02 Junho 2025
"Mas a carnificina em Gaza é, pelo contrário, desprovida de passado e desprovida de futuro; sem memória e sem horizonte. A única perspectiva é a morte, um extermínio sem sentido.", escreve Danilo Di Matteo, médico e filósofo italiano, em artigo publicado por Settimana News, 01-06-2025.
A “Oração pelos mortos de Gaza”, composta por Andrea Tondi, dura pouco mais de três minutos. No entanto, ele acaba condensando eventos humanos ao longo de pelo menos três milênios.
Aqueles fluxos de mulheres, crianças e homens retratados no videoclipe me fizeram lembrar do grande Heráclito, o pensador mais conhecido por suas metáforas de rios. Sim, tudo flui, inclusive a carne e os ossos de milhares de inocentes destinados a perecer.
Sem mencionar o sangue derramado. Mas lá, na Palestina, o arco não “tem a vida como nome e a morte como obra”: ele é chamado de morte, e pronto. Morte e destruição, uma tragédia que não conhece apelo. Vidas quebradas em um mês, em cinco anos, em trinta anos, suspensas entre o nada e o nada, entre a morte e a morte.
Crianças diante de uma casa demolida por um bombardeio na cidade de Rafah, ao sul da Faixa de Gaza | Unicef/Eyad El Baba
O judeu errante é guiado por Deus. Ouçamos por um momento o teólogo e filólogo Pinchas Lapide: "o judeu tem um conceito de tempo diferente do dos indo-germânicos. Os indo-germânicos aplicam a drástica divisão tripartite de qualquer cronologia, o que é estranho ao espírito da língua hebraica: passado, presente e futuro".
O judeu experimenta o tempo como um rio que não conhece o presente, mas apenas um fluxo contínuo do passado para o futuro, tanto que mesmo nos profetas de Israel é difícil estabelecer, em um nível puramente gramatical, se eles falam de um ato de Salvação de Deus que ocorreu no passado, ou de uma promessa ainda por vir, porque passado e futuro estão amalgamados como em um rio que nunca para. Panta rhei, tudo flui na concepção judaica de tempo.
Portanto, se o judeu diz amém, ele o diz ao que é hoje e ao que será amanhã, e que para ele, com sua imaginação fervorosa, se estende ao presente, mesmo que para o pragmático lúcido ainda não exista.
O rio, é isso que ele é: nunca para. É o princípio dinâmico; O judeu nunca para, ele está tão apaixonado pelo futuro que o nome impronunciável de Deus, o tetragrama, nada mais é do que uma forma verbal do futuro: um efeito no futuro, que revela esperança e diz plenamente 'sim' ao que ainda está por vir" (Viktor E. Frankl, Pinchas Lapide, A Busca por Deus e a Questão do Significado. Diálogo entre um Teólogo e um Psicólogo). Aqui também Heráclito ressoa, é evidente.
Mas a carnificina em Gaza é, pelo contrário, desprovida de passado e desprovida de futuro; sem memória e sem horizonte. A única perspectiva é a morte, um extermínio sem sentido.
Tudo isso surge com força nos poucos minutos da música de Tondi. André Neher, um pensador judeu alsaciano do século XX, chegou a dizer que a única oração possível é, no extremo, o silêncio.
Aqui, o fluxo das notas, imagens e palavras de Tondi é um silêncio respeitoso pelos mortos, pelo sofrimento daqueles que ainda vivem naquela terra, apesar de tudo, pela dor indizível de dezenas e centenas de milhares de humanos; um silêncio, porém, povoado por notas musicais, rostos, referências seculares e religiosas (incluindo uma invocação a Maria).
Como se dissesse: esse silêncio nos interroga, esses rostos e esses sons, essa oração ao mesmo tempo secular e religiosa nos chamam, nos sacodem, solicitam nossa resposta.
Chamados a sentir e compartilhar essa mesma dor e, juntos, agir para acabar com ela. Para contê-la, pelo menos.
E outra imagem heraclitiana assume um significado sinistro: o fogo. O fogo de Heráclito, do qual cada um de nós, cada "acidente" é talvez apenas uma faísca, simboliza a continuidade da vida. Em Gaza, por outro lado, acaba simbolizando a continuidade da morte.