04 Abril 2024
A Universidad Nacional del Centro trabalhou na reconstrução do caso e das provas. "O que lhe aconteceu o marcou para sempre", diz Lucas Bilbao, pesquisador e acadêmico. A história está sendo discutida em Mar del Plata junto com outros crimes de Olavarría.
A reportagem é de Ailín Bullentini, publicada por Página12, 01-04-2024.
Num fim de semana de novembro, há 49 anos, o Exército interrompeu uma festa patronal que estava acontecendo na praça central de Urdampilleta, uma pequena cidade no centro da província de Buenos Aires, cercada pelas cidades de Bolívar e Olavarría. Vários jipes, um caminhão, dezenas de soldados armados e todo o aparato para levar um homem: o padre Omar Dinelli, membro do Movimento de Sacerdotes do Terceiro Mundo. À luz do dia, e com dezenas de moradores como testemunhas, os militares algemaram o pároco, o colocaram em um caminhão e o levaram. Ele passou alguns dias na Delegacia de Olavarría e depois começou uma jornada por diferentes prisões do país. Foi libertado durante a ditadura, em 1976, e se exilou. Seu caso só agora começou a ser exposto no âmbito de um julgamento por crimes contra a humanidade. Só há um réu acusado: Américo Ferrer, ex-chefe de Logística da Área Militar 124.
Dinelli hoje tem 85 anos. Ele ainda vive na França, onde se estabeleceu exilado da Argentina. Nunca prestou depoimento à Justiça e também não o fez no âmbito do julgamento "La Huerta", no qual Ferrer é acusado pelo seu sequestro, entre outros crimes contra a humanidade. Dinelli enfrenta alguns problemas de saúde, mas está entusiasmado com o fato de que finalmente o que sofreu nos anos anteriores ao golpe de Estado e ao terror desencadeado possa ter algum grau de reparação.
"Quase cinquenta anos se passaram, o que aconteceu o marcou para sempre, tirou-o de seu país, ele nunca mais pôde voltar. É importante que um tribunal registre que o que ele sofreu foi um crime", contextualiza Lucas Bilbao, pesquisador da Universidade Nacional do Centro da Província de Buenos Aires (Unicen) e testemunha especializada no julgamento que expôs o caso Dinelli.
Pesquisador do Instituto de Estudos Histórico-Sociais da Faculdade de Ciências Humanas da Unicen e do Instituto de Geografia, História e Ciências Sociais do Conicet/FCH/Unicen, ele também destaca o valor das pesquisas sólidas nos processos de memória, verdade e justiça, de reconstrução e reparação. "Para isso também servem as ciências sociais e as pesquisas acadêmicas", diz.
O depoimento de Bilbao no debate oral e público contribui significativamente para a causa por várias razões. Primeiro, porque o Instituto de Geografia, História e Ciências Sociais, do qual ele faz parte, guarda o arquivo do Movimento de Sacerdotes do Terceiro Mundo, do qual Dinelli fez parte. Em seguida, porque foi ele quem elaborou o parecer técnico solicitado pelo Ministério Público de Azul ao Instituto no âmbito da instrução do caso sobre o sequestro de Dinelli e como prova. Uma prova que, naturalmente, a defesa de Ferrer se esforçou para desacreditar. Não teve sucesso. Por último, porque Bilbao conversou várias vezes com o padre para elaborar o parecer técnico, para o qual também visitou Urdampilleta.
"Foi surpreendente conversar com moradores da cidade, porque mesmo muito tempo depois eles ainda se lembravam do episódio, seu relato coincidia", destaca o pesquisador, que descobriu a história do padre pela primeira vez no início dos anos 2000, a partir de uma pesquisa realizada por estudantes do ensino médio da região no âmbito do programa Jovens e Memória.
O Movimento de Sacerdotes do Terceiro Mundo foi um dos coletivos sociais, religiosos e políticos especialmente atingidos pela repressão ilegal desencadeada durante a década de 70 na Argentina. Cerca de 50 sacerdotes foram presos políticos, calcula Bilbao. Um deles foi Dinelli.
Em 22 de novembro de 1975, era um sábado. À tarde, a festa pastoral que estava ocorrendo no centro de Urdampilleta foi interrompida e obscurecida. Um grupo do Exército a bordo de vários jipes e de um caminhão militar do regimento de Olavarría invadiu o local e revistou a paróquia onde Dinelli vivia. Eles reviraram a biblioteca, onde havia "livros de Paulo Freire, análises marxistas, livros de Perón, a literatura política da época", reconstrói Bilbao com base em relatórios de inteligência. Estavam procurando por ele, mas Dinelli resistiu: "Eles tentaram levá-lo à força, mas ele se recusou: disse que só sairia de lá morto. E eles foram embora", aponta o pesquisador.
Pelos relatos dos vizinhos, ele soube que muitas pessoas testemunharam o episódio porque naquele dia estava sendo projetado um filme e acontecia uma corrida de bicicletas para as crianças e as famílias. "Todos ficaram chocados", reconstrói Bilbao.
Os militares foram embora naquele dia, mas voltaram no dia seguinte. Domingo, 23 de novembro, horas da tarde. "Os jipes e o caminhão entraram pela parte de trás da paróquia até a área", detalha com base nas informações que pôde obter.
Américo Ferrer era o responsável pelo grupo, chefe de Logística e membro do Estado-Maior da Área 124, sediada no Regimento de Cavalaria de Tanques 2 de Olavarría. Ele estava acompanhado por Vicente Belsito, que assumiu o cargo de Ferrer a partir de dezembro de 1975 e morreu impune. Voltaram para levar o pároco: "Eles o levaram atrás de um jipe, o algemaram e o colocaram no caminhão", resume o acadêmico.
Dinelli ficou cerca de um dia na delegacia de Olavarría. Depois foi transferido para a prisão de Sierra Chica, onde anos antes havia sido capelão. Lá, contextualiza Bilbao, "as mesmas pessoas com quem ele trabalhou agora o agrediam e o maltratavam, ele sofreu muito com tudo isso". Ele ficou três semanas incomunicável. Depois, foi transferido para Devoto e depois para Resistência, antes de ser libertado em junho de 1976. Em uma entrevista concedida à escritora Marta Diana, o padre contou que nas prisões foi maltratado: "Os maus-tratos, as torturas e a incomunicabilidade eram comuns para os presos políticos".
"Quando o libertaram, ele teve que ficar 'escondido' no Seminário de Azul, sob liberdade vigiada. Quando mataram os padres riojanos (Carlos de Dios Murias e Gabriel Longueville) e (o bispo Enrique) Angelelli, ele decidiu que estava tudo muito difícil e partiu", conclui o pesquisador.
Dinelli voltou à Argentina em 1984 e, em 2019, em relação à beatificação das vítimas da última ditadura.
No ano passado, o caso de Dinelli foi incorporado, juntamente com outros acontecimentos na jurisdição de Olavarría, ao julgamento que há dois anos revisa nos Tribunais Federais de Mar del Plata os crimes de lesa humanidade que ocorreram naquilo que ficou conhecido como Subzona12, um território que incluía essa cidade, Tandil e Azul, e outras menores como Flores, Benito Juárez, Saladillo, entre outras. Conhecido como "La Huerta" pelo centro clandestino que tinha esse nome e funcionava em Tandil. Ferrer é um dos 26 membros do Exército, da Polícia, do Serviço Penitenciário e civis acusados. A investigação preliminar foi realizada pela Promotoria de Azul por quase uma década.