21 Julho 2023
O Deus da Bíblia e dos Evangelhos é verdadeiramente um Deus louco de amor e de ternura. Estamos muito longe da imagem de Deus oferecida pela maioria das celebrações, que começam com “Reconheçamos os nossos pecados!”, “Confesso a Deus todo-poderoso...”. Não, nada disso tem a ver com o Pai. Mas, pelo contrário, dois braços lançados ao redor do pescoço e beijos. Como nos mostra a parábola do filho perdido e reencontrado.
O artigo é de Jean-Claude Thomas, cofundador do Centre Pastoral Halles-Beaubourg e presidente da associação Arc en Ciel, publicado por Saint-Merry Hors-les-Murs, 31-12-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um amigo, Georges Kowalski, costumava dizer: “Amar é reservar boas surpresas para o outro”. Tenho vontade de dizer: “O que é próprio de Deus, que ninguém viu nem pode ver, é nos reservar boas surpresas. Assim Deus é amor”. Mas não posso falar disso senão com admiração. Surpresa última que nos deixará deslumbrados e fascinados para sempre.
Gregório de Nissa dizia sobre a eternidade: “Iremos de início em início através de inícios que nunca têm fim”. Sem poder nos representar nada, porque, como muitos dos nossos contemporâneos, faltam-nos as imagens, e abundam as perguntas, mas o que já vivemos pode nos dar o sabor, reavivar seu desejo.
As surpresas vividas, aquelas que fizeram nascer em nós uma alegria intensa, fazem-nos entrever algo de uma alegria eterna. O Abade Pierre dizia: “A vida é o tempo que nos é dado para poder finalmente reconhecer o amor quando ele se revelar a nós”.
A surpresa final não é a única. Se ouso crer, a surpresa final é de que a minha vida, este caminho vivendo felicidades e sofrimentos com os outros está pontilhado de múltiplos momentos de admiração. Em particular diante daqueles dons que revelam algo do rosto de Deus. Muitos encontros humanos são seus portadores e nos fazem pular diante desse desvelamento. Todas as vezes, eles me deixam surpreso e perturbado por um longo tempo, com um desejo renovado de continuar o caminho.
As fontes dessas surpresas são os grandes e também os pequenos, muitas vezes sem saber. Especialmente os pequeninos, com seus balbucios sobre a palavra de Deus, suas intuições ou suas palavras tão simples. Jesus já bendizia ao Pai por aquele saber que não é o dos sapientes e dos sábios.
Um exemplo: no Chile, em uma comunidade de bairro com a qual a Saint-Merry estabeleceu laços, homens e mulheres se revezam introduzindo a eucaristia dominical com uma oração pessoal. Uma delas, Glória, começou um dia a oração com estas palavras: “Meu querido Deus”, expressando de forma simples e direta uma ternura que nos faz pensar na forma de rezar de Jesus.
Ele também usava palavra que não eram habituais: ousava dirigir-se ao Pai dizendo “Abbá”, a ponto de escandalizar seus contemporâneos. Mas não é justamente essa a relação, a intimidade que nos faz compartilhar?
Preparar juntos, em várias pessoas, uma celebração é frequentemente um caminho de descoberta. Cada um dos participantes traz consigo uma imagem de Deus que está no ponto de convergência entre sua memória e sua experiência, suas perguntas e suas intuições. O movimento para a novidade de Deus começa quando essas imagens se defrontam umas com as outras junto com a Palavra recebida juntos. O que é dito nunca é satisfatório imediatamente, mas abre um espaço em que as compreensões entendimentos podem se chocar, um pouco como pedras focais, fazendo desprender uma faísca, uma luz nova.
Gostaria de acrescentar que o catecismo, para além das imagens estereotipadas que nós associamos a ele, também é frequentemente proposto hoje como um itinerário espiritual a ser vivido juntos, adultos e crianças, um caminho de descoberta a ser percorrido com base em sólidas bases bíblicas. Começa-se a partir de questões às quais os mais especialistas se sentem tentados a responder de imediato, correndo o risco de se limitarem a repetir o que já é conhecido.
No Evangelho, quando Jesus é questionado, muitas vezes ele prefere relançar outra pergunta, levando seus interlocutores a refletirem, a buscarem sozinhos, a olharem para longe.
Vivo cada um desses momentos de debate e sua parcela de incerteza com a esperança de um outro desvelamento. Vivo-os como um caminho para uma outra imagem de Deus. Às vezes, um dos participantes, com surpresa, descobre tal imagem por trás de sua própria palavra, como uma bolha de luz que vem do mais profundo de si mesmo.
Quantas vezes saímos de uma experiência com surpresa e emoção por aquilo que nos foi dado vislumbrar, graças a uns e a outros, no coração dessa Palavra. Penso em particular no que se pode desprender a partir daquelas maravilhas que são as parábolas: elas se revelam inesgotáveis. Como a do filho pródigo, que sempre nos convida a nos perguntar: “Mas quem é esse pai, para acolher assim esse filho que volta para ele?”.
Repreende-se Jesus por acolher os pecadores e por comer com eles. Como explicação, Jesus conta a história de um homem “que tinha dois filhos”.
O mais novo pede ao pai a sua parte na herança, vai-se embora e desperdiça o dinheiro levando uma vida desordenada. Na miséria e de barriga vazia, ele pensa novamente na casa do pai. E reflete.
“Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome... Vou me levantar, e vou encontrar meu pai, e dizer a ele: Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço que me chamem teu filho. Trata-me como um dos teus empregados” (Lucas 15,17-18, trad. Bíblia Edição Pastoral).
O filho prepara suas palavras de pedido de asilo e de perdão. Mas as coisas ocorrerão de modo muito diferente no momento crucial da história, por meio da qual Jesus expressa o sentido daquilo que ele faz, de sua proximidade com os “pecadores” que escandaliza os bem-pensantes da época.
O que o pai vai fazer? Como ele vai acolher aquele filho? Vai expulsá-lo, dizendo-lhe: “Você só tem o que merece! Bem feito!”? Apontará um dedo acusador contra ele, dizendo-lhe: “Arrependa-se!” e o obrigará a se ajoelhar? Vai convocá-lo perante o tribunal familiar? Ou lhe concederá um lugar para expiar sua culpa?
Nada de tudo isso! Jesus diz:
“Quando ainda estava longe, o pai o avistou, e teve compaixão. Saiu correndo, o abraçou, e o cobriu de beijos. Então o filho disse: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço que me chamem teu filho’. Mas o pai disse aos empregados: ‘Depressa, tragam a melhor túnica para vestir meu filho. E coloquem um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Peguem o novilho gordo e o matem. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’. E começaram a festa” (Lucas 15,20-24; trad. Bíblia Edição Pastoral).
O Deus da Bíblia e dos Evangelhos é verdadeiramente um Deus louco de amor e de ternura. Estamos muito longe da imagem de Deus oferecida pela maioria das celebrações que começam com “Reconheçamos os nossos pecados!”, “Confesso a Deus todo-poderoso...”. Não, nada disso tem a ver com o Pai. Mas, pelo contrário, dois braços lançados ao redor do pescoço e beijos. E uma inversão total da situação: uma festa, um baile, o vestido mais bonito e um anel no dedo!
Na parábola, o filho mais velho é o primeiro a se dar conta desse contraste extremo e surpreendente. É muito desconcertante para ele que ele tenha sido sempre bom e, ao contrário do irmão, tenha feito tudo o que tinha que fazer. Ele repreende veementemente o pai por aquela atitude e aquela acolhida inapropriada.
“O filho mais velho estava na roça. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança. Então chamou um dos criados, e perguntou o que estava acontecendo. O criado respondeu: ‘É seu irmão que voltou. E seu pai, porque o recuperou são e salvo, matou o novilho gordo’. Então, o irmão ficou com raiva, e não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. Mas ele respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua; e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Quando chegou esse teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho gordo!’ Então o pai lhe disse: ‘Filho, você está sempre comigo, e tudo o que é meu é seu” (Lucas 15,25-31; trad. Bíblia Edição Pastoral)
Quando veremos nas nossas igrejas a imagem desse pai que se joga ao pescoço do filho perdido e o cobre de beijos? Não é talvez essa a imagem que Jesus apresenta como referência? Não é assim talvez que ele explica sua atitude em relação aos rejeitados, que muitas vezes se consideram menos do que nada?
Essa parábola nos apresenta a imagem divina do Pai, aquele Pai do qual Jesus expressa diretamente com seus atos o amor e a misericórdia. Rembrandt entendera bem isso, oferecendo à nossa meditação a figura desse pai que coloca as mãos sobre os ombros do filho perdido e reencontrado, em um maravilhoso quadro do museu Hermitage em São Petersburgo.
Como dizia Joseph Moingt, trata-se de superar continuamente “o conhecido” de Deus:
“Deus nos deixa o tempo e o cuidado de decifrar seu verdadeiro rosto por meio da carne de Jesus. E Jesus deixa-nos buscar a Deus no caminho que ele nos traça com seu Evangelho. Porque a revelação de Deus precisa ser sempre purificada das representações antigas com as quais a recebemos e das representações novas com as quais continuamos a revesti-la ao longo do tempo. E a evolução dos tempos nos provoca todas as vezes a interrogar de novo a revelação a partir de perguntas novas... Muitas vezes, podemos lamentar que a Igreja não tenha sabido converter melhor ‘o conhecido’ de Deus, oferecido por cada tradição religiosa, na revelação de Deus de Jesus Cristo.”