05 Abril 2023
Como nenhum homem, nem mesmo a cristandade se alimenta de marmelada. O bom Deus não escreveu que nós fôssemos o mel da terra, mas o sal. O sal sobre a pele cortada queima. Mas também evita o apodrecimento.
O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, ex-prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 03-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Aquele rabino viajante uma vez subiu uma montanha na Galileia e fez um discurso memorável que, séculos depois, seria chamada de sua Magna Charta. Era Jesus de Nazaré e nas primeiras frases daquele sermão, dirigindo-se aos seus discípulos e à multidão que o ouvia, interrogava-os assim: “Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens” (Mateus 5,13). Essas palavras referem-se à nossa citação extraída daquela obra-prima que é o Diário de um pároco de aldeia, de Georges Bernanos.
O escritor francês contrapõe sal e mel, dois sabores antitéticos e, com Cristo, opta pelo primeiro que consegue dar sabor aos alimentos, mas que tem uma qualidade adicional: derramado sobre a pele, sobretudo se estiver ferida, faz estremecer a pessoa como se fosse uma queimadura, porém consegue purificar, cauterizar; aliás, evita a putrefação de alguns alimentos com a salga. O símbolo é claro: a fé autêntica não é consolatória, mas abala as consciências; não é melíflua, mas ardente.
Infelizmente, porém, e isto também vale para outros valores e escolhas, a tentação que espreita é de recorrer a poções espirituais anestésicas, a marmeladas de palavras vãs e persuasivas. A religião genuína não é hortelã para aromatizar delicadamente um alimento, mas uma semente que, se morrer, brota e produz frutos, como ainda dizia Jesus (Jo 12,24).