O primeiro papa “filho” do Vaticano II, 12 anos depois. Artigo de Andrea Grillo

Foto: Duarte Antunes | JMJ Lisboa 2023 Flickr

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14 Março 2025

Esses 12 anos de pontificado são um evento que pode ser muito interessante de estudar sob uma perspectiva requintadamente teológica.

O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, publicado em seu blog Come Se Non, 13-03-2025. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No dia do 12º aniversário da eleição de Jorge Mario Bergoglio a papa (13 de março de 2013), vale a pena fazer uma pequena reflexão sobre o valor “teológico” de seu modo de interpretar e de viver o papado nesses 12 anos. Faço isso com uma breve resenha de quatro temas que merecem uma consideração não apenas “curiosa”, mas também “pensante”.

1. O primeiro papa “filho” do Concílio

Este primeiro aspecto traz à tona o trabalho que as gerações, em sua sucessão, realizam de modo invisível. Depois de quatro papas “pais do Concílio” (João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI), o primeiro papa que não esteve no Concílio como bispo ou como perito implica uma relação “não autobiográfica” com o Vaticano II.

Há em Francisco o início de uma verdadeira “tradição conciliar”, que não havia sido possível para quem havia sido “autor” do Concílio. Com Francisco, a “intenção do autor” se identifica com o trabalho hermenêutico do “filho”. Se os “pais” estão sempre um pouco apreensivos e preocupados com seus filhos “doutrinais”, um filho é necessariamente mais livre e mais sereno. A história é capaz disso ao longo das gerações. Desse modo, introduz-se uma leitura de autoridade dos textos e dos eventos conciliares, proposta não mais pelos pais, mas pelos filhos. 

2. O primeiro papa que “não reside” no Palácio Apostólico

Um dos primeiros gestos simbólicos do Papa Francisco foi “não habitar” no local oficial de seu ofício. Iniciava-se assim uma redefinição – certamente fatigante e lenta – da própria figura do “Bispo de Roma”, começando com sua “saída” do Palácio Apostólico

Não podemos esquecer que, pouco antes de sua eleição, em seu último discurso na Congregação dos Cardeais, o cardeal Bergoglio evocou a curiosa imagem de um Senhor que “bate à porta”, não para entrar, mas sim para sair. Uma “Igreja em saída” não é apenas um slogan eficaz, mas também uma maneira de reinterpretar a função do papado, começando pela limpeza e poda das formas de “residência”. 

Sem focar tanto na “reforma institucional”, Francisco propôs nesses 12 anos sobretudo uma “reforma simbólica” que merece atenção. 

3. O primeiro papa “americano”

Com Francisco, pudemos ver em que medida a “cultura americana” é diferente da cultura europeia. O fato de a Igreja Católica ter passado a fazer a experiência, a partir do Vaticano II, de ser uma Igreja “nos cinco continentes” aprofundou muito a sensibilidade em relação a uma necessária inculturação da fé, do culto, da forma jurídica e das formas de vida eclesiais. 

Embora se trata de um processo lento e gradual, constatamos uma aceleração surpreendente pelo simples fato de um papa interpretar seu próprio ministério por meio de uma cultura diferente da europeia. Esse é um evento teológico de primeira grandeza, mesmo que tentemos escondê-lo com as fáceis “reduções” de Francisco a um “italiano com um sotaque estranho” e, de todos os modos, de origem piemontesa. 

Na realidade, sua compreensão do mundo e da tradição é marcada por uma terra que dista 10.000 km de Roma, onde as estações do ano são invertidas. Esse é um dado que inova profundamente a tradição do papado. 

4. O primeiro papa “jesuíta”

Um último aspecto de novidade é a natureza “religiosa” do cardeal Bergoglio, primeiro jesuíta a se tornar papa. Esse fato trouxe ao seu ministério um traço de novidade ligado ao modo de pensar, de rezar, de exercer a misericórdia, de celebrar e de administrar, característico da tradição inaciana. 

Teologicamente, é muito interessante descobrir como o primado da misericórdia – que certamente é um dos traços qualificadores de seu pontificado – foi mediado por uma linha de interpretação da misericórdia (no campo sacramental e extrassacramental) que pode ser facilmente remetido à “casuística” jesuíta. Encontramos traços disso no modo de abordar as questões relacionadas ao sacramento da penitência ou ao sacramento do matrimônio. 

Isso não impediu Francisco de escrever uma carta apostólica para celebrar Blaise Pascal no quarto centenário de seu nascimento (Sublimitas et miseria hominis). 

Esses quatro pontos, em relação entre si, permitem avaliar esses 12 anos de pontificado como um evento que pode ser muito interessante de estudar sob uma perspectiva requintadamente teológica.

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