22 Outubro 2025
O pensador sul-coreano, vencedor do Prêmio Princesa das Astúrias de Comunicação e Humanidades, alerta para o vazio de valores na democracia e afirma que a única esperança é que “o sistema atual entre em colapso, e isto vai acontecer logo”.
A reportagem é de Javier Ors, publicada por La Razón, 21-10-2025. A tradução é do Cepat.
Byung-Chul Han é um pensador incomum que foi estudar na Alemanha, quando não sabia alemão, e que demonstra uma conduta ética que coincide com os princípios filosóficos que defende. Sem dúvida, isto o torna um homem excepcional em nossa época.
Ele, que previu grande parte dos apocalipses de nossa época, renunciou ao celular, símbolo da submissão contemporânea, e às aparições públicas, transformando sua figura em um feixe de penumbras, em um mundo de transparências digitais intocáveis (todo mundo mostra o que faz, todo mundo dispara o que pensa), e decidiu se enclausurar na reflexão em uma época de declarações espontâneas, desatenção e discursos difusos.
“Nunca dei uma entrevista coletiva. É a primeira vez. Permaneço no silêncio e não gosto de falar em público. Também não dou palestras públicas. “Esta é a minha terceira vez na Espanha”, comentou no início de uma intervenção em Oviedo, onde receberá, nesta sexta-feira, o Prêmio Princesa das Astúrias de Comunicação e Humanidades 2025.
Uma longa conversa, que durou mais de uma hora e meia, na qual teve tempo para recapitular o importante papel que a mão ocupa no pensamento (“A felicidade surge a partir das mãos. Os pensadores precisam de um jardim porque os pensadores são pensadores manuais”), criticar os pianos do Hotel Reconquista (“No hall tem um piano sul-coreano que ninguém mais queria na Coreia, e na área do café da manhã, o segundo mais barato da China. Toquei, mas não me fez feliz”) e, sobretudo, criticar os grandes males modernos que afligem os cidadãos e minam a sociedade.
“Vivemos em um universo em que não nos respeitamos e nos mostramos agressivos uns com os outros. Não aceitamos a opinião dos outros. Se alguém tem uma opinião diferente, nós o declaramos inimigo. Não somos capazes de nos abrir para outros pontos de vista. Então, perdemos as estribeiras e sentimos ressentimento e ódio ao que é contrário. O respeito é a cola que une a sociedade. A democracia se baseia no respeito e, se perdemos essa virtude, colocamos a democracia em perigo”.
Byung-Chul Han, que escreveu uma série de ensaios que abordam as grandes problemáticas atuais - a sociedade digitalizada, a tecnologia, o mal da igualdade, os danos de um capitalismo desenfreado, a solidão, o medo, a depressão, a síndrome de burnout e a superabundância de informação -, está imerso em dois novos trabalhos: Sem Respeito: Uma crise social, que já está em edição, e o título de encerramento de seu tríptico de crítica social, que iniciou com Sociedade do Cansaço. “Nele, falarei sobre o vício, porque hoje somos todos viciados em consumo, informação, jogos, redes sociais. Pensamos que somos livres, mas vamos passando de uma dependência para outra”.
O pensador sul-coreano, um homem de voz crítica acentuada, falou sobre “os fenômenos patológicos que me preocupam na sociedade atual”. Reconheceu que “o que me tortura é a crise do liberalismo e da democracia liberal, não só na Europa, mas também a nível global. O liberalismo é bom, de entrada, mas uma de suas fragilidades é que é incapaz de gerar conteúdos por si que nos permitam preencher os vazios que gera”.
Byung-Chul Han especificou que existem “dois tipos de liberdade: a negativa e a positiva. A primeira é a ausência de obrigações e cria espaços vazios. É necessário preencher essas lacunas com algo a que posamos nos agarrar, com conteúdos, símbolos, que tenham significação. Uma liberdade sem significado é arbitrária. Estamos em uma fase em que a liberdade produz aleatoriedade. O material simbólico no qual penso são valores e objetivos com os quais orientar nossa sociedade”.
Essa crise de princípios na época atual é um dos assuntos que mais o preocupa e um dos temas que concentram sua curiosidade e reflexões. De fato, Han argumenta que “nossa democracia se tornou algo aleatório porque não possuímos valores, nem objetivos nobres”. Considera que todos os “valores se sustentam em determinadas premissas” e que estas não são “criadas ao léu, mas fazem parte de premissas que o liberalismo não gera por si só”.
O contratempo é que as instituições que conferiam esses valores, como a religião e a cultura, são instâncias erodidas na atualidade. “Estão erodindo e, como resultado, esses valores estão perdendo significado. São eles que preenchem esses vazios e nos dão algo a que nos agarrar”.
Diante disso, o grito de Byung-Chul Han é claro e alto: “Precisamos de ideais e princípios. Que objetivos nobres temos agora? Nenhum. É o vazio do material simbólico, e isso põe em perigo a democracia. Sem objetivos, não há progresso. Não há objetivos nobres perseguidos pela política. Uma sociedade consiste em resolver problemas compartilhados e para isto é necessário defender alguns objetivos ou ideais comuns. Sem valores, a liberdade é arbitrária, e uma liberdade arbitrária não é liberdade; é uma quimera. A liberdade deve estar vinculada a um significado. Estamos em uma fase sem sentido algum. Democracia e falta de sentido são excludentes”.
Para Han, “essa desorientação demanda autocracia, autocratas como Orbán ou Trump. Isto acontece em qualquer lugar do mundo. É devido à crise da democracia. Podemos ver isto em todas, e essa tendência só vai se intensificar. Tem a ver com o liberalismo, o consumo e as redes sociais, que geram estímulos fugazes, mas não criam significado, não fornecem objetivos e não geram comunidade. A democracia sem comunidade entra em colapso. Os algoritmos nos dão o que gostamos, mas não fornecem conhecimento. A democracia requer discurso, uma narrativa, e não podemos ter um discurso se declaramos o outro inimigo por ter outra opinião. Isto sufoca o discurso nas redes, esgota-o. A digitalização e as redes geram trivialização e nos fecham em nosso próprio eco. Cada um tem sua realidade, mas sem uma realidade comum, não há democracia”.
Han considera que “a democracia, mais do que procedimentos formais, como eleições ou instituições como um parlamento, requer cidadania. Sem ela, a democracia não funciona. O senso de comunidade é responsabilidade, confiança e respeito. Caso contrário, a democracia é apenas um aparato, as eleições se tornam um ritual vazio, não podemos alcançar uma mudança social, a política se esgota em lutas de poder e o parlamento se torna a encenação dos políticos”.
Um dos sintomas do declínio desta sociedade é a relação das pessoas com a dor e a felicidade. Um tema que revela enormes ruínas no espírito de homens e mulheres. “A felicidade e a dor são uma balança. A alma busca reequilibrar os estímulos felizes com impressões negativas. Isto gera um paradoxo e explica por que os jovens, apesar das redes sociais, nunca estiveram tão deprimidos e sós como agora. Se alguém deseja conhecer bem uma sociedade, deve analisar sua relação com a dor. Hoje, nós nos tornamos muito sensíveis à dor. Não somos mais capazes de suportá-la e nos habituamos aos opiáceos”.
Outro assunto que inquieta Han é o fosso material que se abriu no mundo. “Na sociedade liberal, o bem-estar material existe. O liberalismo se sustenta quando há bem-estar material, mas essa premissa não é mais válida, e a distância entre ricos e pobres cresceu. Se o bem-estar se dilacera, e esta é a última âncora da democracia, o liberalismo entra em crise. O neoliberalismo produziu muitos perdedores e gera medo e ressentimento, e isto desestabiliza a sociedade e lança as pessoas para os braços de populistas e autocratas. A justiça econômica é importantíssima”.
Um dos motivos da crise aparece na forma como se desvalorizou as relações nas universidades, e o binômio professor/aluno se transformou em “vendedor/consumidor”. Algo que corrompeu o ensino. Isto abre as portas para outra crise: a da autoridade. Algo que podemos perceber em diversos âmbitos. “Temos influencers que vendem produtos, objetos, mas não oferecem suporte e nem orientação à nossa sociedade. Estamos desconcertados e isto faz com que muitos caiam nas mãos de populistas e autocratas”.
Talvez sua conclusão mais substancial tenha ficado reservada para o final, em sua reflexão sobre o que o mercado fez com os seres humanos: “O neoliberalismo transformou o ser humano em gado. A diferença entre o gado e um trabalhador é que o gado não se revolta. Você o oprime, e nada acontece. O trabalhador se rebela. Agora, somos gado de trabalho, gado eleitoral. Nós nos tornamos gado. O gado é mantido em estábulos porque é o local onde encontra alimento. Por que se rebelar e sair, se aí temos bens de consumo e é confortável? Como vamos nos rebelar contra o sistema? O gado não se rebela, então, como colocar o sistema em questão?”.
Para Han, só resta uma esperança: “Que o capitalismo, que já tem fissuras, acabe destruindo seus fundamentos. O capitalismo é produtivo, mas não reprodutivo; não gera a si mesmo. Temos de inventar uma economia que possa se regenerar. Esta economia irá se destruir. A esperança é que o sistema entre em colapso, e isto vai acontecer logo”, vaticina Byung-Chul Han.
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