Carta a Geraldo Alckmin. Por Luiz Carlos Bresser-Pereira

Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

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04 Janeiro 2024

"Meu caro Geraldo Alckmin, as tarifas não perderam sentido. Elas continuam ou devem continuar a ser o principal instrumento de qualquer política industrial bem-sucedida. Estou propondo que você as considere no seu projeto de política industrial", escreve Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas, em carta aberta publicada por A Terra é Redonda, 28-12-2023. 

Eis a carta.

Meu caro vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, escrevo-lhe esta carta para lhe falar de política industrial e de tarifas aduaneiras. Sim, tarifas aduaneiras. Li hoje uma excelente reportagem na revista Carta Capital sobre o projeto de política industrial que você e sua equipe estão prestes a concluir. Como seus assessores observam, é realmente uma nova política industrial.

Nova porque ela não se estrutura por setores, mas por missões: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bioeconomia, desenvolver tecnologias estratégicas. Para cada missão haverá um grupo de trabalho a cuidar da implantação e da supervisão das políticas industriais. Parece-me tudo ótimo. Não tenho nada a acrescentar.

Quero, porém, discutir os instrumentos. Curiosamente, a expressão “política industrial” só passou a ser regularmente utilizada depois da “virada neoliberal” de 1980. Antes, os países em desenvolvimento praticavam a política industrial, mas não usavam esse nome, e, sim, política de substituição de importações.

O grande instrumento de política industrial que era então usado eram as tarifas aduaneiras. O neoliberalismo naturalmente criticou violentamente a política de substituição de importações, chamando as tarifas de “protecionistas”. Tiveram êxito porque, a partir dos anos 1980, o neoliberalismo se tornou dominante em toda parte e porque o modelo de substituição de importações já estava dando sinais de relativo esgotamento.

O que sobrou para o mundo subdesenvolvido, para nós, foi a política industrial, que também era criticada pela nova “verdade”, mas com menos ênfase. Porque estava baseada em subsídios fiscais e creditícios que o Império sabia serem limitados porque caros. Mesmo, portanto, que usássemos política industrial, não iríamos longe.

Na periferia do capitalismo, nos países em desenvolvimento, nós, economistas desenvolvimentistas, aceitamos docemente a nova ordem das coisas. Criticávamos duramente o neoliberalismo, mas esquecemos as tarifas, como se elas houvessem perdido sentido.

Meu caro Geraldo Alckmin, as tarifas não perderam sentido. Elas continuam ou devem continuar a ser o principal instrumento de qualquer política industrial bem-sucedida. Estou propondo que você as considere no seu projeto de política industrial.

Estaria sugerindo que voltemos à política de industrialização por substituição de importações? Não, a indústria brasileira já não é uma indústria infante. Pode sê-lo em novos setores, mas isso não legitima voltarmos a essa política. Ela foi fundamental no início da industrialização, mas essa fase está superada.

Como justificar, então, que voltemos a usar tarifas? As tarifas elevadas que tivemos até 1990 – o ano da desastrosa liberalização comercial – não se justificavam apenas pelo argumento da indústria infante (que não era mais aplicável), mas também pelo argumento da neutralização da doença holandesa. Como esse segundo fato não foi considerado, a liberalização comercial desencadeou um violento processo de desindustrialização.

Mas há uma justificação mais geral. Os dois argumentos anteriores – o da indústria infante e o da neutralização da doença holandesa – supõem que, não existindo os dois problemas, o mercado internacional garantirá que os recursos econômicos serão aplicados pelos países de forma ótima. Ora, sabemos que essa é a tese da ortodoxia neoliberal – que sempre se mostrou falsa quando aplicada.

Não estou propondo que voltemos às tarifas elevadas adotadas no período de grande desenvolvimento do Brasil (1950-1980) e ainda na crise dos anos 1980. Devemos, porém, usar tarifas aduaneiras sistematicamente. Usá-las como instrumento de política industrial ao lado dos subsídios.

Mas, poderão alguns arguir, o sistema tarifário brasileiro tem problemas –especialmente o fato de protegermos mais os insumos do que os bens acabados. Isso é verdade, mas daí não segue que devamos, primeiro, fazer uma reforma tarifária e depois usar as tarifas como instrumento de política industrial. Reduzir as tarifas de importação de insumos básicos envolve um processo difícil e demorado; usar tarifas aduaneiras no quadro da nova política industrial é algo que pode ser feito imediatamente.

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