16 Agosto 2025
Conversão de pasto natural em agricultura avança e faz do Pampa o bioma que mais perdeu vegetação nativa e o segundo menos preservado; mudança de perfil deixa estado mais vulnerável às mudanças climáticas.
A reportagem é de César Fraga, publicada por Extra Classe, 13-08-2025.
O Pampa perdeu 30% de sua vegetação nativa nas últimas quatro décadas, passando de 64% de cobertura natural em 1985 para 44,5% em 2024. O dado integra o relatório anual do MapBiomas, divulgado nesta terça-feira, 13, que aponta o bioma como o que mais se transformou proporcionalmente no Brasil desde o início do monitoramento.
Segundo Eduardo Vélez, representante do MapBiomas no Rio Grande do Sul, a mudança altera profundamente o perfil da região.
“Na primeira década, de 1985 a 1994, as áreas de campo nativo com pecuária eram o dobro das áreas agrícolas. Hoje temos mais áreas agrícolas do que campos: 7,9 milhões de hectares destinados à agricultura contra 5,8 milhões de hectares de vegetação campestre.”
O levantamento mostra que a agricultura ocupa atualmente 40% do Pampa, enquanto os campos representam 30,2% e as florestas, 11,8%. Para Vélez, a perda da vegetação original amplia riscos ambientais.
“Quanto mais vegetação nativa se perde, mais aumentam as emissões de carbono e diminuem os serviços ecossistêmicos, como infiltração de água no solo e controle da erosão. Ficamos mais vulneráveis a eventos climáticos extremos.”
Transformações por décadas
O estudo identifica três períodos marcantes de conversão no Pampa. Entre 1995 e 2004, houve grande perda de dunas no litoral, principalmente por urbanização. De 2005 a 2014, ocorreu o “boom” da silvicultura, com mais de 300 mil hectares implantados. Já entre 2015 e 2024, registrou-se a maior perda de campos, mesmo após a aprovação da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que também deveria proteger áreas campestres.
“Grande parte dessas conversões não tem registro de autorização”, afirmou Vélez.
Pressão recente e mudança no uso do solo
A valorização internacional da soja e a falta de políticas de incentivo à pecuária sustentável são apontadas como motores dessa transformação.
“A pecuária em campo nativo é uma atividade de baixo impacto e potencialmente neutra em carbono. Além disso, assegura a conservação da biodiversidade. Deveria ser valorizada economicamente como alternativa sustentável. No entanto, há uma incompreensão de que se trata de uma grande oportunidade, o que desestimula investimentos”, observou o pesquisador.
Segundo ele, parte dos plantios agrícolas tem sido feitos em áreas pouco propícias para monoculturas, ficando vulneráveis às perdas provocadas por secas e enchentes.
“Muitas dessas áreas não são adequadas para agricultura, e os prejuízos recaem sobre toda a sociedade.”
Cenário estadual
O Rio Grande do Sul tem 28,1 milhões de hectares, dos quais 19,3 milhões estão no Bioma Pampa e o restante na Mata Atlântica. Em 1985, o estado tinha 59% de vegetação nativa; hoje são 43%, uma perda de 4,6 milhões de hectares — 3,9 milhões no Pampa e cerca de 700 mil na Mata Atlântica.
Na porção norte, grande parte da conversão ocorreu antes de 1985, com substituição da vegetação por agricultura. Nas últimas décadas, a perda mais relevante foi nos campos de altitude, em regiões como Bom Jesus, Vacaria e São Francisco de Paula.
Risco climático e falta de ordenamento
Vélez alerta que a ausência de um debate público sobre ordenamento territorial aumenta a vulnerabilidade às mudanças climáticas.
“Algumas bacias hidrográficas já perderam mais vegetação do que deveriam e não há políticas adequadas de restauração. O início das enchentes de maio de 2024 foi entre Santa Maria e Santa Cruz, fica em uma bacia com baixíssimos índices de vegetação nativa. Sem a barreira natural dessa vegetação, a água escoa rapidamente, ampliando a destruição.”
Para ele, é urgente estabelecer estratégias regionais que mantenham o equilíbrio entre áreas antrópicas e vegetação nativa.
“Se não discutirmos o ordenamento territorial, estaremos cada vez mais vulneráveis. É preciso olhar para esses mapas com sentido de planejamento e construir políticas públicas que garantam esse equilíbrio.”
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