O ministro Gilmar Mendes suspendeu os processos que discutem a validade do modelo de pejotização. Maioria da Corte tende a ser favorável ao desmonte trabalhista, que impactará salário e jornadas. Precedente impedirá que trabalhadores lutem na justiça por direitos.
O artigo é de Luís Nassif, jornalista, publicado por Jornal GGN, 15-04-2025.
Eis o artigo.
Ontem, o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tomou uma decisão que poderá significar o fim definitivo da legislação trabalhista. Mandou suspender todos os processos trabalhistas sobre pejotização – a substituição do contrato de trabalho por um contrato entre pessoas jurídicas.
O próximo passo lógico será o julgamento da legalidade ou não da pejotização. Com exceção de Flávio Dino e Luiz Fachin, todos os Ministros do Supremo têm uma posição mais próxima do libertarianismo do que da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Entendendo que é legal, e não definindo limites para a pejotização, o STF sepultará, de uma só penada, os últimos resquícios de proteção ao trabalho. E colocará um contrato entre as partes acima do que diz a Constituição.
A decisão equivalerá a uma bomba de nêutron, com implicações tão vastas e perigosas, que é inacreditável a anomia da área econômica, das centrais sindicais e dos setores ligados aos direitos humanos.
Se prevalecer o entendimento sobre a legalização da pejotização, os resultados são óbvios: acabará com todos os direitos dos trabalhadores, que só sobrevivem se ancorados em uma relação de trabalho.
A pejotização se estenderá por toda a economia. Mesmo empresas que decidam preservar o direito ao trabalho terão que aderir, para não serem engolidas pelos concorrentes.
Esse movimento, se posto em marcha, inviabilizará definitivamente a Previdência Social e derrubará a arrecadação do Imposto de Renda.
Acabará com:
- o salário mínimo;
- a jornada de trabalho de no máximo 8 horas diárias e 44 horas semanais;
- as horas extras com acréscimo de no mínimo 50% em domingos e feriados;
- o descanso semanal remunerado e com as férias anuais;
- o 13o salário;
- o seguro-desemprego e com o aviso prévio;
- licença maternidade e auxílio doença;
- a fiscalização do trabalho análogo à escravidão.
Mais que isso. No plano político e social significará a generalização do precariado, aquela massa amorfa que canaliza sua falta de esperanças no bolsonarismo mais violento.
É possível que, quando confrontado com esses desdobramentos, o STF decida por critérios mais moderados. Mas, nesses tempos de libertarianismo desvairado, pode-se temer pelo pior.
O contrato de trabalho
Um contrato de trabalho define-se pelas seguintes características:
- Bilateralidade - Envolve duas partes: o empregador (que oferece o trabalho e remuneração) e o empregado (que presta serviços de forma pessoal e subordinada).
- Onerosidade - O trabalho deve ser remunerado (salário, comissões, benefícios etc.).
- Pessoalidade - O empregado deve realizar as tarefas pessoalmente, sem substituição por terceiros, salvo em casos excepcionais.
- Subordinação - O empregado está sob a direção do empregador, seguindo ordens, horários e normas da empresa.
- Não eventualidade - O trabalho deve ser prestado de forma contínua e não esporádica (caracterizando vínculo empregatício).
- Formalização (escrita ou verbal) - Pode ser feito verbalmente, mas o contrato escrito é obrigatório em alguns casos (como trabalho temporário ou estágio).
Os direitos trabalhistas nos Estados Unidos e União Europeia:
Fonte: Luís Nassif
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