30 Junho 2025
Ayser e Aysal Abu al Qumsan morreram antes de existirem oficialmente. Em 13 de agosto, seu pai, Mohammed, acabava de sair de al-Qastal, o bairro oriental de Deir al-Balah, quando a tenda onde os pequenos gêmeos tinham vindo ao mundo três dias antes foi atingida por um foguete.
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 29-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ele tinha acabado de fazer o registro no cartório quando recebeu um telefonema de seus vizinhos: sua família havia sido exterminada.
O vídeo do pai em lágrimas segurando as certidões das duas crianças viralizou nas redes sociais. O número do documento aparece ao lado do nome, idade, data de nascimento e morte, na lista de vítimas de guerra divulgada na segunda-feira pelo Ministério da Saúde de Gaza e atualizada há duas semanas. Ayser está na 19º posição – Aysal três abaixo – precedido por outras 18 crianças mortas antes de completar 72 horas de vida. Seguem-se 918 crianças que morreram antes dos onze meses. Só na página 21 do documento é que aparecem aquelas que conseguiram completar um ano de vida. Do total de 1.227 páginas, 262 são ocupadas por nomes de crianças menores de 13 anos.
Na lista constam 17.121 menores, cerca de um terço do total de 55.202 mortes registradas entre 7 de outubro de 2023 e 15 de junho de 2025. Agora, são mil a mais. Números categoricamente rejeitados pelo governo israelense que, no entanto, não fornece um boletim alternativo. O exército de Tel Aviv limita-se a afirmar ter "eliminado 20 mil terroristas" e define os números vindos da Faixa de Gaza como "exagerados e pouco confiáveis", dado o controle do Hamas sobre as instituições, incluindo as de assistência médica. "Até posso entender o ceticismo. A questão é que os números das autoridades do enclave são bem inferiores dos reais. As vítimas de Gaza são quase o dobro". Palavra de Michael Spagat, economista do Holloway College da Universidade de Londres, especialista internacionalmente reconhecido no tema da mortalidade nos conflitos.
Juntamente com uma equipe de pesquisadores, ele acaba de publicar um estudo preliminar – que está sendo examinado pela comunidade científica – no qual o número de mortos, até 5 de janeiro passado, é de 75.200, 40% a mais do que os 45.660 contabilizados até então pelo Ministério da Saúde da Faixa. “Como Gaza está isolada, valemo-nos da colaboração do Centro Palestino de Políticas e Pesquisas, um instituto especializado em pesquisas. O centro – independente – tem uma presença no campo que lhe permite rastrear os movimentos da população, uma operação fundamental para realizar um levantamento confiável – explica Spagat ao Avvenire –. Seus pesquisadores, para tanto, realizaram entrevistas com uma amostra selecionada de 2 mil núcleos familiares, aos quais foi solicitado que indicassem seus membros antes de 6 de outubro e contassem para cada um deles o que aconteceu depois”, destaca o especialista.
Quanto à possível objeção de que a participação de pesquisadores palestinos no levantamento inviabilizaria a imparcialidade, ele responde sem hesitação: “É uma acusação desprovida de fundamento. Estamos falando de entrevistadores profissionais e independentes, não de autoridades locais ligadas ao Hamas. Usamos um dos métodos tradicionais para as pesquisas sociológicas. Assim chegamos a mais de 75 mil mortes”. Quase 20 mil delas seriam mulheres e pessoas acima dos 65 anos, outras 22 mil seriam menores: juntos, representam 56%. A essas se somam 8.540 mortes devido ao efeito indireto do evento bélico: fome, frio, falta de assistência.
Desde janeiro, além disso, exceto pelo parêntesis de dois meses do cessar-fogo, a guerra foi contínua, causando – segundo as autoridades de Gaza – outras 10 mil vítimas. Dada a subestimação destas últimas e a aceleração da mortalidade devido à deterioração da situação após quase dois anos, o total já poderia ter ultrapassado o limiar de 100 mil mortos. É claro, ninguém pode dizer quantos deles eram milicianos. Os "danos colaterais" civis são, no entanto, muito grandes. "A guerra de Gaza está entre as mais mortais do século XXI", conclui o especialista. "Talvez a mais mortal – não podemos afirmar com certeza porque não temos dados de todos os conflitos – em termos de população: mais de 3% foi morta." Os últimos 62, segundo as autoridades da Faixa de Gaza, foram mortos ontem nos ataques a al-Mawasi, al-Bureji e à Cidade de Gaza. Passado o efeito de "distração" da ofensiva iraniana, massacres contínuos estão aumentando a indignação, dentro e fora do país.
Ontem, milhares de pessoas foram às ruas de Tel Aviv com o Fórum dos familiares dos reféns para pedir um acordo que ponha fim ao conflito e traga de volta para casa os 50 sequestrados que ainda estão nas mãos do “Hamas, dos quais se acredita que 23 ainda estejam vivos. O momento poderia ser propício, com Donald Trump ansioso para ‘reforçar’ sua narrativa de ‘grande pacificador’, após a trégua com Teerã. O presidente dos EUA falou em um acordo já na próxima semana”. Um entusiasmo que teria "espantado" os líderes israelenses.
Deixando de lado os exageros do magnata, algum vislumbre de esperança poderia estar se abrindo. O Catar, mediador junto com o Egito, com o Hamas falou sobre uma "janela de oportunidade" nas negociações. Uma nova rodada está marcada para Doha em poucos dias. "Um encontro sério", afirmaram fontes do grupo armado, que expressaram disponibilidade para avaliar uma reformulação do plano estadunidense. A ideia de Trump é incluir a paz em Gaza em um quadro regional de normalização entre os vizinhos árabes e Israel, em troca de uma vaga abertura deste último à questão palestina.
Além da Arábia Saudita, os chamados "Acordos de Abraão" deveriam incluir a Síria, com a qual as negociações já estão em andamento, como confirmaram fontes próximas ao governo de Ahmed al-Sharaa. Porém, permanece o obstáculo Netanyahu, pelo menos assim parece. Não por acaso a raiva dos israelenses era direcionada, na manifestação de Tel Aviv, contra seu próprio governo. "Apressem-se", era um dos slogans. Para salvar os reféns. E os habitantes de Gaza.