17 Mai 2025
“A impressão que se obteve das conversas com as autoridades ancestrais é que a classe dominante não hesitará em repetir o genocídio que vitimou 200.000 indígenas se sentir que seus interesses estão em risco. Mas os povos não hesitam em que podem retomar a história de lutas interrompidas pela violência militar e estão dispostos a continuar seu caminho, como demonstraram os 106 dias de protestos que paralisaram o país e neutralizaram os planos golpistas das elites”. A reflexão é de Raúl Zibechi, em artigo publicado por Desinformémonos, 12-05-2025. A tradução é do Cepat.
No dia 23 de abril, o Estado da Guatemala emitiu cinco mandados de prisão contra cinco autoridades ancestrais, para se vingar daqueles que impediram um golpe de Estado da procuradora-geral Consuelo Porras, que tentou impedir a posse da atual presidente Bernardo Arévalo. Entre os presos estão Luis Pacheco, presidente do conselho de diretores dos prefeitos indígenas, e Héctor Chaclán, que teve papel de destaque nas mobilizações de 2023 que derrotaram a oligarquia.
Durante 106 dias, de 2 de outubro a 15 de janeiro, as autoridades dos 48 cantões de Totonicapán e a prefeitura indígena de Sololá realizaram uma vigília de protesto em frente à promotoria da capital. Eles também realizaram outros 150 protestos em estradas, forçando as autoridades a reconhecer o resultado do segundo turno da eleição de 20 de agosto de 2023, vencida por Arévalo por 25 pontos de diferença.
Trata-se do maior poder do país, conhecido como o “pacto dos corruptos”, composto pelo poder econômico, traficantes de drogas e políticos da extrema-direita que usam a procuradora-geral como ponta de lança para suas políticas e buscam manter o país em um estado de crise permanente, bloqueando qualquer iniciativa que possa prejudicar seus interesses.
As autoridades ancestrais sustentam que não lutaram por Arévalo, mas para impedir o avanço dos interesses das elites locais e seus aliados, já que o “pacto de corruptos” persegue políticas antipopulares, racistas e antiindígenas. No entanto, a corrupção e a impunidade continuam incontestáveis, enquanto muitos dos que se mobilizaram para reconhecer a vitória de Arévalo continuam decepcionados por ela não ter cumprido até agora sua promessa de remover a liderança corrupta do Ministério Público.
A “oportunidade histórica” desfrutada por Arévalo, do partido Semilla, foi desperdiçada, e agora a direita está novamente na ofensiva, como evidenciam as prisões dos cinco líderes, que foram acusados de “terrorismo”, sedição e obstrução da justiça. Os poderes da Guatemala acreditam que, ao prender os líderes dos 48 cantões, podem pôr fim às milhares de assembleias comunitárias que sustentam a resistência à direita.
Há alguns dias, tivemos a oportunidade de conversar com autoridades ancestrais de Sololá (durante o encontro internacional “Democracias bajo ataque”), que expressaram sua decisão de continuar resistindo e explicaram como estão se organizando. O prefeito Simión Palax foi eleito pelas 84 comunidades de Sololá, que por sua vez nomeiam 72 prefeitos comunitários. Ele destaca como funciona a justiça indígena: “Resolvemos questões de terra, das famílias, roubo e até violações. As famílias recorrem à justiça indígena porque não as criminaliza, não extorque e usa a própria língua delas”.
Palax acrescenta que as autoridades indígenas são as principais representantes dos povos indígenas. Enfatizou que uma grande assembleia é realizada na primeira quinta-feira de cada mês, da qual participam as 58 autoridades indígenas do país, que têm poder suficiente para derrubar ministros, como já aconteceu.
“Eles querem eliminar as autoridades indígenas porque somos autônomos e os supervisionamos em questões como a saúde e o funcionamento dos hospitais”, diz Palax, que está usando o bastão da autoridade, uma jaqueta, um chapéu e uma mochila.
Também mantivemos discussões informais com autoridades dos 48 cantões de Totonicapán e Santa Cruz de Quiché, que não mostraram o menor sinal de vacilo em termos de resistência ao ataque autoritário. Pairava no ar a experiência dos anos de 1980 a 1982, quando uma poderosa insurgência dos povos indígenas colocou o poder econômico da Guatemala na defensiva, no marco da revolução sandinista e da luta revolucionária salvadorenha.
A impressão que se obteve das conversas com as autoridades ancestrais é que a classe dominante não hesitará em repetir o genocídio que vitimou 200.000 indígenas se sentir que seus interesses estão em risco. Mas os povos não hesitam em que podem retomar a história de lutas interrompidas pela violência militar e estão dispostos a continuar seu caminho, como demonstraram os 106 dias de protestos que paralisaram o país e neutralizaram os planos golpistas das elites.