08 Janeiro 2025
"Partindo da experiência de exclusão historicamente vivida por essas pessoas, Dianin enfatizou a necessidade de uma Igreja capaz de acolher, acompanhar e discernir, conforme indicado no capítulo VIII de Amoris laetitia", escreve Lorenzo Voltolin, pároco na Diocese de Pádua e professor na Faculdade Teológica do Trivêneto, em artigo publicado por Settimana News, 29-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Abordar o tema das pessoas LGBT+ não significa apenas se confrontar com uma realidade pastoral emergente, mas também repensar as modalidades de ser Igreja em um mundo cada vez mais policêntrico e complexo. Essa é a mensagem que emergiu da jornada de estudos “Espiritualidade das Fronteiras. Acompanhar pessoas LGBT+”, promovida pela Faculdade Teológica do Triveneto.
A Faculdade Teológica do Triveneto promoveu uma importante jornada de estudo intitulada Espiritualidade das Fronteiras. Acompanhar as pessoas LGBT+ (Pádua, 10 de dezembro de 2024). Como parte do ciclo de licenciatura acadêmica, o evento proporcionou uma oportunidade de reflexão e diálogo sobre temas cruciais para a teologia pastoral e o acompanhamento eclesial.
O debate se centrou na dimensão espiritual como chave para entender as complexidades das identidades e das relações, estimulando uma releitura da marginalidade como espaço de graça e crescimento para toda a comunidade eclesial.
Relendo a realidade das periferias
A abertura da jornada foi confiada ao Pe. Antonio Bertazzo, professor da Faculdade e vice-diretor do ciclo de licenciatura, que situou todo o debate em um contexto metodológico inspirado na Evangelii gaudium do Papa Francisco. Citando o convite para “sair do centro”, Bertazzo destacou como as grandes transformações sociais e eclesiais geralmente se originam nas periferias, lugares que permitem uma visão de conjunto mais autêntica e menos condicionada pelas perspectivas dominantes.
As periferias, de acordo com essa leitura, não são apenas espaços de exclusão, mas autênticos laboratórios de análise e construção de um modelo pastoral policêntrico.
Essa abordagem, enraizada no Evangelho, derruba a interpretação da realidade vista de cima para adotar uma perspectiva das margens, que inclui os pobres e aqueles que vivem em situações de marginalidade, oferecendo-lhes um papel ativo na construção do bem comum.
As periferias como lugares de encontro e desafio
Entre os palestrantes, Giampaolo Dianin, bispo de Chioggia e teólogo, abordou o tema da espiritualidade e da identidade das pessoas LGBT+ com uma abordagem teológica e pastoral.
Partindo da experiência de exclusão historicamente vivida por essas pessoas, Dianin enfatizou a necessidade de uma Igreja capaz de acolher, acompanhar e discernir, conforme indicado no capítulo VIII de Amoris laetitia.
Sua análise destacou o “trabalho árduo” da comunidade da Igreja, que vive tensões entre o desejo de inclusão e a exigência de fidelidade à doutrina. Esse trabalho árduo, disse ele, também é um sinal de esperança e uma preparação para uma nova temporada de diálogo e de renovação. Significativa foi sua referência à justiça como princípio fundamental: não se trata de mera caridade, em que aqueles que têm mais concedem àqueles que têm menos, mas do reconhecimento, por direito, da dignidade inerente a cada pessoa.
Nesse contexto, Dianin lembrou a importância de revisar certos paradigmas interpretativos relacionados à distinção entre inclinação e comportamento, destacando sua natureza problemática, especialmente na esfera sexual, onde corpo e identidade estão profundamente interligados.
A espiritualidade das fronteiras como paradigma pastoral
O Padre Pino Piva, jesuíta, aprofundou o conceito de “espiritualidade das fronteiras”, identificando a diversidade e a alteridade como lugares privilegiados da presença do Espírito.
A fronteira, explicou ele, não é uma fronteira que separa, mas um espaço relacional que convida a olhar além, reconhecendo no outro um recurso e não uma ameaça. Essa abordagem pastoral, baseada na relação virtuosa com a alteridade, encontra inspiração na narrativa do Evangelho e no próprio ministério de Jesus, que constantemente atravessou as periferias físicas e existenciais de seu tempo.
Piva também abordou a necessidade de uma formação específica para aqueles que atuam no acompanhamento pastoral de pessoas LGBT+, incluindo um conhecimento apurado das dimensões psicológicas, sociológicas e teológicas ligadas à identidade de gênero e à orientação sexual. Ele insistiu na centralidade da experiência pessoal de misericórdia como premissa para um caminho de integração autêntica, no qual a espiritualidade se torna o motor do crescimento humano e cristão.
A marginalidade como lugar teológico
O Padre Stefano Bellotti, da Comunidade Missionária de Villaregia, ofereceu uma reflexão sistemática sobre a marginalidade, interpretando-a como uma condição universal que diz respeito a todo ser humano. Retomando as percepções de Paulo Freire e Bell Hooks, Bellotti descreveu a margem como um espaço dinâmico, capaz de gerar resistência, identidade e senso crítico. Longe de ser uma realidade a ser “integrada” ao centro, a marginalidade é um lugar teológico, um espaço de excedência no qual a Igreja pode redescobrir sua vocação de ser poliédrica e multiperiférica. A marginalidade dos outros, enfatizou Bellotti, remete à nossa própria marginalidade, chamando cada um a reconhecer sua própria condição de alteridade e dependência. Essa abordagem convida a superar toda polarização e dualismo, a abraçar uma visão integral da espiritualidade cristã, capaz de acolher o limite como lugar de encontro com Deus.
Uma Igreja em diálogo: perspectivas futuras
O debate que se seguiu às apresentações destacou a complexidade e a urgência da renovação pastoral.
Mons. Dianin lembrou que o Evangelho está sempre encarnado na historicidade, recordando o exemplo do longo amadurecimento eclesial do tema da escravidão. Da mesma forma, ele enfatizou a necessidade de um caminho paciente e corajoso para enfrentar os desafios postos pelas realidades afetivas e sexuais, sem renunciar à centralidade da proclamação cristã.
O Padre Piva concluiu chamando a atenção para a contribuição das comunidades cristãs não ocidentais, que poderiam oferecer perspectivas originais sobre essas questões graças à sua experiência histórica e cultural.
A jornada de estudo foi um momento de intensa reflexão, que estimulou perguntas fundamentais para o caminho da Igreja. Mostrou que abordar a questão das pessoas LGBT+ não significa apenas se confrontar com uma realidade pastoral emergente, mas também repensar as modalidades de ser Igreja em um mundo cada vez mais policêntrico e complexo.
O empenho da Faculdade Teológica do Triveneto em promover um debate sério, aberto e respeitoso pareceu evidente, confirmando seu papel como laboratório de pensamento e lugar de formação para uma Igreja em saída, capaz de escutar as fronteiras e extrair delas lições valiosas para o bem de todos.
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