumenta sua intensidade.
E embora um estudo de atribuição seja necessário para determinar até que ponto as mudanças climáticas impulsionaram a força do furacão Melissa, especialistas consultados pela América Futura não têm dúvidas de que este ciclone é a prova da nova norma para ciclones nesta era de emergência climática. Preveem-se chuvas e inundações preocupantes na Jamaica. Na manhã de terça-feira, o furacão se movia a apenas 11 quilômetros por hora, e os ventos praticamente triplicaram em 48 horas (de 112 quilômetros por hora para quase 300). A rápida intensificação do ciclone o torna um dos 10 mais fortes já registrados. "A natureza normalmente não aceita sistemas tão extremos por tanto tempo e oscila", explica Rubiera. "Mas no caso de Melissa, não foi o caso, e isso se deve, sem dúvida, às mudanças climáticas".
Martínez concorda. "Há uma ligação clara entre o aquecimento global e o que estamos vivenciando", diz o equatoriano. "Quando os políticos ignoram a ciência, qualquer comentário negacionista é válido, mas em meio à ignorância, muitas vidas estão sendo perdidas." Esta é a segunda temporada de furacões mais intensa já registrada.
Um antes e depois na Jamaica
Espera-se que o furacão Melissa cause um golpe devastador na Jamaica. Embora ambos os especialistas elogiem a gestão da sociedade, o sistema de alerta precoce das autoridades e a tecnologia envolvida no monitoramento da ilha, eles afirmam que ainda não compreendemos totalmente o impacto. "Este ciclone testará a preparação da população, a resiliência da infraestrutura e o sistema de alerta do país", diz Martínez. "Terá um impacto significativo na economia. Sem dúvida, haverá um antes e um depois do Melissa na Jamaica."
A Cruz Vermelha estima que pelo menos 1,5 milhão de jamaicanos serão diretamente afetados, e o UNICEF estima que quase 1,6 milhão de crianças estejam em risco no Caribe. "Todos os esforços de preparação para furacões são vitais para mitigar os danos e a perda de vidas nas comunidades mais vulneráveis, especialmente em regiões como o Caribe", insistiu Roberto Benes, diretor regional para a América Latina e o Caribe, em um comunicado.
Na última década, aproximadamente 11 milhões de pessoas, incluindo quase 4 milhões de crianças e adolescentes, foram afetadas a cada ano por desastres naturais e causados pelo homem na América Latina e no Caribe.
O que mais preocupa os especialistas é o relevo montanhoso da Jamaica. Sua paisagem propiciará chuvas extremamente intensas e a elevação do nível do mar, gerando inundações de "altíssimo calibre" que terão consequências catastróficas. Os números atuais de precipitação posicionam o Melissa como um ciclone mais forte que o Katrina, que deixou mais de 1.300 mortos em 2005, e muito próximo da magnitude do Milton, que deixou mais de 2 milhões de pessoas sem energia elétrica e milhares evacuadas em 2024. Até o meio-dia, três mortes causadas pelo furacão haviam sido registradas na ilha.
Rubiera insiste que Melissa "não termina aqui". Após atingir a Jamaica, espera-se que se mova para o leste, em direção a Cuba. O renomado meteorologista prevê que o furacão será mais fraco sobre sua ilha e que se moverá um pouco mais rápido do que sobre a Jamaica.
Mas os preparativos são insuficientes. O chefe de assuntos humanitários da ONU, Tom Fletcher, anunciou que US$ 4 milhões (€ 3,4 milhões) serão alocados do fundo de resposta a emergências da ONU a Cuba para apoiar medidas preventivas para 170 mil pessoas "antes da chegada da tempestade". A empresa estatal Unión Eléctrica (UNE) anunciou ao meio-dia que fechará duas de suas sete usinas termelétricas e uma usina a combustível de forma "controlada", em antecipação ao impacto do furacão. "Teremos que nos preparar para mais e mais Melissas", conclui Rubiera.
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