Morreu o irmão Biagio Conte, o anjo dos últimos de Palermo

Biagio Conte. (Foto: Vatican Media)

13 Janeiro 2023

O missionário leigo, 59 anos, fundador em 1993 da "Missão de Esperança e Caridade", que assiste e acolhe mais de 600 desabrigados e migrantes em cerca de uma dezena de estruturas, havia anunciado no final de junho de 2022 que estava sofrendo de câncer no cólon. Em setembro de 2018, o Papa Francisco, em visita à capital siciliana, almoçou na sede histórica de sua Missão. Nascido em família abastada, deixou tudo aos 26 anos e, como eremita e peregrino, aproximou-se de São Francisco em Assis.

A reportagem é de Alessandro Di Bussolo, publicada por Vatican News, 12-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

Pediu orações quando foi diagnosticado com câncer no cólon em final de junho de 2022. E os palermitanos solidários, os numerosos benfeitores de sua "Missão de Esperança e Caridade" e os últimos de Palermo ao lado dos quais vivia há trinta anos, uniram-se em uma corrente de silenciosas invocações pela saúde do irmão Biagio Conte.

Essas orações, que os irmãos e os voluntários da sua Missão, guiados pelo Padre Pino Vitrano, rezavam juntamente com ele, no seu quarto transformado em quarto de hospital, na sede da via Decollati, todos os dias às 12 e 18h, acompanharam o missionário leigo ao encontro com o Senhor, às 7h desta manhã, quinta-feira, 12 de janeiro.

Suas condições começaram a piorar pouco antes do Natal: no dia 30 de dezembro o irmão Biagio, já acamado, recebeu a visita do arcebispo de Palermo Corrado Lorefice e do cardeal Paolo Romeo, arcebispo emérito. Nos mesmos lugares, o irmão Biagio havia recebido o Papa Francisco, que quis almoçar com os moradores da Missão durante sua visita a Palermo em 15 de setembro de 2018.

No final de dezembro, os médicos haviam suspendido os tratamentos

Em outubro, Biagio Conte havia escrito ao arcebispo, que sempre apoiou suas lutas pelos sem-teto, migrantes e todos os marginalizados da cidade de Palermo, pedindo que ficasse "bem perto" dele porque os médicos do hospital onde estava em tratamento explicaram-lhe que teria de "prolongar mais três meses de quimioterapia e depois fazer uma cirurgia ao cólon, e depois de mais um ciclo de quimioterapia, iriam operar o fígado, para substitui-lo, ou seja, iriam fazer um transplante”.

“Caro pastor Corrado, estou muito preocupado – escreveu ainda na carta – fique perto de mim, confio-me às suas preciosas orações e estou feliz por compartilhar hoje seus preciosos anos; saiba que minhas míseras orações estão perto de você e de toda a amada Santa Igreja". Mas no final de dezembro os médicos interromperam os tratamentos e confiaram o Irmão Biagio às orações de sua comunidade e dos tantos apoiadores de sua Missão.

O arcebispo de Palermo, Corrado Lorefice, visitou Biagio Conte em 6 de janeiro. (Foto: Vatican Media)

A crise dos vinte anos, na Palermo ensanguentada pela máfia

Biagio Conte nasceu em 16 de setembro de 1963 em uma família abastada de Palermo e quando menino viveu no conforto e na despreocupação típicos de muitos jovens de sua geração, que cresceram no bem-estar da sociedade consumista. Mas quando Biagio completou vinte anos, em 1983, Palermo era uma cidade infernal: o sangue dos inocentes (e dos culpados), na guerra desencadeada pela máfia de Riina contra o Estado, escorria pelas ruas, numa espiral de violência que parecia não ter fim.

As injustiças que se testemunhavam todos os dias, o vazio existencial, a ausência de valores, mergulharam Biagio numa crise de consciência cada vez mais aguda. Ele se fechou em si mesmo. Passava os dias em seu quarto, tomado por uma forma extrema de mal-estar cujo sentido não conseguia entender.

Irmão Biagio Conte em uma de suas peregrinações solitárias, que também o levou ao Parlamento Europeu em Bruxelas. (Foto: Vatican Media)

Aos 26 anos deixou tudo o que tinha e foi morar nos bosques

"Comecei - escreveria mais tarde Biagio - a procurar a verdade, a verdadeira liberdade e a verdadeira paz". E o instinto da vida finalmente teve a melhor. Em 5 de maio de 1990, aos 26 anos, decidiu se desligar "do mundo materialista e consumista": "Cansado da vida mundana que levava - contará mais tarde - senti em meu coração que deveria deixar tudo e todos; saí da casa dos meus pais, com a intenção de nunca mais voltar à cidade de Palermo, porque esta cidade e esta sociedade me feriram e me decepcionaram demais”.

Ele doou tudo o que possuía e, apenas com as roupas do corpo, deixou a cidade para trás e se refugiou na natureza. Por mais de um ano ele vagou pelos bosques e montanhas da Sicília vivendo como um eremita, alimentando-se de frutas e ervas. Assim ele encontrou a liberdade das necessidades materiais e aprendeu que se pode viver com nada, que a verdadeira essência da vida não é possuir riquezas, não é acumular e consumir bens, mas viver em harmonia com a natureza, o que em todo caso é uma dura luta pela sobrevivência.

O encontro com o pastor e a paixão por São Francisco

Irmão Biagio Conte: vamos acabar com a venda de armas e rejeições no mar.

Então, um dia, ele encontrou um pastor que lhe confiou seu rebanho e lhe deu de presente um cachorro. Nos longos dias que passou sozinho pastoreando as ovelhas, nas noites estreladas, quando a tempestade caia e quando o sol despontava, Biagio aprendeu a olhar para o céu e a buscar a Deus. O filho do pastor lhe deu de presente o livro de Hermann Hesse sobre a vida de São Francisco.

Para ele foi como uma iluminação: "Comecei a sentir cada vez mais que Jesus, aquele homem justo que deu a vida por nós - escreveria mais tarde o irmão Biagio - me levava com ele para fazer uma experiência que depois mudaria toda a minha vida. No silêncio e na meditação me sentia cada vez mais livre e cheio de paz, não tinha nada comigo, mas era como se tivesse tudo”.

Um dia, perdido nas montanhas no meio da neve, correu o risco de morrer congelado. Foi socorrido pelo pastor que o levou à ermida de San Bernardo em Corleone, onde vive uma comunidade de frades que praticam as regras franciscanas das origens. Aqui conheceu Frei Paolo, que lhe falou de São Francisco e das motivações que o levaram a viver na pobreza, humildade e oração.

Irmão Biagio Conte na rua de Palermo, para denunciar a situação dos sem-teto. (Foto: Vatican Media)

Em Assis a escolha: dedicar a vida aos mais pobres

Ele decidiu então fazer uma viagem a pé até Assis, e no caminho encontrou sem-teto, ciganos, presos e marginalizados de todo tipo. Uma humanidade sofredora que o aproximou de Francisco e de seus ensinamentos e o fez descobrir o amor pelos outros: por quem sofre e precisa de ajuda.

"Aos poucos - contava o missionário leigo - comecei a entender o projeto 'Missão': dedicar minha vida aos mais pobres dos pobres". Sobre o túmulo do Poverello de Assis, ele pensou primeiro ir para a África ou para a Índia, "e ao invés disso me vi retornando à cidade onde não queria mais voltar - escreverá mais tarde - Jesus quis que a Missão nascesse justamente nas ruas de Palermo".

O retorno a Palermo e a vida com os últimos na estação

Irmão Biagio: Estou iniciando meu caminho de paz para a Europa.

Ele retornou à sua cidade, três anos depois sua partida e parou na estação ferroviária, onde os sem-teto se reuniam. Ele viveu com eles, ajudou-os, lavou-os, mendigou por eles um pedaço de pão e uma refeição quente.

“Chamei-os de irmãos e irmãs – conta – sem os fazer sentir inferiores ou diferentes de todos nós. Foi uma experiência forte e comecei a pedir ajuda a todos - continua - e também fui à Cúria de Palermo falar com o Cardeal Pappalardo, que compreendeu aquele jovem e decidiu vir à estação para celebrar a missa junto com todos os irmãos últimos sob os pórticos da estação; foi um momento inesquecível que me estimulou muito e sobretudo abriu os olhos da cidade para os tantos irmãos pobres que viviam na rua, não considerados por ninguém, como se fossem descartes e lixo”.

O nascimento da "Missão de Esperança e Caridade"

Mas os sem-teto eram cada vez mais numerosos: em Palermo, naqueles anos, à velha pobreza juntavam-se os migrantes da África, e a estação não era mais suficiente para acolher a todos. Então Biagio ocupou um antigo prédio abandonado e o transformou na sede de sua comunidade de pobres moradores de rua.

Assim nasceu, em 1993, a "Missão de Esperança e Caridade": um "projeto de Deus extraordinário - como o definiu o Irmão Biagio - que, quase trinta anos depois de seu nascimento, envolveu e continua envolvendo homens e mulheres de todas as camadas sociais, capazes de mudar radicalmente seu modo de vida para se tornarem missionários e missionárias da Esperança e da Caridade, para atuar nos lugares de marginalização das grandes metrópoles”.

Os anos de cadeira de rodas e a cura em Lourdes

Nos anos seguintes, Biagio Conte, que praticava muitas vezes greves de fome, na gruta de um eremita, e fazia longas peregrinações a pé, para sacudir uma sociedade que definia como indiferente, "que construiu seus ídolos e perdeu seus valores", costumava ter problemas de saúde.

Ele também acabou em uma cadeira de rodas por anos, devido a algumas vértebras esmagadas pelos esforços a que submetia seu físico frágil. Mas em 16 de janeiro de 2014, sua comunidade divulgou que o irmão Biagio, já no verão anterior, tinha voltado a andar graças a uma cura ainda inexplicável cientificamente, ocorrida após um banho nas águas de Lourdes.

A viagem para Lourdes. (Foto: Vatican Media)

A Missão do Irmão Biagio hoje

Papa Francisco almoçou com os pobres da Missão do Irmão Biagio.

A Missão fundada por Biagio Conte hoje é composta por três estruturas: a comunidade "Missão de Esperança e Caridade"; o "Acolhimento Feminino" e "A Cidadela do Pobre e da Esperança". Todas unidas pela “Casa de Oração para Todos os Povos”, a capela dentro da Missão, na qual está um grande barco de papelão, para simbolizar a viagem de quem deixa a sua terra em busca de um futuro melhor.

Ao todo, atende cerca de 600 pessoas em dez centros na Sicília: o acolhimento é oferecido até que os acolhidos encontrem seu próprio alojamento. Cada uma das três comunidades de Palermo tem uma cozinha e um refeitório onde são distribuídas três refeições diárias. Muitos dos gêneros alimentícios utilizados são doados por associações, cidadãos, escolas, supermercados, empresas alimentares, enquanto os alimentos frescos, como fruta e verduras necessárias para uma refeição completa, têm de ser comprados.

O abraço com Francisco, durante a visita do Papa a Palermo em 2018. (Foto: Vatican Media)

As múltiplas iniciativas para os mais pobres de Palermo e da Sicília

A Missão também oferece assistência médica e jurídica, além de mediação cultural, e acompanha os portadores de deficiência que desejam assistir à missa ou fazer passeios, organiza cursos de alfabetização. Graças ao trabalho voluntário de artesãos e profissionais autônomos, os acolhidos pela Missão têm a oportunidade de aprender um ofício para enfrentar seu retorno à sociedade e a integração.

A assistência da Missão do Ir. Biagio também se dirige a muitas famílias carentes que vivem nos bairros mais pobres de Palermo. Hoje são mais de 300 as famílias que recebem ajuda, especialmente itens de primeira necessidade, ou, no caso de recém-nascidos, leite pediátrico e alimentos infantis. E não falta a missão noturna: de 1º de novembro a 31 de maio, todas as noites, uma van, com 7 voluntários, circula pela cidade para encontrar pessoas marginalizadas e oferecer-lhes uma bebida quente e assistência

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