12 Agosto 2025
Ordem secreta de Trump autorizou o Pentágono usar força militar contra cartéis no continente, caracterizados como “terroristas”. Primeiros alvos são México, Venezuela e El Salvador. Claudia Sheinbaum rechaça investida e a chama de “invasão”.
O artigo é de Luís Nassif, jornalista, publicado por Jornal GGN, 11-08-2025.
O presidente norte-americano Donald Trump acaba de escalar mais uma vez sua ofensiva sobre a soberania de países. Segundo informações do The New York Times, agora em agosto foi concebida uma diretriz secreta, autorizando o Pentágono a empregar força militar contra organizações de cartéis de drogas latinoamericanas. Tempos atrás, foram formalmente caracterizadas como organizações terroristas. A lógica trumpiana é que esses grupos representariam uma ameaça existencial aos EUA.
Recentemente, a presidente mexicana Cláudia Sheinbaum rejeitou qualquer possibilidade de intervenção unilateral dos EUA, considerando uma violação da soberania nacional. Além disso, há um histórico de intervenções militares contra cartéis de tráfico no México, com alta probabilidade de ineficácia no médio prazo. Em outros tempos, levou à fragmentação desses grupos criminosos e intensificação da violência.
Os presidentes Felipe Calderón (2006-2012) e Enrique Peña Nieto (2012-2018), já empregaram forças militares em larga escala contra os cartéis. O resultado dessas campanhas foi uma “escalada acentuada da violência” e a “fragmentação” das grandes estruturas criminosas em facções menores e mais difíceis de combater. Essa fragmentação muitas vezes leva a um aumento da violência à medida que esses grupos menores disputam o controle e novos líderes emergem para preencher o vácuo criado pela eliminação de figuras de alto escalão. Algo muito similar na guerra de drogas no Rio de Janeiro.
Os cartéis já mostraram uma capacidade enorme de realocação e reconfiguração de suas operações, fazendo com que qualquer ataque militar seja minimizado em prazos muito curtos. Há igualmente a experiência desastrosa no Afeganistão.
Além disso, haverá uma contaminação diplomática, minando qualquer possibilidade de efetivar a cooperação em áreas cruciais, como inteligência e controle de fronteiras.
O álibi por trás dessa medida é a crescente crise do fentanil nos EUA. Trata-se de uma droga sintética altamente potente, responsável por um aumento alarmante de mortes por overdose. Já há 100 mil ocorrências desde 2021. Os cartéis mexicanos são vistos como a maior fonte dessa droga.
No seu primeiro discurso ao congresso, depois de eleito, Trump anunciou que “era hora da América fazer guerra aos cartéis”, já preparando o terreno para uma resposta militar.
O primeiro passo foi a formalização da designação de oito grupos do crime organizado latinoamericano como Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs).
Entraram na lista seis cartéis mexicanos proeminentes: Sinaloa, Jalisco Nova Geração, Golfo, Nordeste, La Nueva Familia Michoacana e United; Também a venezuelana Tren de Aragua e a salvadorenha MS-13.7. A designação de FTOs acarreta implicações imediatas e significativas. Ela ativa sanções e penalidades, proibindo indivíduos ou empresas sujeitas à jurisdição dos EUA de fornecer apoio material, incluindo finanças, a essas organizações.
Na mesma época, Elon Musk, então assessor especial da presidência dos EUA, afirmou, no X, que os grupos seriam “elegíveis para ataques de drones”.
A peça legislativa central para essa intervenção é a Autorização para o Uso da Força Militar (AUMF) de 2001, concedendo ao presidente a autoridade para usar “toda força necessária e apropriada” contra os responsáveis pelo ataque de 11 de setembro de 2001. Depois disso, sucessivas administrações estenderam a aplicação da lei para além do Al-Qaeda e do Talibã, no Afeganistão, devido à omissão, no texto, dos locais de aplicação da lei.
Acabou atropelando a Resolução dos Poderes de Guerra, de 1973, que obrigava o presidente a notificar o Congresso dentro de 48 horas após o envio de forças armadas para ação militar, proibindo que essas forças permaneçam por mais de 60 dias, com um período adicional de mais 30 dias para retirada.
A definição dos cartéis como organização terrorista, permitiu o uso da AUMF em operações militares.
O Artigo 2 da Carta das Nações Unidas proíbe agressão, ameaças, a qualquer país. Trata-se da chamada norma peremptória. A ofensiva contra cartéis, em outros países, representa claramente uma violação dessa norma. Há a preocupação adicional com a segurança de civis, ou mesmo de suspeitos de atos criminosos que não representam uma ameaça iminente.
O cenário mais provável de ação envolve ataques de drones leves e esporádicos, concentrado em áreas remotas onde estão as sedes dos cartéis.
Mas há a possibilidade da abordagem de “choque e pavor”, semelhante às campanhas rápidas conduzidas pela primeira administração Trump contra a ISI. O objetivo seria sobrecarregar as forças dos cartéis e eliminar alvos de alto valor.
Esses alvos seriam:
Se isso ocorrer, essas operações destruiriam as relações diplomáticas entre Estados Unidos e México. Especialmente a ruptura na cooperação em segurança e contra narcóticos, com a interrupção do compartilhamento de informações e cooperação na extradição de membros dos cartéis. No passado, após a prisão de um Ministro, o México limitou as operações do DEA em seu território.
Haveria, também, problemas com os desafios logísticos já enfrentados por empresas norte-americanas que atuam no México. Além de comprometer toda a agenda de aproximação com a América Latina.
De qualquer modo, seria apenas mais um capítulo na história das intervenções dos EUA na América Latina.