Marcio Pochmann, economista e presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reflete sobre o desenvolvimento brasileiro inacabado e os desafios do país no século XXI, em videoconferência nesta quinta-feira, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU
No mês passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) justificou o aumento da Selic, taxa básica de juros, em 11,25% ao ano, nas incertezas econômicas em relação aos EUA e no gasto público brasileiro. Na última reunião deste ano, prevista para ocorrer entre 10 e 11 de dezembro, a expectativa é de que a taxa seja elevada novamente e suba para 11,75%. As políticas de juros altos do BC, segundo o economista Marcio Pochmann, “convidam os capitalistas a multiplicar sua riqueza sem produzir. A taxa de investimentos despenca. A indústria e os serviços não se modernizam. Resultado: desemprego e trabalho cada vez mais arcaico e precário”.
Em maio do ano passado, quando o Copom fixou a taxa Selic em 13,75%, Pochmann alertou para os efeitos do aumento dos juros em toda a atividade econômica e no mundo do trabalho. Segundo ele, no entanto, essas consequências nem sempre são consideradas, embora estejam visíveis no desenvolvimento do país a curto e longo prazo. “Assim como juros elevados asfixiam o consumo e o investimento produtivo, potencializando ganhos financeiros especulativos e alimentando o rentismo improdutivo, a quantidade e qualidade das ocupações da mão de obra são negativamente atingidas”, disse.
No cenário econômico fortemente influenciado pela dinâmica da taxa básica de juros, adverte, “as possibilidades do trabalho ter a forma do emprego assalariado protegido por direitos sociais e trabalhistas, por exemplo, são decrescentes. O que tende a ganhar maior dimensão é a deformação do trabalho, pois distante do assalariamento e das condições de acesso aos direitos sociais e trabalhistas prevalece a precarização de uma população crescentemente sobrante aos requisitos capitalistas”.
A alta de juros e a criação de uma classe rentista no Brasil são algumas das causas da atual situação socioeconômica do país, marcada, de acordo com o economista, pela “ruína da sociedade urbana e industrial, o desmoronamento das classes sociais básicas desta sociedade, isto é, o desmoronamento da burguesia industrial e sua transformação, em parte, em uma burguesia rentista, que depende de ganhos financeiros através dos juros. E uma outra burguesia comercial, que é uma burguesia importadora, que compra lá fora para vender mais barato e, portanto, depende da taxa de câmbio. Quanto mais valorizada a nossa moeda, mais fácil e mais barato comprar lá fora e vender aqui no Brasil”.
Na virada do século XX para o XXI, resume, “o país viveu uma perspectiva de formação na sociedade urbana e industrial e hoje vive um processo de deformação dessa sociedade urbana e industrial”.
Compreender as escolhas políticas e econômicas que permitiram essa transformação é um dos objetivos do livro O atraso do futuro e o “homem cordial” (Hucitec, 2024), publicado por Marcio Pochmann e pelo sociólogo Luís Fernando Vitagliano. “A nossa preocupação tem sido de oferecer uma interpretação mais estrutural da sociedade brasileira. É justamente nesse sentido que o título destaca o atraso do futuro, partindo do pressuposto que o atraso e a modernidade, no caso dessas especificidades, se combinam ao longo do tempo. Então, não temos só um processo de atraso e depois uma modernidade, na verdade há uma interligação, uma relação dialética se quisermos. (…) E o ponto de partida desta mudança, desta inflexão histórica, está relacionada às opções que o Brasil fez, especialmente a partir de 1990, quando ele aderiu a um receituário neoliberal, que de certa maneira interrompeu o projeto modernista que estava em curso desde a década de 1920”, disse o economista ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na entrevista concedida em novembro.
Reprodução da capa do novo livro de Marcio Pochmann (Foto: Divulgação)
O desenvolvimento inacabado e o homem cordial. O Brasil diante dos desafios do século XXI é o tema da videoconferência de Pochmann no IHU nesta quinta-feira, 12-12-2024. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no YouTube às 17h30min.
Na avaliação de Pochmann, a modernidade é um processo inacabado e interrompido no Brasil. “A modernidade se realizou, porém de forma incompleta. Nós temos ilhas de modernidade e de inovação tecnológica de padrão internacional, isso é inegável. Agora isso é marcado por uma profunda heterogeneidade. (…) Nesse âmbito, a modernidade não se completou e foi interrompida. E, entendemos que foi interrompida por outro projeto político que ganhou e domina o país desde os anos 1990, que vem com a democracia”, menciona.
Enquanto o rentismo cresce, constata o palestrante, o Brasil segue sendo um país em construção. “Falta de tudo, falta casa, falta hospital, falta estrada, falta estrutura. Ou seja, tem espaço para o investimento privado e, obviamente, público. Assim, esse dinheiro poderia ser investido nesses setores demandantes. É claro que o retorno não será tão vantajoso quanto a taxa de juros; a taxa de juros tem que ser muito menor”, sugere.
Marcio Pochmann é presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde 2023 e professor colaborador voluntário no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Marcio Pochmann (Foto: Audiovisual G20 Brasil)
É graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Ciências Políticas pela Associação de Ensino Superior do Distrito Federal e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho e obteve o título de Livre Docente em 2000 pela Unicamp. Foi presidente do Instituto Lula de 2020 a 2023, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2007 a 2012 e da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020. Atuou como Consultor Internacional da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Marcio Pochmann concedeu algumas entrevistas ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. As reflexões sobre a conjuntura econômica, o desenvolvimento do país e a falta de um projeto nacional auxiliam na compreensão do passado e presente do Brasil. Entre as entrevistas, destacam-se: