19 Novembro 2022
"Será necessário, portanto, colocar à disposição das pessoas separadas ou dos casais em crise um serviço de informação, aconselhamento e mediação, ligado à pastoral familiar, que também tenha condições de acolher as pessoas em vista da investigação preliminar ao processo matrimonial", escreve Carlo Cassano, advogado e patrono estável do Tribunal Eclesiástico Regional da Apúlia, em artigo publicado por Settimana News, 15-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Seis anos após a promulgação do motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesus (= MIDI) do Papa Francisco sobre o tema "Reforma do processo canônico para as causas de declaração de nulidade do Matrimônio no Código de Direito Canônico", cinco anos após a publicação da exortação apostólica sobre o amor na família Amoris laetitia e após o ano dedicado pelo pontífice à Família, sentimos o dever de enfatizar um aspecto fundamental da reforma introduzida pelo pontífice romano sobre os artigos 1 a 5 das R.P., texto anexo ao m.p.
Essas Regras introduzem o novo instituto canônico chamado investigação preliminar ou pastoral [1] que constitui uma das novidades mais importantes da reforma matrimonial e que tem implicações pastorais significativas. É bom recordar que toda a reforma do sucessor de Pedro tem como objetivo a preocupação com a salvação das almas, objetivo supremo das instituições e a ele devem se adequar todas as leis da Igreja. [2]
Lendo o documento de reforma do processo matrimonial, fica claro que o princípio norteador indiscutível da reforma é a defesa da indissolubilidade do casamento e da verdade da verificação pelo instrumento jurídico. [3]
Um princípio que levou o Bispo de Roma a destacar a proximidade da Igreja também para todos aqueles que vivem numa situação de casamento fracassado, que se expressa no empenho pessoal dos bispos de seguir com espírito apostólico os cônjuges separados ou divorciados (cf. art. 1 R.P.), responsabilidade partilhada com os presbíteros.
Nessa perspectiva, os fiéis separados ou divorciados que duvidam da validade do seu casamento ou estão convencidos da sua nulidade são acolhidos em estruturas paroquiais ou diocesanas para iniciar uma investigação preliminar ou pastoral (cf. art. 2 R.P.; AL 242 e 244).
Na arquidiocese de Trani-Barletta-Bisceglie, nasceu em 2016 uma estrutura que, acolhendo as indicações do Romano Pontífice, acolhe fiéis separados ou divorciados para iniciar uma investigação preliminar ou pastoral.
Realiza a intenção que os bispos ressaltaram fortemente durante a III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, celebrada no mês de outubro de 2014, de facilitar o acesso dos fiéis aos tribunais da Igreja (cf. art. 1 R.P.).
A atuação da estrutura diocesana oferece uma consultoria válida a quem a ela recorre para apurar a verdade sobre a existência ou não do vínculo do seu casamento fracassado, difundindo o conhecimento da lei e das modalidades processuais do tribunal eclesiástico em cumprimento do que é exigido pelo art. 1 R.P. Tudo isto orientando os fiéis para o conhecimento da sua condição e na coleta de elementos úteis para a eventual realização do processo judicial, ordinário ou mais breve (cf. art. 2 R.P.).
A estrutura dedicada ao "Serviço para a acolhida dos fiéis separados" está confiada aos cuidados e à direção de dom Emanuele Tupputi, dotado de competência jurídico-canônica [4] e que se diferencia no âmbito pastoral por seu dom de homem paciente e disponível, que através de uma escuta ativa sabe discernir sem dificuldade situações e âmbitos que vão do jurídico ao pastoral.
Fiel à doutrina da Igreja sobre o matrimônio, é autor de um vade mecum que contém os elementos essenciais para a condução mais adequada da investigação (cf. art. 3 §2 R.P.), orientando eficazmente os operadores.
Um empenho, portanto, em 360° em que o prelado se engajou sem poupar esforços. Chamado a trabalhar em sinergia numa constante atividade de coordenação, formação e competência, dom Emanuele não se furtou a esse desafio, enfrentando as dificuldades que diariamente se apresentavam com espírito eclesial e empenho pastoral, sem nunca cair no risco de colocar em discussão o princípio da indissolubilidade do casamento.
Os resultados não faltaram e os fiéis que a ela recorreram sentiram-se acolhidos e esperançosos de poder reencontrar a serenidade consigo mesmos e com a Igreja, podendo novamente, no final do processo judicial perante o Tribunal Eclesiástico, aproximar-se do sacramento da Eucaristia.
A instituição de uma estrutura estável da arquidiocese de Trani-Barletta-Bisceglie vem realizando, nos últimos cinco anos, a ponte que une os fiéis às instituições da Igreja (entre estas também a do Tribunal Eclesiástico), que de outra forma poderiam permanecer catedrais no deserto, diminuindo não só a distância física, mas também moral, sobretudo onde o sacerdote ou seus colaboradores são chamados a discernir situações em que a natureza humana, evidentemente corrompida pelo pecado, pode ter tido um forte impacto no fracasso matrimonial.
O serviço, portanto, assume a forma de uma consultoria integral que oferece uma ajuda articulada, integral, estável e qualificada dentro de uma realidade diocesana que esperamos que em breve se torne patrimônio também de outras realidades diocesanas.
Além disso, uma outra vantagem desse serviço consiste na sinergia que se cria, em caso de eventual processo, com os operadores de justiça do tribunal eclesiástico regional da região, especialmente com os patronos estáveis, que podem se beneficiar de uma consulta inicial realizada com atenção e acríbia pastoral e jurídica (graças à competência e preparação dos consultores do serviço), aspecto de não pouca importância que torna fácil e célere qualquer processo de nulidade matrimonial, bem como a participação serena e colaborativa das partes envolvidas.
Em suma, esse serviço está em sintonia com o que o Papa Francisco esperava em sua reforma, que, em resumo, pretende perseguir pelo menos dois objetivos fundamentais: o primeiro é o de inserir plenamente a prática judiciária na dimensão pastoral; o segundo visa racionalizar o processo a partir de elementos historicamente datados (a obrigatoriedade da dupla sentença conforme decidida pela constituição apostólica Dei miseratione de Bento XIV, citada) ou considerados supérfluos.
A esse respeito, aliás, no quadro da lei “são mencionados como valores a perseguir [...] a acessibilidade e proximidade das estruturas eclesiásticas bem como a desejável gratuidade dos procedimentos para as partes”.
A invocada proximidade do juiz, presente no texto legislativo, visa colmatar a distância física ou moral que, não raras vezes, afasta da justiça eclesial em muitas partes do mundo católico. Deve-se, portanto, considerar que a diretiva de proximidade indica a facilitação não só material, mas também espiritual do recurso a órgãos eclesiásticos. A assunção de uma reforma “para baixo” da qualidade da justiça e das garantias é incorreta e enganosa se não avaliar adequadamente as instâncias e as medidas de consultoria e investigação prévias.
O "vinho novo" requer, portanto, uma sensibilidade e uma mentalidade adequadas ao espírito da profunda revisão operada. Limitar à simplicidade, rapidez e economia do processo o sentido da intervenção inovadora é pouco generoso; ao lado de tais instâncias evidentes e declaradas é preciso acrescentar também a forte referência à responsabilidade e centralidade da sede capital local, à pastoralidade e profissionalismo do serviço de acompanhamento, à modalidade propriamente judicial da avaliação”. [5]
Espero sinceramente que essa nova instituição canônica de investigação preliminar ou pastoral tenha maior difusão e se torne prioridade dos bispos, a quem o pontífice repetidamente convidou a favorecer, por meio de uma conversão pastoral das estruturas eclesiásticas, o encontro entre a legítima exigência de justiça por parte dos fiéis e a oferta proposta pela Igreja para essas situações particulares.
Parece ainda mais decisivo e importante ativar esse novo instituto canônico, que tem implicações significativas não só do ponto de vista jurídico, mas também do ponto de vista pastoral, para orientar os párocos e os agentes pastorais no conhecimento daqueles instrumentos úteis para discernir qual é a melhor forma, entre as disponíveis ou a criar, para amparar os fiéis feridos por um amor perdido.
A esse propósito, no Relatório Final do Sínodo dos Bispos 2015 consta: “Para muitos fiéis que viveram uma experiência matrimonial infeliz, a verificação da invalidade do casamento representa um caminho a seguir. Os recentes motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesus e Mitis et Misericors Iesus conduziram a uma simplificação dos procedimentos para a eventual declaração de nulidade matrimonial. Com esses textos, o santo padre quis também “tornar evidente que o próprio bispo na sua Igreja, da qual é constituído pastor e cabeça, é por isso mesmo juiz entre os fiéis que lhe são confiados” (MI, preâmbulo, III).
A implementação desses documentos constitui, portanto, uma grande responsabilidade para os ordinários diocesanos, chamados a julgar eles próprios alguns casos e, em todo o caso, a facilitar o acesso dos fiéis à justiça. Isto implica a preparação de um pessoal suficiente, composto por clérigos e leigos, que se dediquem prioritariamente a esse serviço eclesial. Será necessário colocar à disposição das pessoas separadas ou dos casais em crise um serviço de informação, aconselhamento e mediação, ligado à pastoral familiar, que também tenha condições de acolher as pessoas em vista da investigação preliminar ao processo matrimonial (cf. MI , Art. 2-3)”. [6]
[1] Sobre a importância dessa fase preliminar, o Papa Francisco, em janeiro passado, por ocasião da inauguração do ano judicial do Tribunal da Rota Romana, dirigindo-se aos prelados ouvintes, proferiu palavras de apoio a esse serviço eclesial, que tem implicações jurídico-pastorais significativas para os fiéis que se encontram em dificuldade e procuram ajuda pastoral. A esse respeito, o Papa declarou como: “Já na fase preliminar, quando os fiéis se encontram em dificuldades e procuram ajuda pastoral, deve haver um esforço para descobrir a verdade sobre a própria união, condição indispensável para a cura das feridas. Neste contexto, é fácil compreender a importância dos esforços para promover o perdão e a reconciliação entre os cônjuges, e também para convalidar um matrimônio nulo quando tal é possível e prudente. Deste modo, entende-se que a declaração de nulidade não deve ser apresentada como se fosse o único objetivo a ser alcançado face a uma crise matrimonial, ou como se este fosse um direito, independentemente dos acontecimentos. Ao apresentar a possibilidade de nulidade, é necessário fazer com que os fiéis reflitam sobre as razões que os levam a solicitar a declaração de nulidade do consentimento matrimonial, encorajando assim uma atitude de aceitação da sentença definitiva, mesmo que esta não corresponda às suas convicções. Só assim os processos de nulidade podem ser uma expressão de acompanhamento pastoral eficaz dos fiéis nas suas crises matrimoniais, o que significa ouvir o Espírito Santo que fala na história concreta das pessoas.” (Francisco, Discurso aos prelados auditores do Tribunal de a Rota Romana por ocasião da inauguração do ano judicial, Sala Clementina, 27 de janeiro de 2022. O texto completo está publicado no site oficial da Santa Sé.)
[2] A esse respeito, Papa Francisco assim se expressa: “No decorrer dos séculos, a Igreja, em matéria matrimonial, adquirindo uma consciência mais clara das palavras de Cristo, compreendeu e expôs com maior profundidade a doutrina da indissolubilidade do sagrado vínculo do matrimônio, elaborou o sistema das nulidades do consentimento matrimonial e disciplinou de forma mais adequada o relativo processo judicial, de modo que a disciplina eclesiástica fosse cada vez mais coerente com a verdade da fé professada.. Tudo isso sempre foi feito tendo como guia a lei suprema da salvação das almas...[...] é a preocupação com a salvação das almas, que – hoje como no passado – o fim supremo das instituições, das leis, do direito, que impele o Bispo de Roma a oferecer aos Bispos este documento reformador, enquanto partilham com ele esta tarefa da Igreja, isto é, tutelar a unidade na fé e na disciplina relativamente ao matrimônio, centro e origem da família cristã. " (Francisco, Mitis Iudex Dominus Iesus, Proemio, Lev, Cidade do Vaticano 2015, p. 6-7).
[3] Esse princípio deriva claramente do mandato da Pontifícia Comissão Especial de Reforma: "Elaborar uma proposta de reforma do processo matrimonial, procurando simplificar o procedimento, tornando-o mais ágil e salvaguardando o princípio da indissolubilidade do matrimônio" (Nota, 27 de agosto de 2014); do prefácio do texto legislativo (cf. parágrafo segundo) e, de forma ainda mais clara e direta, na coletiva de imprensa durante o voo de regresso dos Estados Unidos da América, 27 de setembro de 2015: “Na reforma dos processos, da modalidade, fechei a porta à via administrativa que era a via por onde podia entrar o divórcio. E pode-se dizer que se enganam os que pensam no ‘divórcio católico’, porque este último documento fechou a porta ao divórcio que poderia entrar – teria sido mais fácil – pela via administrativa. [...] Esse documento, como motu proprio facilita os processos nos tempos, mas não é um divórcio, porque o casamento é indissolúvel quando é sacramento, e isso a Igreja não pode mudar. É doutrina. É um sacramento indissolúvel. O procedimento legal é para provar que o que parecia ser um sacramento não havia sido sacramento" (O desafio da Igreja. Francisco com jornalistas no voo de volta dos Estados Unidos, in L'Osservatore Romano, 30 de setembro de 2015, p. 4).
[4] Pe. Emanuele Tupputi é juiz do Tribunal Eclesiástico Regional da Apúlia desde 2010.
[5] M. del Pozzo, L’organizzazione giudiziaria ecclesiastica alla luce del m.p. “Mitis iudex”, in Rivista telematica (disponível aqui), n. 36/2015, p. 4. A esse propósito, afirma a doutrina: “Por isso continua a ser um serviço judicial, profissional, mas necessariamente pastoral”: M.J. Arroba Conde, “As ‘Litterae motu proprio datae’ sobre a reforma dos processos de nulidade matrimonial: primeira análise. Alguns aspectos das novas normas sobre as causas de nulidade do casamento”, in Apollinaris, 88 (2015), 553-570.
[6] Sínodo dos Bispos XIV Assembleia Geral Ordinária, “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”, in Antonio Spadaro (ed.), La famiglia oltre il miracolo. Tutti i documenti del Sinodo ordinario 2015, Relatio Finalis, Ancora, Milão 2015, 344-345.