15 Julho 2025
Regime de Daniel Ortega persegue opositores refugiados na vizinha Costa Rica; 150 mil nicaraguenses fugiram para lá.
A reportagem é de Sylvia Colombo, publicada por Folha de S. Paulo, 13-07-2025.
Em setembro de 1976, durante a ditadura no Chile, um carro-bomba explodiu em Washington, nos Estados Unidos, matando o diplomata Orlando Letelier, um opositor do regime de Augusto Pinochet.
Depois desse terrível crime político, atentados contra dissidentes importantes sob ordens de ditaduras latino-americanas fora de suas fronteiras foram raros.
Nos últimos tempos, porém, alguns episódios voltaram a ocorrer. Foi o caso da ditadura venezuelana, que mandou assassinar, por meio de sicários contratados, o ex-militar e crítico ao regime Ronald Ojeda, que havia buscado refúgio no Chile, em 2023.
O caso mais inquietante, porém, tem sido o dos ataques a mando do regime de Daniel Ortega, ditador da Nicarágua, contra opositores que hoje vivem refugiados na vizinha Costa Rica.
País da América Central considerado até outro dia como um dos mais pacíficos da região, a Costa Rica — que não tem Exército formal — vem encontrando dificuldades para enfrentar a violência causada por gangues armadas que fogem da perseguição do governo de Nayib Bukele em El Salvador.
Mas um novo problema surgiu nos últimos anos. A polícia costarriquenha sugere que há uma infiltração de espiões enviados pelo regime da Nicarágua para colocar na mira os dissidentes da ditadura.
Já são vários os crimes que estão assustando os cerca de 150 mil refugiados nicaraguenses em território costarriquenho. Muitos deles chegaram após os protestos de 2018 —vários, depois de passar meses presos ou ameaçados.
Os perseguidos políticos, em geral, perderam a nacionalidade nicaraguense e tiveram seus passaportes cancelados. "A sensação que temos agora é de total insegurança, algo que não ocorria quando chegamos", contou à coluna Carlos Fernando Chamorro. Filho da ex-presidente Violeta Chamorro, morta recentemente após um problema cardíaco, e do jornalista Pedro Joaquín Chamorro, assassinado pela ditadura da família Somoza, Carlos Fernando edita, do exílio, o jornal opositor Confidencial.
Pelo menos seis atentados já ocorreram. Em 2024, Jaime Luis Chavarria, um ativista anti-Ortega, foi morto a tiros em uma cidade do interior. Já o líder estudantil João Maldonado foi baleado em duas ocasiões, e hoje está em estado de coma.
No último dia 19 de junho, o caso mais grave ocorreu: Roberto Samcam Ruiz, um ex-militar aposentado e dissidente do sandinismo, foi assassinado por um sicário.
"Samcam tinha muito trânsito entre os exilados políticos. Ele sabia que estava na mira do regime e tomava precauções. Mas o atentado foi claramente planejado. Sua mulher saiu para trabalhar, e quando ele abriu a porta para receber uma encomenda, recebeu um tiro certeiro", diz Chamorro.
Não se trata de nenhuma novidade o fato de que o regime nicaraguense é uma ditadura. Porém, é necessário ressaltar que a repressão a opositores escalou a um novo patamar.
A comunidade internacional deveria estar acompanhando isso mais de perto. Especialmente o Brasil — afinal, o presidente Lula até outro dia se mostrava próximo a Ortega.
A América Central enfrenta tempos difíceis. Além do fato de haver uma ditadura na Nicarágua, o governo dos EUA tem despejado na região milhares de deportados que aterrissam em países de economias frágeis e com um sério problema de violência vinculada ao narcotráfico. As chances de um novo desequilíbrio regional são grandes.
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