"Qual a solução? Sem rodeios nem meias palavras: intensificar os conflitos, assumir posições políticas. É preciso demarcar a linha no chão entre nós e eles, entre os exploradores e os explorados, ricos e pobres. Não há mais espaço para continuarmos fingindo que os antagonismos não existem."
O artigo é de Alexandre Francisco, advogado, mestrando em filosofia pela Unisinos, membro da equipe do Instituto Humanitas Unisinos — IHU.
No Brasil, o pobre não odeia o rico; ele almeja ocupar o lugar do rico. Não há, a partir daí, uma real mudança no tecido social — apenas a troca do opressor. Já diria o mestre Freire: quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor. O afeto político do ódio e da revolta quanto direcionados para o local certo podem ser a faísca de profundas mudanças sociais.
Na Revolução Francesa, degolaram-se monarcas, aristocratas e burgueses. Mas, no Brasil, o ódio ao rico virou admiração — um desejo de subordinação, de obediência — e a busca pelo troféu de quem ama mais o próprio dominador. A síndrome de vira-lata se alastra por todos os cantos da sociedade brasileira. A causa da enfermidade é a despolitização deliberada.
Estou passando para informar que não é mais para postar contra o Congresso da Mamata. Hugo nem se Importa está triste e a Globe também não gostou. Nada de falar em taxação dos super ricos. Essa história de agora é o povo também não pode. Ah e parem de dizer que não vamos recuar. pic.twitter.com/RAKY8IKEj4
— Pobre de Direita 🇧🇷 (@Pobre_d_Direita) July 4, 2025
Soldados nazistas seguiam as ordens de seu amo, Hitler. Quem matasse mais judeus nos fornos era condecorado. O regozijo de Hitler era o regozijo de seus soldados. “Busquem um opressor para chamar de seu!”, diria o Führer. Quem mais agradava sentia com mais intensidade a sensação de dever cumprido — e dormia com a cabeça tranquila sobre o travesseiro, à luz de um abajur costurado com pele humana. Que maravilha!
Bons operários, bons camponeses, bons escravos. A população é domesticada para não lutar. Inerte diante da própria realidade, acredita que a falta de sucesso é culpa sua. Ninguém mexe no Estado de Direito burguês. Afinal de contas, a propriedade privada vale mais do que a vida humana.
Era junho de 2013. Eu, com 16 anos, saí para as ruas do centrão de Porto Alegre. Havia uma centelha revolucionária no ar, mas cada um lutava por seus próprios interesses. A revolta existia, mas anos de despolitização e um emaranhado de desejos deixavam os manifestantes desorientados, sem saber para onde ir, contra quem ou pelo que lutar.
HADDAD FOI CIRÚRGICO:
— Esquerda Libre 🚩 (@EsquerdaLibre) July 9, 2025
"Não é razoável que 1% da população faça esse barulho na Internet, dizendo que nós, estamos colocando nós contra eles.Nós quem? 99% contra 1% ?E contra por que? Se eles NÃO PAGAM NEM O QUE PAGAMOS" 👏👏
DIA 10 POVO NAS RUAS
SOMOS 99%
POBRE PAGA RICO LUCRA pic.twitter.com/XBORk7KoZt
Em 2025, a notícia é outra: “Por 40 anos, Lula escondeu o cartaz de taxação dos super-ricos.” Qual a implicação disso? A morte da esquerda. Por quê? Porque, durante todos esses anos, a política nacional voltou-se à gestão do neoliberalismo, isentando os ricos e explorando os pobres. A luta de classes é extremamente perigosa de ser pautada no debate político, pois ela provoca um “nós contra eles”, “pobres contra ricos”, “esquerda contra direita”. Afinal, para que antagonismos quando podemos conciliar interesses e deixar tudo como está? Melhor abaixar o fogo e deixar a panela de pressão cozinhando de forma mais branda.
A cada ano que passa, os problemas são varridos para debaixo do tapete. O incêndio florestal se alastra aos poucos. Se pegar fogo rápido demais, a fumaça chamará muita atenção.
A luta de classes existe (já diria Glauber Rocha), mas não é do interesse dos donos do capital demonstrar seus medos. Muitos filósofos se debatem para cunhar o termo do século: modernidade líquida, pós-modernidade, hipermodernidade, sociedade do cansaço, etc. A crítica marxista principal é que essas terminologias desviam e não ajudam no combate ao problema real, que seria a luta de classes. Pelo contrário, há nelas um sentido desorientador de que o problema estaria portanto no cansaço, na liquidez, na hiperconexão ou no hiperconsumo. Perde-se a dimensão do conflito entre ricos e pobres, e o problema deixa de ser o capital para se tornar o cansaço, a tecnologia, o consumo. A discussão vai longe.
Se, na sociedade liberal clássica, a defesa do capital se dava pela limitação do monarca diante da propriedade privada, hoje o Estado de bem estar social, diante da ideologia neoliberal, é obrigado a desfazer-se de seu poder em favor das grandes corporações. Busca-se um esvaziamento institucional e o enfraquecimento total de qualquer iniciativa de viés democrático. Não foi a esquerda que morreu. Foi a democracia.
A sociedade burguesa, com a faca e o queijo na mão, escreve as regras do jogo e lança seus dados: Código Civil, Código Penal, Constituição. O pobre só é pobre por falta de esforço. Não importa que você tenha que trabalhar o dia inteiro — você não passa em Medicina porque não quer! A culpa é totalmente sua. Mas há formas mais fáceis de chegar ao tão sonhado milhão: basta baixar seu aplicativo de apostas favorito. Há milhares de opções — mais uma vez, só depende de você!
*POBRE PAGA, RICO LUCRA!* 💸
— 🚩 Crika #13 🇧🇷🇵🇸🇦🇲 (@tccslk) July 9, 2025
Olha, vamos seguir juntos virando o jogo na sociedade!
Chega de injustiça!
*É hora de taxar bancos, bets e bilionários.* O povo trabalhador não pode continuar sustentando os privilégios dos super ricos!
Assinem o manifesto Somos 99% do Eduardo More pic.twitter.com/uHKb0kqgQ1
A luta de classes ainda existe? Acho que não. É papo de maluco. Enquanto isso, sem adversários, a extrema-direita captura o desejo das classes mais vulneráveis com a promessa de ascensão social. Não houve uma superação da modernidade — houve uma intensificação da reprodutividade técnica, por meio do racionalismo cartesiano lógico-matemático. A captura não é apenas do corpo, mas também da razão. A única finalidade de se pensar é a maximização do lucro e da produtividade. O capital captura até mesmo o poder. No Estado burguês, tem mais poder quem tem a maior conta bancária. A vontade de um indivíduo se sobrepõe à de milhões.
O tabuleiro da democracia neoliberal não permite mais a jogada política da esquerda mundial. Fomos postos para fora do jogo — jogo esse que insistimos em jogar todos esses anos, seguindo as regras do oponente, dando-lhe poder, fazendo vista grossa diante de suas táticas de avanço, mantendo-nos neutros como boas ovelhas diante de seu bom pastor. Quem não tem oponente domina. Entregamos a partida de mão beijada.
Qual a solução? Sem rodeios nem meias palavras: intensificar os conflitos, assumir posições políticas. É preciso demarcar a linha no chão entre nós e eles, entre os exploradores e os explorados, ricos e pobres. Não há mais espaço para continuarmos fingindo que os antagonismos não existem. Aliás, a classe dominante tem verdadeiro pavor de que isso aconteça. Cada vez que o pobre odiar o rico, abriremos as portas para mudanças radicais, diante de tempos que exigem urgências radicais. Atualmente, a esquerda apenas observa a extrema-direita governar o mundo a seu bel-prazer, levando toda a humanidade rumo à hecatombe ambiental ou nuclear.
Complexidades surgirão no meio do caminho, e após mesmo a vitória revolucionária, não há um paraíso do outro lado. As teorias marxistas não tem a solução para todos os problemas do mundo, não devemos jamais ser dogmáticos, mas para o capitalismo, mostra-se como sua principal antítese e oponente político. Os soviéticos derrotaram os nazistas. O sonho de Maio de 68 não morreu.