09 Abril 2025
É significativo que tenha havido um grande amor na vida deste teólogo, pastor e mártir — assim como é essencial que existam grandes afetos nas nossas próprias vidas, ainda que não tenham o peso da tragédia. Quem poderá saber os rumos que teria seguido a teologia de Bonhoeffer caso tivesse vivido em liberdade ao lado de Maria? Certamente, a imersão concreta na vida a dois teria influenciado sua concepção do matrimônio. No entanto, acima de toda suposição, talvez a verdade teológica mais profunda desta história seja: o amor verdadeiro lança fora todo medo.
O artigo é de Ricardo Mauti, publicado por Religión Digital, 09-04-2025.
Ricardo Mauti, presbítero na Arquidiocese de Santa Fé (Argentina). Doutor em Teologia (UCA/Faculdade de Teologia). Professor e pesquisador em temas relacionados à eclesiologia, ecumenismo e diálogo inter-religioso, Concílio Vaticano II e teologias latino-americanas. Autor de diversos livros e artigos, publicados em revistas nacionais e estrangeiras (link: Ricardo Mauti. Academia.edu).
Neste artigo de “memória, homenagem e gratidão”, não desejo me referir ao teólogo e pastor, ao estrategista opositor do nazismo e líder espiritual da “Igreja Confessante”, tampouco ao perspicaz pregador e intérprete agudo das Sagradas Escrituras, mas sim ao homem apaixonado por uma mulher, com quem compartilhou um noivado, sonhando com um casamento na esperança da liberdade, a partir da “dupla prisão”: de um homem cada vez mais consciente de estar condenado à morte e da impotência de sua amada por não poder salvá-lo.
As cartas foram o “grande consolo” que Bonhoeffer encontrou na prisão. Por meio delas, pôde exercer uma influência vitoriosa sobre a injustiça e a crueldade que o cercavam, ao mesmo tempo em que expressava seus sentimentos mais profundos pela mulher que amava.
Na manhã acinzentada de segunda-feira, 9 de abril de 1945 (há 80 anos), teve lugar no campo de concentração de Flossenbürg, nas montanhas da Alta Baviera, a execução do pastor luterano Dietrich Bonhoeffer, que subiu nu ao cadafalso onde foi enforcado pelo Terceiro Reich.
O rigor de seu pensamento teológico, ancorado na melhor tradição protestante, a cálida irradiação de sua personalidade humana e sobrenatural, e a maneira como soube, em circunstâncias extraordinárias, levar até os limites o sentido de sua responsabilidade cristã, fizeram de sua vida e obra, nas últimas décadas, um lugar de reflexão que ultrapassa os limites nacionais e alcança geografias cristãs de diversas confissões.
Neste artigo de “memória, homenagem e gratidão”, não desejo me referir ao teólogo e pastor, ao estrategista opositor do nazismo e líder espiritual da “Igreja Confessante”, tampouco ao perspicaz pregador e intérprete agudo das Sagradas Escrituras, mas sim ao homem apaixonado por uma mulher, com quem compartilhou um noivado, sonhando com um casamento na esperança da liberdade, a partir da “dupla prisão”: a de um homem cada vez mais consciente de estar condenado à morte e a impotência de sua amada por não poder salvá-lo.
O curioso noivado de Dietrich revela-se no fato de que sua numerosa família só soube dele quando as grades da prisão já separavam os noivos. Com o senso de humor característico dos Bonhoeffer, Dietrich costumava destacar o quão grotesco era receber na prisão cartas com votos e felicitações.
Tudo havia começado com uma profecia sobre o fim de sua vida: “Não viverei além dos 37 anos”, disse certa vez Dietrich Bonhoeffer na presença de uma estudante. No entanto, aos 37 anos encontrou sua companheira. Era abril de 1944, Maria von Wedemeyer estava prestes a fazer aniversário. Seu noivo, Dietrich Bonhoeffer, que há um ano estava na prisão e, portanto, não podia estar com ela pessoalmente, enviou-lhe uma carta refletindo sobre si mesmo e sobre sua prometida:
“Você completa 20 anos! Fico envergonhado ao pensar na pouca noção que eu tinha da vida nessa idade e ao comparar com a sua, já repleta das experiências e tarefas mais importantes”.
Naquele momento, eu ainda acreditava que a vida consistia em pensamentos e livros; havia escrito meu primeiro livro próprio e temo que estava bastante orgulhoso disso. Mas… que pessoa havia recebido algo de mim? A quem eu havia ajudado? A quem havia trazido alegria e felicidade? O que eu realmente sabia sobre as coisas sobre as quais escrevia? E você? Por sorte, você não escreve livros, mas faz, sabe, experimenta, realiza na vida real aquilo sobre o que eu apenas sonhei.
A estatura humana e teológica extraordinária de Bonhoeffer frequentemente ocultou dos estudiosos seu lado afetivo, revelado em grande parte pelas cartas enviadas à sua noiva do final de julho de 1943 até dezembro de 1944.
Bonhoeffer amou Maria von Wedemeyer, uma mulher quase 20 anos mais jovem que ele, e planejou formar um lar com ela. Mantiveram uma correspondência constante durante grande parte do tempo em que Bonhoeffer esteve preso na prisão militar de Tegel. O diálogo e os planos de casamento foram cruelmente interrompidos pela execução de Bonhoeffer, em 9 de abril de 1945; Maria von Wedemeyer recebeu a notícia de sua morte apenas dois meses depois.
As cartas foram o “grande consolo” que Bonhoeffer encontrou na prisão. Por meio delas, pôde exercer uma influência vitoriosa sobre a injustiça e a crueldade que o cercavam, ao mesmo tempo em que expressava seus sentimentos mais profundos pela mulher que amava.
Na troca epistolar com sua noiva, Bonhoeffer recebeu tanto ou mais do que havia semeado nela. Em uma carta que Maria lhe envia de Pätzig, em 8 de outubro de 1943, ela diz:
“Meu querido, amado Dietrich! Quando chega uma carta sua e eu a leio, é como se você estivesse sentado ao meu lado e me falasse como ainda nunca conseguimos nos falar, como nos falaremos quando estivermos a sós. Eu gostaria de sempre escutá-lo quando me fala assim”.
Bonhoeffer, com um pensamento marcado por traços patriarcais, valoriza o estilo e a capacidade de comunicação de Maria:
“Sua carta me alegrou novamente. Às vezes você diz que não sabe escrever cartas. Nunca acreditei nisso. As mulheres, em geral, escrevem cartas melhores do que os homens e, ainda que os homens, felizmente, em geral escrevam livros melhores, isso… não vale nem metade de uma carta!”
O primeiro encontro de Maria com Dietrich Bonhoeffer foi lembrado muitos anos depois por ela em uma carta:
“Meu primeiro encontro com Dietrich Bonhoeffer foi na casa de minha avó, Ruth von Kleist-Retzow. Eu tinha doze anos e havia pedido para ser incluída nas aulas de confirmação que Bonhoeffer dava ao meu irmão mais velho e a meus dois primos. Meu pedido foi recusado. Seja qual for a razão, lembro que Dietrich achou aquilo bastante engraçado e minha avó, nem um pouco”.
Seis anos depois, Maria havia concluído os estudos secundários, “era muito bonita, inteligente e cheia de vida”, e tinha uma relação próxima com sua avó, que via refletida na neta a jovem que ela mesma havia sido.
Bonhoeffer possuía o grande dom de fazer com que uma pessoa se sentisse totalmente à vontade, pois aceitava com sinceridade e compromisso o nível de seu interlocutor; isso dava confiança para que se falasse livremente sobre qualquer situação. Assim, na carta que envia de Tegel, dez dias antes do Natal de 1943, ele escreve:
“Minha querida Maria! Devemos aprender a dizer ‘estou acostumado a tudo e em tudo, à saciedade e à fome, à abundância e à privação. Tudo posso naquele que me fortalece’ (Fp 4,13), e este Natal pode nos ajudar particularmente nesse sentido. Aqui não se trata de uma superioridade estoica diante dos acontecimentos externos, mas de um verdadeiro sofrer e um verdadeiro alegrar-se, na certeza de que Cristo está presente entre nós”.
Sua companheira estava lucidamente à altura da situação. Segundo Eberhart Bethge (amigo e biógrafo), para Bonhoeffer, Maria encarnava os dons que ele havia aprendido a valorizar na família ampliada de Ruth von Kleist: “inteligência viva, vivacidade, nobreza e uma atitude que sabe dominar ao mesmo tempo os dons e os fardos da vida”. Quanto à relação, a avó da jovem percebe a aproximação entre Dietrich e Maria e faz tudo o que pode para incentivá-la. Ao contrário, Ruth von Wedemeyer, mãe de Maria, não compartilha esse entusiasmo, pois considera que Bonhoeffer, com seus 37 anos, é um homem demasiado maduro, com compromissos eclesiásticos e políticos excessivamente complexos, para ser um bom companheiro para sua filha. Em novembro de 1942, exige que ambos deixem de se ver por um ano, ao que Bonhoeffer consente, em parte por respeito à dor dessa mulher, que acabava de perder o marido e o filho Max na guerra.
De todo modo, a separação não consegue impedir que, pouco tempo depois, Maria e Dietrich decidam por via epistolar que desejam se casar. Ambos considerarão o dia 13 de janeiro de 1943 como a data de seu noivado, pois essa é a data de uma carta de Maria em que ela ainda não o trata informalmente, e escreve:
“Hoje posso lhe dizer que sim, de todo coração e com alegria”.
Dietrich responde:
“Posso simplesmente expressar o que sinto? Tenho consciência — e essa consciência me comove — de que recebi um presente incomparável. Depois de toda a confusão das últimas semanas, eu já não tinha coragem de esperar por isso — e agora algo inconcebivelmente grande, que me faz feliz, simplesmente está presente, e o coração se abre e se expande; transborda de gratidão e confusão e ainda não consegue compreender este ‘sim’ que há de repercutir sobre toda a nossa vida.”
Apesar do entendimento a que haviam chegado, a proibição de se verem durante um ano ainda seguia em vigor. O teólogo logo começou a expressar à jovem suas objeções “claras, decididas e repetidas, por cartas e conversas telefônicas”. Quando, em abril de 1943, Maria finalmente decidiu encontrar-se com o noivo e quis comunicar isso a seu tio e tutor, Hans-Jürgen von Kleist, este lhe informou que Dietrich Bonhoeffer havia sido preso e encarcerado. Nunca mais voltariam a se ver em liberdade. O luterano passou o primeiro ano e meio de seu cativeiro na seção militar da prisão de Berlim-Tegel, exatamente entre 5 de abril de 1943 e 8 de outubro de 1944.
Após o atentado de 20 de julho de 1944, Bonhoeffer desejava que sua prometida deixasse Berlim, para não ser envolvida em complicações, já que a Gestapo havia se encarniçado contra ele. No dia 3 de agosto de 1944, escreve ao seu amigo Eberhard Bethge: “Acho que Maria voltará para a Cruz Vermelha... não se sabe onde nos reencontraremos. Talvez, penso que lhe impus um fardo demasiado pesado. Mas quem poderia imaginar isso? Se as coisas tivessem seguido como eu queria, minha situação já seria outra há muito tempo. Não pense que vejo nisso amargura. Às vezes eu mesmo me surpreendo por estar assim ‘resignado’, ou melhor dizendo... insensível?”
Enquanto isso, Maria o acompanha como pode; numa carta de abril de 1944, escreve: “Desenhei com giz uma linha ao redor da minha cama com o tamanho da sua cela. Coloquei uma mesa e uma cadeira como eu imagino. E quando estou sentada aqui, quase acredito estar com você. Se ao menos fosse de verdade. Sua, Maria”.
Nancy E. Bedford, em seu belíssimo artigo sobre a correspondência entre os dois, desvendou uma verdadeira “teologia explícita” nas diversas facetas do diálogo epistolar, mostrando Maria como parceira teológica, mesmo sem ter formação acadêmica formal. A jovem possuía uma mente perspicaz; mais tarde, estudaria matemática na Alemanha e nos Estados Unidos e trabalharia no campo da informática, participando da análise de sistemas e da criação de novos computadores. Ao mesmo tempo, manteria viva sua fé cristã, integrando-se a uma comunidade episcopal e colaborando com a Industrial Mission, organização que reúne cristãos de vários setores do trabalho para enfrentar dilemas éticos e morais nascidos do desenvolvimento industrial — com o objetivo não apenas de debater os desafios, mas de pressionar por transformações dentro das empresas.
Maria von Wedemeyer, desde o fim do conflito, buscou Dietrich nas prisões depois que ele foi transferido de Berlim, e chegou a caminhar pela neve, desviando do caos, até Flossenbürg, onde ele seria executado dias depois — mas já não se encontrava mais lá. A notícia da execução só lhe chegaria em junho, e seus pais tomariam conhecimento apenas em julho, quando a rádio britânica transmitiu de Londres um culto fúnebre em memória de Bonhoeffer. Enquanto isso, as terras da família von Wedemeyer foram ocupadas pelas tropas russas, e os parentes de Maria escaparam por pouco. Dietrich morreu sem poder vê-la novamente, sem uma última carta. Ela faleceu em 16 de novembro de 1977. O sacerdote que a acompanhou durante sua enfermidade presidiu um memorial service na Igreja de St. Anne’s in-the-Fields, no qual foi proclamado o trecho de Romanos 8: “Vocês não receberam um espírito de escravidão para recair no medo, mas o espírito de filhos adotivos”.
É significativo que tenha havido um grande amor na vida deste teólogo, pastor e mártir — assim como é essencial que existam grandes afetos nas nossas próprias vidas, ainda que não tenham o peso da tragédia. Quem poderá saber os rumos que teria seguido a teologia de Bonhoeffer caso tivesse vivido em liberdade ao lado de Maria? Certamente, a imersão concreta na vida a dois teria influenciado sua concepção do matrimônio. No entanto, acima de toda suposição, talvez a verdade teológica mais profunda desta história seja: o amor verdadeiro lança fora todo medo.
[i] Durante os últimos vinte anos, em momentos “livres”, dediquei-me com prazer à leitura das obras de Bonhoeffer e ao estudo de sua vida, guiado por Eberhart Bethge, seu amigo mais próximo, considerado seu melhor biógrafo. Já em 1966 foi publicada em alemão a obra Dietrich Bonhoeffer. Theologe. Christ. Zeitgenosse (Kaiser, Verlag, Munique, 1966); a edição alemã de 2004 chegou à oitava reimpressão. Em italiano, a obra foi traduzida em 1975 sob o título Dietrich Bonhoeffer, teologo cristiano contemporaneo. Una biografia (Queriniana, Bréscia), por ocasião dos 30 anos de seu martírio. As 1.073 páginas deste livro tornaram a biografia de Bethge um verdadeiro “acontecimento”, adjetivo que a revista Die Zeit reconhece como aplicável a poucas biografias de autores alemães sobre Bonhoeffer.
[ii] Dietrich Bonhoeffer foi um “homem de paz e pela paz”. Por essa razão, tentou em vão conhecer Gandhi na Índia, cerca de trinta anos antes da luta de outro mártir, Martin Luther King, nos Estados Unidos, por causa do racismo. Bonhoeffer foi um pacifista que só ao final da vida tomou uma decisão trágica — participar da conspiração para matar o tirano: Hitler. Isso acabou lhe custando a vida; cf. Beatriz Melano, La presencia de Bonhoeffer en América Latina, Isedet, Buenos Aires, 1995, p. 7.
[iii] No prefácio que Heinz Eduard Tödt escreve em 1985 para a nova edição das obras completas em alemão, ele observa: “Nenhum teólogo de língua alemã encontra atualmente tanta atenção e ressonância na cristandade em todo o mundo quanto Dietrich Bonhoeffer”, Dietrich Bonhoeffer, Sactorum Communio. Una ricerca dogmatica sulla sociologia della Chiesa (Queriniana, Brescia, 1994, p. V).
[iv] Bethge, op. cit., p. 899.
[v] Ruth-Alice von Bismarch e Ulrich Kabitz (org.), Lettere alla fidanzata. Cella 92. Dietrich Bonhoeffer, Maria von Wedemeyer 1943-1945, Queriniana, Brescia, 2004, p. 166-167.
[vi] Bethge, op. cit., p. 903. O tema — como é lógico imaginar — foi trazido à luz por uma “teóloga”. Com efeito, num artigo instigante, a teóloga batista Nancy Elisabeth Bedford trata com sensibilidade o lado côncavo e multiforme da espiritualidade de Bonhoeffer, destacando a imensa figura de sua amada Maria von Wedemeyer: Nancy Elisabeth Bedford, Bonhoeffer íntimo: reflexiones en torno a la correspondencia con Maria von Wedemeyer (1943-1945), em Arturo Blatezky, Alejandro Zorzin, Dietrich Bonhoeffer, a 50 años de su ejecución por el tercer reich, Isedet, Buenos Aires, 1998, pp. 25-43.
[vii] Lettere alla fidanzata. Cella 92, p. 72.
[viii] Lettere alla fidanzata. Cella 92, p. 75.
[ix] The Other Letters from Prison, em Dietrich Bonhoeffer, Letters & Papers from Prison, ed. Eberhard Bethge, New York, Macmillan Publishing Company, 1972, p. 412.
[x] Bethge, op. cit., p. 847.
[xi] Lettere alla fidanzata. Cella 92, p. 101.
[xii] Nancy E. Bedford, op. cit., pp. 28-29.
[xiii] The Other Letters, p. 413.
[xiv] Cf. Nancy E. Bedford, op. cit., p. 29.
[xv] Bethge, op. cit., p. 902.
[xvi] Lettere alla fidanzata. Cella 92, p. 172.
[xvii] Cf. Nancy E. Bedford, op. cit., p. 29.
[xviii] Cf. Bethge, op. cit., p. 1003.
[xix] Lettere alla fidanzata. Cella 92, p. 272.