16 Janeiro 2024
Arnoldo Mosca Mondadori, conseguiu. Em menos de um mês, no dia 12 de fevereiro, o teatro La Scala apresenta um concerto realizado com todos os instrumentos musicais feitos com os barcos de Lampedusa. É algo único.
As madeiras dos massacres e da precariedade transformadas em violas e violinos? Talvez a emoção mais bela seja a das pessoas detidas, que, graças aos seus mestres luthiers, souberam transformar pedaços de madeira devastados em instrumentos de arco. Devolveram vida ao que era desperdiço.
Alguns deles são cidadãos estrangeiros e estiveram justamente naqueles barcos.
Conversa ao anoitecer.
Arnoldo Mosca Mondadori tem uma voz baixa, um sussurro jovial. E talvez seja um dos intelectuais menos dispostos e ao mesmo tempo mais imparáveis daquele exército oculto, mas atuante e solidário, que na Itália atende pelo nome de Terceiro Setor. Às vezes você se pergunta como consegue ter aquele ar de felicidade, quase infantil, sempre estampado no rosto. Mesmo que atravessado pela vida, pela humanidade, por tentações.
Bisneto do grande editor que criou o império Mondadori, seu pai foi o brilhante e ativo Paolo Mosca, diretor de jornais e revistas (também a Playboy), seu avô materno foi Alberto Mondadori, fundador do il Saggiatore, e seu avô paterno foi Giovanni Mosca, colunista do Corriere. Mas ele, a mulher e os três filhos têm um único centro em torno do qual tudo gira, duas sílabas que em certos ambientes fazem sorrir ou causam perplexidade: “Jesus”.
A entrevista é de Conchita Sannino, publicada por La Repubblica, 14-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Conseguir daqueles destroços “A Orquestra do Mar” não deve ter sido fácil.
Mas muitas pessoas ajudaram-nos. Esse drama contemporâneo sempre foi, para a Fundação Casa dello Spirito e delle Arti, que presido, um tema central dos nossos projetos: em 2013 construímos a Cruz de Lampedusa com a madeira de barcos dos migrantes que, abençoada pelo Papa Francisco, percorreu a Europa por anos, levando uma mensagem de humanidade contra a indiferença. Na prisão de Ópera, em Milão, abrimos uma oficina de fabricação de violinos há dez anos. Depois a aliança com Nápoles, com a Fundação San Gennaro e com o padre Antonio Loffredo envolveu também a prisão de Secondigliano.
Os ingressos no La Scala agora servem para pagar os cursos para os trabalhadores detentos. Mas vocês já sentiram a tentação de desistir diante da instrumentalização ideológica?
Foram precisamente as instrumentalizações contínuas que nos levaram a fazer um acordo com o Ministério do Interior em 2021, então presidido por Luciana Lamorgese, que gostou muito da ideia. E no dia 12, aliás, no templo da ópera, levaremos 2 violas, 8 violinos, 2 violoncelos e um contrabaixo. Um grande privilégio ter recebido a adesão de mestres como Mario Brunello e Giovanni Sollima, e a redação de um texto inédito do escritor Paolo Rumiz.
Mimmo Paladino ofereceu-nos uma das suas instalações mais conhecidas: os Adormecidos, que relembra o drama dos migrantes náufragos.
Como está o andamento do projeto? Sting já aderiu, tocando apenas para os internos de Secondigliano.
A Orquestra do Mar é de fato um projeto aberto a muitos artistas europeus que aceitem o desafio de trazer beleza e harmonia contra a ideologização de um grande problema. Portanto, sou grato ao La Scala que dá voz aos descartados.
Não se refere apenas aos migrantes.
O Papa Francisco já disse: é a cultura do descarte que está se afirmando. O descarte das crianças durante as guerras, o descarte dos idosos, dos abortos.
Você escreveu “O milagre da vida” com Luca Crippa e o cientista Gabriele Semprebon, prefácio do Papa Francisco. É um daqueles radicais antiaborto que gostariam de atacar os direitos ou a lei 194?
“O que vou lhe dizer pode parecer paradoxal, mas talvez seja a hora de parar de fazer disso uma questão religiosa. A sociedade, o sentido de humanidade, entra em jogo aqui. Tenho em mente as palavras de Madre Teresa de Calcutá, quando dizia: Deem para mim! Ela acompanhava concretamente as mães que queriam fazer um aborto, ajudava elas “adotando” os seus filhos. E se há muitas pessoas que fazem aborto e muitas pessoas que acolheriam aquelas vidas, porque não favorecer políticas de encontro nesse sentido? Porque aquela vida é pequena, os seus direitos são ignorados. Mas toda vida humana é assim, com todo o seu patrimônio genético, desde a concepção. A ciência diz isso. Não podemos matá-la."
A ciência: você tem certeza?
Margherita Hack era uma grande cientista, era ateia. Trabalhei com ela enquanto escrevia cinco de seus livros e passamos horas falando sobre as estrelas, sobre o universo. Tenho uma lembrança vívida disso, belíssima. Partir da observação significa dialogar sem barreiras, estarmos unidos pela humanidade. Foi uma grande lição estar ao lado dela.
Você era muito próximo de Alda Merini, tanto que Roberto Faenza em seu último filme sobre a poetisa, “Folle d'amore”, inseriu a personagem Mosca Mondadori.
Ennio Morricone dizia-me que a música, toda a música, já existe no universo: basta ‘interceptá-la’. É isso: Alda fazia o mesmo com a poesia: a via.
Em que sentido?
Eu tocava o piano na sua casa e ela ditava com o gravador na mão. Quando me telefonava, muitas vezes só ouvia o silêncio e depois, passados alguns segundos, a voz dela ditando um poema. Tinha que ter cuidado para que não houvesse nenhum tipo de ruído ou ela desligava imediatamente. Uma vez eu estava numa rua barulhenta e movimentada, ela me ligou, eu deitei na rua, me enrolei num casaco para não perder nada... quando me levantei aquelas páginas me pareciam pegar fogo
Entre vocês, um vínculo profundo.
É impossível não ficar fulgurado. Lembro-me de um dia: estávamos na estação central de Milão. Uma garota drogada aproximou-se de Alda e pediu-lhe mil liras. Alda tirou 250 mil liras do sutiã (onde guardava o dinheiro) e deu a ela. A garota nos seguiu e dise para Alda: “Mas você se dá conta do quanto me deu?". E Alda: “Mas você sabe que fiquei doze anos num hospital psiquiátrico?".
Estes anos 20 e as guerras: Ucrânia, Israel, agora o Mar Vermelho.
Você se lembra de como De André falava de Jesus? ‘Inumano é sempre o amor/de quem suspira sem rancor/perdoando com a última voz/quem o mata entre os braços de uma cruz’. A única revolução continua sendo aquela cruz. Só aí podemos ver como o imperdoável pode ser perdoado. E, se não conseguirmos ver isso, qualquer tipo de acordo de paz também será inútil. Sem aquele homem (para mim, aquele Deus) que perdoa o imperdoável, nada pode ser entendido nem resolvido.
Em uma foto você ri e entrega o primeiro violino feito ao Papa, é um apaixonado por Francisco. Que, no entanto, estarreceu milhões de católicos com o anúncio da bênção aos casais homossexuais.
Ele é um gênio do bem, o Papa Francisco. E é um farol para todos. O Evangelho sempre desorienta. E o Papa encarna o Evangelho e tenta levá-lo hoje entre nós. Também Jesus incomodava. Há cerca de 30 anos entrevistei o teólogo Pierre Riches, o livro se chamava A fé é uma bagagem leve, ele também falava especificamente de bênçãos para os casais homossexuais.
Você não compreende a desorientação de muitos católicos?
Se Jesus estivesse aqui agora, não acolheria uma pessoa transexual à sua mesa? Não falaria com essa pessoa? Certamente devemos evitar todo tipo de ideologia, e o Papa diz isso todos os dias. O amor é o ponto. Como dizia Santo Agostinho: ame e faça o que quiser. Contudo, a liberdade do amor também assusta muitos católicos. E alguns padres que prejudicam a Igreja. Se existe um Deus, é um louco de amor.