19 Dezembro 2022
Com uma costa de mais de 7,3 mil quilômetros, o Brasil também precisa trazer o oceano para o centro das discussões sobre as mudanças climáticas.
O artigo é de André Ferretti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), e Janaína Bumbeer, doutora em Ciências Marinhas, especialista da Fundação Grupo Boticário e integrante da Liga das Mulheres pelo Oceano. O artigo foi publicado por EcoDebate, 16-12-2022.
Concluída a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP27, muitos analistas interpretaram os avanços, impasses e retrocessos do texto final do evento realizado em Sharm El-Sheikh, no Egito. A criação de um histórico fundo de perdas e danos para países vulneráveis, a ausência de metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e a decepção pela abordagem conservadora em relação às restrições ao uso de combustíveis fósseis estamparam as manchetes após o fim da primeira conferência do clima realizada na África, encerrada no último dia 20 de novembro.
Entretanto, alguns temas importantes na busca pelo equilíbrio climático também merecem destaque e, certamente, refletem o amadurecimento da comunidade global a respeito da saúde do planeta. Adaptação a eventos climáticos extremos, que comunidades e ecossistemas de todo o planeta estão sentindo cada vez com mais intensidade e frequência, é dos temas relevantes que tiveram programação reforçada nas discussões da COP27 e certamente devem avançar ainda mais nos próximos anos. Outro exemplo desse olhar mais abrangente é a crescente percepção sobre a relação indissociável entre clima e oceano.
É provável que, ao pensarmos em ações de conservação da natureza para salvar o clima do planeta, a proteção das nossas florestas apareça em primeiro plano. É natural e essencial termos esse entendimento pela importância que as florestas têm em relação à retenção e ao estoque de carbono e aos serviços ambientais que elas nos oferecem. Porém, também é preciso perceber que sem um oceano saudável, resiliente e sustentável, não seremos bem sucedidos na missão de evitar o agravamento do quadro atual.
Na COP27, o oceano ganhou mais relevância em comparação às conferências anteriores, com um pavilhão inteiro dedicado ao assunto. A programação reuniu representantes de governos nacionais, pesquisadores e membros da sociedade civil em debates e apresentações de boas práticas dos cinco continentes.
A ciência tem demonstrado que o bom funcionamento dos ecossistemas marinhos é essencial para a qualidade do clima global. Isso deve nos animar e, ao mesmo, nos deixar em alerta, pois os ambientes oceânicos são muito sensíveis às mudanças do clima. Como a variação térmica nos mares é bem menor que na atmosfera, todo aumento na temperatura nesses ambientes coloca espécies e habitats em risco, impactando também a vida nos continentes.
O aumento da temperatura muda a composição química da água dos mares, causando acidificação. Isso faz com que espécies com esqueletos calcários, como conchas, cracas, ostras e corais fiquem enfraquecidos e ameaçados, podendo causar um grande desequilíbrio no oceano já que servem de alimento e berçário para inúmeras outras espécies. A temperatura da água dos mares também exerce forte influência na circulação das correntes marítimas, afetando a distribuição de calor no mundo inteiro. O oceano mais quente interfere ainda no regime das chuvas e dos ventos, provocando o aumento de episódios extremos como tempestades, ciclones e furacões.
Ao mesmo tempo em que é motivo de preocupação, o oceano deve ser visto como parte da solução. As algas marinhas são responsáveis pela produção de 54% do oxigênio que respiramos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Florestas. Para termos ideia da importância dos mares, sem os serviços ambientais prestados pelo oceano, a temperatura poderia ultrapassar 100ºC e inviabilizar a vida na Terra.
O oceano também é um grande sumidouro de carbono, capaz de absorver cerca de 38 trilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), segundo estimativas de diversos estudos publicados em revistas científicas nos últimos anos. Os solos que compõem toda a área continental são o segundo maior sumidouro de CO2 e têm a capacidade de sequestrar outras 12 trilhões de toneladas.
A imensidão do mar não pode nos deixar paralisados diante dos atuais desafios. Cada ambiente marinho importa e precisa ser cuidado. Os manguezais, por exemplo, que conseguem estocar até quatro vezes mais carbono por metro quadrado que outros ecossistemas, precisam ser protegidos e mais valorizados. Quando lembramos que o Brasil é o país com a segunda maior área de manguezais do mundo, temos noção da nossa responsabilidade.
Os recifes de corais também são muito importantes, pois conseguem reduzir em até 90% a energia das ondas que chegam até a costa. Por isso, proteger os manguezais, recifes de corais, costões rochosos, dunas, falésias, restingas e praias, compreendendo que as atividades econômicas podem – e devem – conviver em harmonia com a conservação, é o único caminho possível.
As cidades costeiras merecem destaque. Conforme ressaltou o secretário geral da ONU, António Guterres, as cidades são o grande campo de batalha onde a guerra do clima será ganha ou perdida. E são as cidades costeiras que receberão com maior intensidade os efeitos das mudanças do clima, mas que também podem proteger o continente como um todo.
Reconhecida pela Unesco e pelo governo brasileiro como representante da sociedade civil para a implementação da Década do Oceano (2021-2030) no Brasil, a Fundação Grupo Boticário tem atuado nesta temática ao longo das últimas três décadas e vê com otimismo a crescente mobilização para esta agenda. As ações desta e de outras instituições no Brasil e no mundo têm ocorrido em prol do engajamento para um desenvolvimento sustentável, pois o mar é fonte de alimentos, energia, recursos biotecnológicos e fundamental para atividades econômicas variadas como o comércio, os transportes e o turismo.
Com uma costa de mais de 7,3 mil quilômetros, o Brasil também precisa trazer o oceano para o centro das discussões sobre as mudanças climáticas. O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), instrumento federal criado para promover a redução da vulnerabilidade nacional à mudança do clima e realizar uma gestão do risco associada a esse fenômeno, reforça a necessidade de adaptação da zona costeira por meio de um recorte totalmente voltado a esse tipo de ambiente. Precisamos interromper e reverter o declínio da saúde e produtividade do oceano e seus ecossistemas, garantindo sua resiliência e integridade ecológica. O bem-estar das gerações presentes e futuras está profundamente ligado à nossa conexão com o oceano.
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A relação de interdependência do oceano e clima. Artigo de André Ferretti e Janaína Bumbeer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU