20 Abril 2024
"A liberdade religiosa promovida pela cultura atual pede agentes pastorais e catequistas que sejam eles próprios livres para arriscar um encontro, para falar com confiança, para acolher a liberdade do outro, livres de todo desejo de domínio, no respeito pela ação de Deus e do mistério de cada pessoa", escreve Rinaldo Paganelli, em artigo publicado por Settimana News, 15-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O desafio da evangelização consiste em viver este tempo, procurando definir os seus contornos e as suas razões profundas. Trata-se de perceber as linhas cíclicas que marcam o hoje da história e de medir os espaços de acolhimento que poderiam ser reservados à verdade da proposta cristã. Em suma, trata-se de aprender a evangelizar o pós-moderno, evangelizando pós-modernamente, com um estilo de anúncio capaz não só de falar de e ao mundo pós-moderno, mas contar o mundo pós-moderno.
Isso postula a decifração dos marcadores mais fortes da pós-modernidade e a sua intensa interrogação. Somente focalizando-os se podem captar os vislumbres capazes de orientar a evangelização.
Certamente não é simples “dar um nome” à nossa época, na qual somos chamados a falar da beleza e da relevância humana da palavra do Evangelho, mas é uma operação indispensável.
Parece oportuno partir de uma expressão muito comum, cuja análise pode ajudar a compreender a cara do nosso tempo: “não existe mais religião”.
É frequentemente usada para nomear os contornos inéditos de um mundo que já não responde mais aos comandos de uma sabedoria antiga, essencialmente informada pela imagem religiosa da existência oferecida pelo cristianismo.
Trata-se de se mensurar com roupas bizarras, com novas gírias, com interrupções repentinas de escolhas de vida outrora definidas “para sempre” (casamento ou consagração religiosa), com escândalos envolvendo pessoas até então acima de qualquer legítima suspeita.
O culto e o simples encontram justamente na frase citada – “não há mais religião” o instrumento mais adequado para expressar a sua desorientação e desconforto diante do tempo em que vivem.
A expressão, no entanto, expressa muito mais do que se poderia inicialmente acreditar: capta em simplicidade e relevância o resultado global daquela virada, mudança, revolução, que chamamos de advento da pós-modernidade. Com ele, de fato, chega o tempo em que já não é mais possível estabelecer alguma forma de visão religiosa sobre a própria vida e sobre o mundo.
Estamos na época do fim da religião, em que já não é mais oferecido ao sujeito humano um quadro partilhado de referências, de valores não negociáveis e hierarquicamente estruturados, com o qual avaliar e ordenar o exercício da sua liberdade e ao qual ligar o próprio desejo de uma vida boa e feliz.
Encontramo-nos claramente na presença de uma nova fase da modernidade, ainda mais radical que a anterior, o que justifica a expressão “ultramodernidade”.
Na etapa anterior ocorreu a separação do poder religioso daquele político, bem como a expulsão de qualquer transcendência da religião do espaço social global.
A fase que estamos vivendo hoje consiste na expulsão de toda transcendência, absoluto, caráter sagrado ou intangível, que ainda tenderia a legitimar uma instituição ou uma prática social.
No mundo tradicional, o critério do absoluto e do intangível provém da religião. Na ultramodernidade não existe mais nenhum absoluto, nenhuma ordem que se imponha a todos. Eis a figura com a qual podemos nomear o nosso tempo: encontramo-nos num tempo definitivamente pós-religioso, um tempo em que desaparecem as condições de possibilidade para que possa acontecer algo como uma “religião”.
A nossa é a época do fim da religião. Essa observação sintética pretende evidenciar a desestruturação a que está sujeita a concepção clássica do homem, dos laços familiares, da sociedade, da ética e da política. O cristianismo já não permite mais uma organização estruturada do cosmos interior do sujeito em correspondência com a ordem sociocultural vigente e em vista da sempre difícil missão de dar nome à própria profissão de viver.
Mais concretamente: a imposição de uma ideia do finito e o abandono da metafísica, a afirmação de uma visão “vitalista” da existência, o advento de uma mentalidade pluralista e a diminuição da força da credibilidade das instituições públicas são os nomes das causas que marcam o desaparecimento da religião.
A dificuldade que o cristianismo sofre hoje é exatamente aquela de se apresentar como uma interpretação global da existência, ou seja, como uma religião. Isso não deixa de se manifestar negativamente na vida das pessoas que, privadas de uma orientação global de sentido, muitas vezes não só ficam à margem da vida eclesial, mas à margem da própria vida.
Trata-se de uma mutilação para todos, crentes e não crentes, porque a cultura cristã é uma das grandes sintaxes que nos permitem ler, ordenar e representar o mundo, expressar o seu sentido e os valores, orientar-nos no emaranhado feroz e insidioso do viver.
O mundo cristão tradicional sente-se desorientado por essa evolução, como se a cultura se afastasse de Deus. De fato, não se afasta de Deus nem do Evangelho, mas de algumas das suas expressões que vêm de outra época e já não conseguem mais expressar seu sentido hoje em novas condições culturais.
Partindo desse quadro, para poder anunciar a mensagem evangélica libertadora, tenta-se oferecer não soluções, porque não existem, mas chaves interpretativas. Movimentos que exigem respeito pelos tempos daqueles que lutam para compreender o seu valor e necessidade.
Certamente o mundo cristão tradicional deve esforçar-se por alcançar a nova cultura para fazer com que o evangelho ressoe nela de uma forma relevante. Mas, acima de tudo, deverá ter a sabedoria para abrir espaços de criatividade. O risco seria bloquear essa possibilidade: é o perigo do tradicionalismo que, por falta de esperança, fixa a tradição, impedindo-a de encontrar uma nova posteridade nos novos contextos culturais. O evangelho, por sua natureza, tende a circular de todos para todos.
Uma primeira questão séria relativa à transmissão da fé é dada pela necessidade de superar uma certa unilateralidade de ação da nossa parte em relação aos outros. Os agentes pastorais, na sua tarefa de acompanhamento na fé, são chamados a colocar-se ao serviço para caminhar com as pessoas.
Nessa perspectiva, os confins de uma comunidade tornam-se locais de troca, pontes de comunicação. Cada um é um ponto da rede que faz a comunicação passar, facilita o acesso aos recursos e contribui para disponibilizá-los. Confins mais porosos permitem concentrar as energias no que é essencial, deixando de lado gradualmente o que não é. A lógica da troca e da partilha é ativada pela concentração das energias em aspectos essenciais à missão.
Por conseguinte, somos exortados a cultivar uma ministerialidade generalizada, capaz de exprimir o sentido das coisas do dia-a-dia, com capacidade de escuta, de ajuda, de solidariedade, quebra da tentação da indiferença. A proximidade no cotidiano é a figura de uma igreja missionária.
Não há dúvida de que é preciso dar-se conta de que existem armaduras pastorais, resistências muito fortes. O grande tema da mudança é que não se quer mudar. Fala-se que se quer mudar, mas tudo na natureza tende a se poupar. Apenas se muda quando se é realmente obrigado.
É por isso que a Igreja tem dificuldade para mudar, porque para todo é difícil mudar: resistências, hábitos, medos, desconfianças. Mesmo na proposta de fé há uma tendência a construir propostas artificiais, como se a fé fosse aprendida não dentro da vida, mas ao lado da vida. De fato, continuamos a pensar em termos de doutrinação, de reproduções iguais a nós mesmos, ao invés de propor a fé que tem a ver com a geração, não com a clonagem, como desenvolvimento de bons hábitos e não de fotocópia de fotocópias.
Mas a fé hoje deve acertar as contas com uma profunda mudança cultural. Essa mudança da vivência leva em conta a transformação da realidade, resumida no conceito de fragmentação identitária. Assistimos à falta de visão única e coerente do self. Atualmente não existe identidade, mas fragmentos de identidade, que não se comunicam entre si. A fé é um desses fragmentos, tanto que vemos contradições evidentes.
Por exemplo, a primeira visita do Papa Francisco a Lampedusa, em 8 de julho de 2013, havia suscitado uma emoção extraordinária, mas depois foram os crentes a ser mais favoráveis a barrar os migrantes.
No nível político, os católicos deslocaram-se em todo o arco constitucional: o partido mais votado pelos católicos em 2018 foi o Movimento 5 Estrelas, quinze meses depois foi a Liga e, em 2022, os Fratelli d’Italia.
Os exemplos podem ser muitos. A prática da fé assinala percentagens em contínuo regresso. Isso não deve deprimir, nem deve levar-nos a perseguir as modas possíveis, mas impele-nos a encontrar uma forma de falar sobre a fé. Não é uma batalha perdida, mas certamente uma batalha complexa. Existe um enorme problema de palavras esvaziadas de significado que amplificam a fragmentação identitária.
Na proposta da fé, Deus foi reduzido a um objeto de que se fala, e não a um sujeito que pode agir dentro da vida das pessoas. Ou a fé foi reduzida a uma série de normas morais. Aqui vale reiterar que a fé não é uma doutrina, não é uma teoria de Deus. Tem a ver com um dom contínuo de vida de parte de Deus. A fé não é para ser construída, mas para ser descoberta. Crer tem a ver com dar significado às passagens importantes da vida. A fé acontece na dimensão da surpresa.
Muitos sinais dizem que existe uma vida espiritual nos nossos contemporâneos, mas as torneiras da Igreja parecem fechadas, distribuem a água de um cristianismo culto, bem explicado, mas que não responde às perguntas de sentido que as pessoas estão se pondo. Deve-se reverter essa forma, superando a vitimização daqueles que reclamam do abandono das comunidades. Não é que não exista uma sede espiritual, é que não existem os canais certos para interceptá-la. Hoje, as maneiras pelas quais nos tornamos crentes são diferentes daquelas com as quais nos tornávamos crentes anos atrás.
Não cremos hoje como acreditavam os nossos avós, mas mesmo assim acreditamos com eles e estamos em dívida com eles por nos terem entregado a fé. Da mesma forma, as gerações futuras não acreditarão como nós, mas conosco, desde que, ao partilhar a nossa fé, lhes dermos a oportunidade de delinear o seu modo de vivê-la na fidelidade à mensagem recebida.
A evangelização realiza-se sob forma de inspiração, que não é fechada, mas abre, de modo sempre novo, a possibilidade de um crer com, na diversidade das expressões culturais.
Nessa perspectiva, ser cristãos não é especificamente cumprir um dever ou agir por um mundo melhor, mas, em todas as circunstâncias e sem condições, receber um dom oferecido gratuitamente. O anúncio evangélico nos fala, de fato, que nos foi doada uma relação com Deus e que somos convidados a vivê-la e a difundi-la em todas as relações humanas. Se essa é a ação de Deus para nós, viver como cristãos consiste primeiramente em dar graças, em deixar florescer em nós a nossa condição de filhas e filhos de Deus.
Viver na graça significará, portanto, empenhar-se com maior determinação na tarefa de estabelecer as condições sociais que correspondam à dignidade e à vocação de eternidade de todos os seres humanos, especialmente onde as condições são mais escassas.
O maior problema da evangelização hoje é tornar o cristianismo não apenas compreensível, mas desejável, bom para a vida. A boa notícia deve em primeiro lugar ser saboreada e não transmitida como muitas vezes se pensa e se fala.
A transmissão é a forma como as máquinas se comunicam. A transmissão é mecânica, é uma passagem de alguém que tem para alguém que não tem. A preocupação da lógica de transmissão é que nenhum conteúdo seja perdido. Não há crescimento na transmissão, porque é uma simples passagem de coisas.
Mas, na fé, não é possível raciocinar assim, porque não somos chamados apenas a dar. A fé privilegia o estilo do compartilhamento, da acessibilidade e da busca em conjunto. A fé tem a ver com a geração, é realizar uma nova forma de estar na vida e em relação com o mundo. Os protagonistas não são os agentes pastorais nem os catequistas, mas é sempre Deus quem age nas pessoas.
O último aspecto destacado diz que o homem é um ser de dignidade, cuja história e percurso pessoal só podem inspirar respeito. O que importa é que o outro possa apoiar-se no testemunho ouvido, tornando seus os elementos que o inspiram, que lhe parecem dignos de fé, que lhe parecem adequados para construir a sua existência. Nessa modalidade de comunicação, a evangelização não é conquista.
Em conformidade com as palavras de Jesus, a imagem mais adequada para expressar a evangelização é aquela da semeadura. Quem propõe o Evangelho é chamado a semear com abundância, generosidade e sem medo, mas também a abandonar todo desejo de controle sobre os efeitos da sua palavra, como respeito pela outra pessoa e pela ação de Deus. Não é, de fato, o semeador que produz o crescimento, mas a liberdade do outro e a liberdade de Deus que sempre nos surpreendem.
A evangelização hoje passa por múltiplos caminhos. Mas há um que parece particularmente oportuno. É o caminho de pequenos grupos na medida humana, nos quais as questões da vida e da mensagem evangélica podem ser discutidas com inteligência, numa cordialidade incondicional e no respeito pelo caminho de cada um.
O homem de hoje é um nômade, um peregrino que, fora das trilhas habituais e das avenidas bem sinalizadas, tenta escrever a sua vida no singular. Evangelizar significa oferecer a esses peregrinos lugares de encontro nas encruzilhadas das estradas, onde cada um possa partilhar perguntas, dúvidas e convicções, e depois partir novamente com sementes de Evangelho no coração e na mente, para o seu livre destino.
É importante derrubar a ideia de ação gerenciada, com a modalidade que privilegia o acompanhamento. Mas, para acompanhar corretamente, é preciso dar um passo para o lado. Em uma ação gerenciada fica-se acima. Colocar-se acima é uma questão de poder, e existe o risco de abuso de poder para fazer com que aqueles que não o têm se sintam desconfortáveis.
Quando se consegue dar um passo para o lado, se entende que a palavra do evangelizador é uma palavra segunda, porque primeiro já existe uma palavra de Deus que ressoa dentro da vida das pessoas.
Não nos aproximamos de alguém que está vazio, mas nos tornamos companheiro de viagem de quem já está atravessado pelos rastros de Deus. Minha ação não será colocar algo que não existe, mas caminhar ao lado daquela pessoa com a confiança de que Deus tem algo a dizer para ela e para ele para ajudá-los a descobrir aqueles vestígios que já os habitam.
Descobre-se, então, que mesmo aqueles que parecem menores na fé, no seu modo de viver, também têm algo a nos dizer. É preciso surpreender-se e surpreender os nossos interlocutores com a boa notícia de que já estão salvos. É necessário desenvolver uma fraternidade que assume a forma do serviço e da liberdade.
O desafio, o gesto e a palavra de quem anuncia deveriam tornar-se não só aqueles de quem “passa o bastão”, mas também daqueles que “abriram espaço para cada um no recebimento da herança”. Isso exige humildade e respeito pelo outro, flexibilidade e variedade de propostas. Para que o anúncio encontre a vida é necessário dar corpo à Palavra. Ou seja, é necessário que o Evangelho encontre primeiro a nossa vida.
A liberdade religiosa promovida pela cultura atual pede agentes pastorais e catequistas que sejam eles próprios livres para arriscar um encontro, para falar com confiança, para acolher a liberdade do outro, livres de todo desejo de domínio, no respeito pela ação de Deus e do mistério de cada pessoa.