16 Abril 2025
“O grande desafio ou a principal missão da fé cristã é, nos dias de hoje, defender o direito de viver dos 'pequenos'”, enfatiza Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
Com o crescimento da extrema-direita em muitos lugares do mundo e, em especial, a eleição de Trump nos Estados Unidos, ficou mais difícil entendermos o que está ocorrendo no mundo. Especialmente para os que se consideram de esquerda, de pensamento crítico e/ou da tradição do cristianismo de libertação, não é fácil definirmos quem são os principais adversários a serem combatidos. E sem essa definição é difícil sabermos quais são ou devem ser os nossos objetivos específicos nas nossas lutas.
Alguém poderia responder rapidamente algo como, “nós sabemos que os nossos adversários são os opressores e os capitalistas muito ricos que estão destruindo a natureza”. O problema é que essas afirmações genéricas não nos oferecem objetivos específicos e sem esses não sabemos bem o que fazer. Por exemplo, no mais recente artigo publicado no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, eu disse que, mais do que focar nas questões internas das igrejas, as teologias críticas, incluindo a Teologia da Libertação, deveriam assumir a tarefa de interpretar o que está ocorrendo no mundo a partir da perspectiva da fé cristã. Interpretação essa que deve estar em função de oferecer caminhos de lutas concretas de transformação da realidade social. Ora, o pressuposto da minha afirmação é que as contradições internas da Igreja (p.ex., o clero versus laicato, ou clero exclusivamente masculino e o lugar das mulheres na Igreja) não são as mais importantes na luta contra a grande desigualdade social, a exclusão dos pobres e a crise ambiental.
O grande desafio ou a principal missão da fé cristã é, nos dias de hoje, defender o direito de viver dos “pequenos”. E nessa grande luta, eu penso que é importante percebermos que enfrentamos dois principais adversários que se aliam contra os direitos dos pobres, mas que estão em conflito: os neoliberais e os supremacistas.
Esses dois são estrategicamente aliados contra os chamados “socialistas” ou socialdemocratas que defendem os direitos sociais de todos e, com isso, a noção de Estado de Bem-Estar Social. Mas, há uma diferença importante entre esses dois grupos. Os neoliberais têm como o critério último de decisão a noção de cálculo de eficiência econômica. O mais importante para eles não é a questão da raça ou de gênero ou sexualidade, mas sim a eficiência econômica. Enquanto que para os supremacistas, o mais importante é a noção de há pessoas e grupos que são superiores e os inferiores. Elon Musk é um exemplo de um capitalista que quer muito dinheiro, mas que não coloca como o critério último a maximização do lucro, isto é, corre o risco de reduzir o lucro porque tem o princípio superior político-antropológico. As expressões mais conhecidas dessas concepções supremacistas nos dois últimos séculos foram apartheid, na África do Sul, as leis de Jim Crow, nos Estados Unidos, e o sistemas de castas, na Índia.
A política clara e firme do governo Trump contra a política de DEI (diversidade, equidade e inclusão) desenvolvida em muitos governos (por exemplo, nas administrações democratas nos EUA e nos governos de Lula e Dilma) e empresas do mundo inteiro, em nome dos direitos humanos, é uma expressão desse conflito civilizatório ou de uma guerra na definição da nova ordem mundial que está sendo disputada.
Para entendermos melhor essa situação, podemos simplificar o tabuleiro em dois grupos. De um lado, os que defendem que a igualdade humana é um valor que deve ser defendida e ampliada, tanto em termos políticos e sociais. Nesse sentido, é o que N. Bobbio chamou de “a esquerda”, e que podemos subdividir em dois grupos amplos: os socialdemocratas capitalistas e os socialistas. De outro lado, os que não aceitam a igualdade fundamental de todos seres humanos e os direitos humanos. Nesse grupo, temos dois subgrupos: os neoliberais, que colocam o cálculo da eficiência econômica como o critério último e não se importam tanto com a questão da raça, gênero, sexualidade e etnia; e os supremacistas. Esses dois subgrupos são semelhantes, mas também significativamente diferentes.
Em termos de opções antropológico-político-teológicas, podemos resumir assim. De um lado, os que creem em um Deus que estabelece os salvos e os condenados, por isso, as diferenças entre pessoas superiores e inferiores, e defende uma ordem política autoritária ou totalitária. Por outro lado, há pessoas, grupos e igrejas que creem e defendem a noção de Deus que não faz diferença entre seres humanos, por isso ensina a igualdade fundamental de todos seres humanos e uma organização política que seja social e politicamente democrata.
O cristianismo de libertação e a Teologia da Libertação, para serem social e teologicamente relevantes, precisam ligados a essas lutas e alianças (conjunturais e estratégicas) concretas que vão definir o futuro próximo da civilização.