Quando a sexualidade se explicita em solidão. Artigo de Luigi Zoja

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12 Outubro 2022

 

"Por que a liberação da sexualidade havia sido tratada ao infinito, enquanto sua atual regressão não é discutida, ou mesmo desconhecida dos especialistas? O antigo tabu do sexo reaparece, inconscientemente, no silêncio que circunda seu declínio? É claro que os meios de comunicação – especialmente na Itália – pioraram e se dedicam mais a entreter que a explicar: um crescimento da sexualidade é estimulante, seu declínio não". 

 

O artigo é de Luigi Zoja, licenciado em Economia, psicanalista e escritor italiano, publicado por Il Sole 24 Ore, 09-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini

 

Eis o artigo. 

 

O ocaso do desejo. Um estudo aprofundado e sem precedentes sobre uma tendência que parece difícil de interromper especialmente nas gerações mais jovens entre as quais se registra um declínio significativo das relações.

 

Entre o mundo euro-estadunidense e outras forças globais não há apenas uma oposição econômica ou militar, mas também "choques de civilizações". Em graus variados, tanto o Islã fundamentalista quanto o império regressivo de Putin se opõem à sexualidade do Ocidente ainda mais do que a outros aspectos de sua "sociedade aberta". Entre os próprios ocidentais, alguns sujeitos culturalmente simples podem invejar a Rússia porque a percebem como um mundo onde as mulheres estão em seu lugar, e os LGBTs não reclamam nem buscam prosélitos. Putin nunca perde uma oportunidade para afagá-los. Na cerimônia de incorporação de quatro províncias ucranianas, ele transbordou do tema e trovejou: “Queremos o progenitor número um, dois e três em vez de pai e mãe? Queremos que as escolas imponham às crianças perversões que conduzem à degradação e à extinção? [...] Que ensinem sobre a existência de outros gêneros além de homens e mulheres, e ofereçam cirurgia para a mudança de sexo? [...] É inaceitável”.

 

A experiência clínica mostra que essas fixações surgem especialmente naqueles que são sexualmente inseguros. Para se defender de seus complexos, sua voz – transversal e internacional – afirma que no Ocidente as identidades de gênero são demasiado confusas, de modo que a virilidade está desaparecendo, enquanto a licenciosidade não conhece mais limites. No primeiro ponto algo é verdadeiro, o segundo é o oposto da realidade.

 

É possível que no século XX os espaços do sexo tenham crescido em quantidade e tipologia. Durante a primeira metade do século, Freud inaugurou sua expansão, que, na segunda, atingiu a massa nos EUA. Depois, a "libertação sexual" voltou para a Europa. Esta reconstrução permanece indiscutível. Mais recente, e muito menos conhecido, é o fato de que a sexualidade agora está em dramático declínio.

 

Ao contrário do século XX, no século XXI muitos países coletam classificações sobre os comportamentos sexuais. Os dados mais completos vêm da Grã-Bretanha, que utiliza vastas amostras, de todas as idades e setores do país. Apesar de uma aceitação da homossexualidade, aqueles que se reconhecem nela mal ultrapassam 1%; especialmente entre os mais jovens os relacionamentos diminuem, enquanto cresce fortemente a porcentagem daqueles que pedem fidelidade no casal. As estatísticas da Alemanha relatam quedas ainda mais acentuadas na sexualidade. O American Journal of Medicine informa que, desde 2000, nos Estados Unidos, a inatividade sexual juvenil aumentou entre 55% e 100%, dependendo da idade. Deveríamos, portanto, nos preocupar não pelos costumes excessivamente livres, mas por falsos preconceitos difundidos pelo populismo nacional e internacional? O problema é mais complexo. A relação física e psicológica com o corpo continua sendo o pressuposto sobre a qual a maturidade sexual deveria se alicerçar: entre os adolescentes, inseguranças e automutilações (cortes ou outras automutilações) irrompem com modalidades e frequências até aqui desconhecidas.

 

Isso levanta um novo questionamento. A mentalidade do Ocidente poderia ter cometido com a sexualidade um erro cultural semelhante ao que ocorreu com a economia? Supunha-se que poderia se expandir indefinidamente, enquanto além de certos limites (preanunciados por Marx e Ivan Illich) os custos superam os benefícios e a curva se inverte? A sexualidade é instinto, portanto, como no alimentar-se, é possível que seu excesso produza uma autorregulação na forma de náusea.

 

Até poucas gerações atrás não havia sequer uma fotografia reproduzível. A partir dos estudos de Benjamin, em Vedere il vero e il falso percebi como isso contribuísse para uma sociedade estável: o jovem via pouquíssimos exemplos ao longo de toda a sua vida, crescia com os pais e os imitava. Era fácil se parecer com eles: até a genética o ajudava. Hoje um/uma adolescente não olha para a família, mas para o smartphone, que todos os dias oferece milhares de modelos: perfeitos, inatingíveis, principalmente para as garotas. A consequência disso é uma crescente rejeição do próprio físico. Além disso, hoje, antes de conhecer a sexualidade por meio de outro corpo, ela quase sempre é encontrada na pornografia, onipresente na internet. O garoto real jamais terá uma ereção permanente, como aquela que se exibe na rede. A garota real nunca será tão submissa quanto a atriz pornô. O confronto com modelos irreais causará traumas, adiamentos no início das experiências eróticas: ao contrário do século XX, hoje a idade da primeira relação tende a crescer. A masturbação, que se acreditava ser um resquício de épocas proibicionistas, volta a aumentar. A inalcançabilidade das imagens-modelo contribui para novas dúvidas sobre a própria “identidade de gênero”: o crescimento exponencial da transexualidade também parece ligado a isso.

 

Por que a liberação da sexualidade havia sido tratada ao infinito, enquanto sua atual regressão não é discutida, ou mesmo desconhecida dos especialistas? O antigo tabu do sexo reaparece, inconscientemente, no silêncio que circunda seu declínio? É claro que os meios de comunicação – especialmente na Itália – pioraram e se dedicam mais a entreter que a explicar: um crescimento da sexualidade é estimulante, seu declínio não. No entanto, não se pode sempre culpar a mídia. Hoje, no discurso público a economia é mais central do que antigamente. Poder-se-ia notar que "fazer amor não gera PIB". O sexo em si não tem importância econômica, apenas seus campos colaterais, como a moda ou os cosméticos. Nós os associamos a ele porque suas vendas propõem a fantasia de que favorecem a sedução: mas só se pode demonstrar que os elementos sedutores da moda ou da cosmética aumentam o faturamento das indústrias relacionadas, não os comportamentos eróticos.

 

Existe um campo onde a verificação é mais fácil. Os aplicativos de encontros também são colaterais para a sexualidade. Em teoria oferecem vantagens evidentes, com a simplificação da escolha e a economia de tempo. Na prática, os estudos até agora mostram que eles aumentam o tempo gasto nos próprios aplicativos, não aquele dedicado à experiência sexual: ao expandir ao infinito as possibilidades, ampliam justamente aquelas hesitações que são a antítese da paixão. O amor se encolhe em sua manifestação hidráulica, estágio final da passagem à modernidade anunciada por Weber como "desencanto do mundo".
 

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