10 Setembro 2025
“A campanha é administrada por uma organização beneficente registrada nos EUA que, desde os primeiros meses da guerra, vem arrecadando fundos para comprar drones e outros equipamentos militares para o exército israelense. A organização Amigos Americanos da Judeia e Samaria (AFJS) é uma organização registrada como sendo sem fins lucrativos, focada em fortalecer o controle israelense sobre a Cisjordânia ocupada”. A reflexão é de Murtaza Hussain e Sami Vanderlip, em artigo publicado por Drop Site News e reproduzido por Voces del Mundo, 07-09-2025. A tradução é do Cepat.
Murtaza Hussain é jornalista especializado em segurança nacional e política externa. Seu trabalho é publicado na CNN, BBC, MSNBC e outros veículos de comunicação.
Sami Vanderlip é jornalista investigativo freelancer com foco em questões políticas.
Eis o artigo.
US$ 8.000 para fornecer ao Exército israelense um drone térmico, US$ 600 para um capacete, US$ 150 para uma placa de fuzil: estas são algumas das doações dedutíveis de impostos que os cidadãos estadunidenses podem fazer para apoiar o Exército israelense.
A campanha é administrada por uma organização beneficente registrada nos EUA que, desde os primeiros meses da guerra, vem arrecadando fundos para comprar drones e outros equipamentos militares para o exército israelense. A organização Amigos Americanos da Judeia e Samaria (AFJS) é uma organização registrada como sendo sem fins lucrativos, focada em fortalecer o controle israelense sobre a Cisjordânia ocupada. Ela lançou inicialmente uma “campanha de equipamento tático de emergência” nas semanas seguintes a 7 de outubro de 2023. A AFJS continuou a arrecadar fundos, solicitando doações dedutíveis de impostos de americanos para ajudar a fornecer aos soldados israelenses uma variedade de equipamentos, incluindo coletes, placas de rifle, capacetes, kits médicos e drones de imagem térmica.
A AFJS tem laços estreitos com o movimento de colonos de extrema-direita em Israel e tem se concentrado cada vez mais não apenas em fazer a defesa de Israel nos Estados Unidos, mas também em fornecer apoio material direto ao exército israelense em campo, através de fundos arrecadados de cidadãos americanos. As contribuições permitem que os doadores reduzam sua própria carga tributária sobre o governo estadunidense, a fim de canalizar fundos para o exército israelense em suas guerras em Gaza e em outras partes do Oriente Médio.
“À medida que a guerra avança em direção à vitória total das IDF sobre o Hamas, a AFJS está trabalhando para garantir que os soldados que lutam nas linhas de frente tenham o equipamento essencial necessário para alcançar essa vitória”, afirmava uma campanha, já removida, de outra “Campanha de Drones Térmicos” da AFJS, lançada em 2024. Essa campanha teria sido lançada em nome de “nossos heróis” que lutam em Gaza para o exército israelense. “Cada drone térmico custa US$ 8.000. Seja nosso parceiro para garantir que os drones cheguem às unidades das IDF que mais precisam deles. As doações para os drones podem ser deduzidas do imposto de renda (501(c)3) através da AFJS”.
Diversos vídeos promocionais, postados nas redes sociais da AFJS, mostram os drones e outros equipamentos adquiridos conforme são recebidos e utilizados pelo exército israelense. Isso inclui imagens de soldados israelenses operando dentro da Faixa de Gaza usando drones identificados como fornecidos pela organização. Em um vídeo que mostra soldados israelenses operando um drone, um soldado que filma a cena diz: “Drones da AFJS, dentro de Gaza. Nós os usamos em uma das maiores operações contra o Hamas. Estamos aqui, começamos a trabalhar com seus drones, AFJS, muito obrigado. Obrigado de Gaza. Am Yisrael Chai”, uma frase em hebraico que significa “o povo de Israel vive”.
Em outras imagens postadas nas redes sociais da organização, indivíduos representando a AFJS entregam equipamentos diretamente às unidades militares das Forças de Defesa de Israel (IDF) em Israel para implantação em campo, incluindo a entrega de uma caixa que contém um pequeno drone para membros da Brigada 646 de Paraquedistas, que tem atuado em combates recentes perto da Cidade de Gaza.
Os membros da Brigada 646, da qual o cofundador da AFJS, Yigal Dilmoni, foi comandante durante a guerra atual, fizeram comentários genocidas sobre suas intenções em Gaza. O major Ben Yakov Sabo, comandante da Unidade de Comando Frontal da brigada, tuitou que “em Gaza... não há uma única pessoa inocente” e que “uma bomba nuclear sobre toda Gaza não é punição suficiente nem para essas bactérias”.
Dilmoni também é ex-diretor executivo do Conselho Yesha, uma organização israelense que atua como uma organização guarda-chuva para conselhos municipais que representam os interesses dos colonos da Cisjordânia. O conselho consultivo da AFJS também inclui outra ex-diretora do Conselho Yesha, Shira Livman; o atual presidente do conselho, Yisrael Gantz; e os prefeitos de vários assentamentos da Cisjordânia.
Além de promover os assentamentos na Cisjordânia, o Conselho Yesha exigiu publicamente que o governo israelense anexasse formalmente o território como forma de impedir o eventual surgimento de um Estado palestino independente. Em uma reunião recente com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, no assentamento de Ofra, na Cisjordânia, um membro do Conselho Yesha teria dito ao líder israelense: “Impor a soberania somente após uma declaração da ONU seria considerado uma medida reativa e daria legitimidade à retórica dos inimigos de Israel. Precisamos inverter a ordem: primeiro nossa soberania, e depois não haverá nada a declarar”, acrescentando que “a vacilação de Israel nos últimos anos é o que alimenta as manobras diplomáticas que promovem a ideia de um Estado palestino”.
Em sua declaração de imposto de renda de 2023, a AFJS declarou que “forneceu às aldeias de Israel equipamentos de proteção, coletes, kits de primeiros socorros e drones para proteger a população do vale, além de organizar visitas guiadas desde os Estados Unidos para educar as pessoas sobre a história de Israel”.
Naquele ano, a organização registrou contribuições recebidas no total de US$ 137.525. A mesma declaração lista US$ 132.481 doados naquele ano a uma organização em Israel com sede em Giva'at Hashlosha, Samaria, chamada Projeto Ari Fuld. Essa organização, que leva o nome de um ativista americano-israelense pró-assentamentos que se mudou para a Cisjordânia e foi morto por um palestino em um ataque a faca em 2018, descreve-se como dedicada ao envio de equipamentos para unidades militares israelenses em terra. Os equipamentos fornecidos pela AFJS ao Projeto Ari Fuld incluem “coletes, kits de primeiros socorros e drones para proteção”.
Além de ajudar a armar o genocídio de Israel na Faixa de Gaza, a AFJS arrecadou fundos para financiar seu esforço de guerra no Líbano contra o Hezbollah. Outra campanha de arrecadação de fundos voltada para os contribuintes estadunidenses, chamada “Campanha de Emergência para o Norte”, solicitou doações para a aquisição de suprimentos militares para ajudar a fortalecer a fronteira norte de Israel, incluindo a possibilidade de doadores patrocinarem pacotes completos de ajuda militar: milhares de dólares em drones equipamentos, câmeras e sistemas de fibra óptica para o exército israelense.
“Agora é a hora de agir e fazer doações para ajudar a fornecer aos nossos militares equipamentos importantes que salvam vidas, permitindo que nossos soldados fiquem mais fortes e melhor equipados agora, assim como no tempo posterior à guerra”, afirmava o slogan da campanha.
“A organização de referência para tudo o que está relacionado à Judeia e à Samaria”
A AFJS foi criada em janeiro de 2023 com o objetivo de ser “a organização de referência para tudo o que está relacionado à Judeia e à Samaria”, de acordo com Rafi Lazerowitz, empresário do Brooklyn que dirige a organização. “Judeia e Samaria” é o termo usado por extremistas religiosos de Israel e Estados Unidos para se referir à Cisjordânia, um território ocupado que o direito internacional reconhece como base para a criação de um futuro Estado palestino.
Além de realizar campanhas de arrecadação de fundos para os esforços de ocupação — e para fornecer equipamentos para as forças armadas israelenses —, a AFJS também se apresenta como uma organização educativa e de advocacy que conscientiza sobre a necessidade de Israel anexar a Cisjordânia. Ela educa o público estadunidense e os formuladores de políticas sobre “os danos que a falta de soberania de Israel causa ao Estado de Israel e como a aplicação da soberania beneficiará todos os que vivem na região e o Estado de Israel”.
A AFJS é uma das inúmeras organizações que utilizam o status de organização sem fins lucrativos nos Estados Unidos para financiar unidades militares ou assentamentos israelenses. No ano passado, o Drop Site informou sobre outra instituição beneficente que apoiava uma unidade de atiradores de elite das Forças de Defesa de Israel (IDF). A Friends of Paratrooper Sniper Unit 202 arrecadou mais de US$ 300.000 para apoiar uma unidade militar israelense cujos membros compartilharam um vídeo mostrando-os atirando em palestinos desarmados durante uma operação em Gaza.
Outros grupos estão trabalhando para expulsar os palestinos de suas casas na Cisjordânia. Uma investigação realizada em 2021 pelo jornalista Alex Kane revelou que uma organização sem fins lucrativos com sede nos EUA, chamada Israel Central Fund, estava canalizando dinheiro para grupos que trabalhavam para expulsar palestinos de Jerusalém. Essas conexões também são antigas. Reportagens anteriores da publicação israelense Haaretz revelaram que, entre 2009 e 2013, instituições beneficentes registradas nos EUA canalizaram a impressionante quantia de US$ 220 milhões para organizações de colonos israelenses.
Mas esse tipo de atividade sem fins lucrativos estadunidense em apoio ao governo israelense assumiu uma nova dimensão durante o atual genocídio, com a compra de equipamentos expressamente projetados para apoiar a violência.
Além da AFJS, outra organização sem fins lucrativos 501(c)3 que arrecadou fundos para a compra de drones para serem usados pelas autoproclamadas Forças de Defesa de Israel (IDF) e forneceu apoio a brigadas armadas de resposta a emergências na Cisjordânia é a Israel Friends. De acordo com seus relatórios mais recentes, a organização, oficialmente registrada como Worldwide Friends Foundation, arrecadou mais de US$ 12 milhões para seus programas em Israel. Entre seus programas de arrecadação de fundos está o pacote “Advanced Technology Solutions”, dedicado à compra de vários drones para o exército israelense, com um sistema completo de câmeras térmicas que pode custar até US$ 10.000. Seu brilhante vídeo promocional, “Eyes in the Sky”, que inclui imagens de drones das IDF do assassinato do líder do Hamas, Yahya Sinwar, mostra a potenciais doadores as diversas maneiras pelas quais os drones podem ser usados.
Outras organizações sem fins lucrativos estadunidenses de alto padrão também colaboraram com organizações israelenses para dar suporte aos chamados “soldados solitários”, uma referência aos cidadãos estadunidenses que se mudam para Israel para lutar com as Forças de Defesa de Israel (IDF), ou para enviar cidadãos estadunidenses em viagens voluntárias que incluem estadias em bases militares israelenses.
Os laços entre a AFJS e as forças armadas e o governo israelense são profundos em sua liderança. Gabriel Boxer, membro do conselho da AFJS que figura como diretor em seus documentos sem fins lucrativos, também é influente nas mídias sociais e se autodenomina “Kosher Guru”. Além de concorrer ao Senado pelo Estado de Nova York em 2022, Boxer é supostamente conselheiro do membro israelense do Knesset, Simcha Rothman, e recentemente se filmou dentro da Faixa de Gaza em uma viagem com as forças armadas israelenses.
Em um vídeo postado em seu Instagram em dezembro de 2023, Boxer pode ser visto vestindo uma camiseta militar israelense enquanto conversa com o ex-porta-voz do governo israelense, Eylon Levy, com a legenda: “Temos todo o direito de defender nossa pátria e nossa nação. Esta é uma guerra perpetrada contra Israel”. Em uma entrevista ao Jewish News Syndicate em agosto, Boxer também descreveu o que viu dentro do território sitiado enquanto estava integrado às Forças de Defesa de Israel (IDF), afirmando que o exército israelense é “o exército mais solidário e moral do mundo” e que lhe foram mostrados túneis do Hamas repletos de armas, construídos diretamente sob berços de crianças.
Em viagens anteriores a Gaza, que Boxer também compartilhou nas redes sociais, o influenciador integrado às tropas das IDF Brigada 646 de Paraquedistas pode ser visto narrando diante das câmeras enquanto realizam detonações de casas e outros prédios dentro do território.
Em um vídeo que Boxer postou em sua conta pessoal do Instagram enquanto estava integrado às IDF, ele descreve com entusiasmo soldados demolindo casas palestinas com explosivos. “Acabamos de ver aquelas casas indo pelos ares aqui atrás, em Khan Younis”, diz Boxer no vídeo.
“Uau, é tudo o que posso dizer!”
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