06 Outubro 2022
Para o jesuíta François Euvé, editor-chefe da revista Études e autor de uma teologia da ecologia (Théologie de l'écologie, une Création à partager – Teologia da ecologia: uma criação a ser compartilhada, Editora Salvator, 2021), os animais não estão simplesmente a serviço do homem, mas têm um valor intrínseco.
A entrevista é de Clémence Houdaille, publicada por La Croix, 23-09-2022. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Como o magistério trata o tema da caça?
Na verdade, não encontramos muita coisa sobre os animais nos textos do magistério da Igreja. A crueldade, inclusive contra os animais, sempre foi condenada. Mas pode-se argumentar que a caça não é necessariamente cruel.
Esta prática, como tal, nunca suscitou dúvidas na Igreja. São Humberto é o santo padroeiro dos caçadores. Outras figuras sagradas acolhem e protegem os animais, e os Padres do Deserto contam histórias de relações harmoniosas e pacíficas com os animais selvagens. Assim, conta-se que São Jerônimo domou um leão que, convertido em vegetariano, comia erva como o burro com quem dividia o mesmo espaço, cumprindo assim a profecia de Isaías (11, 6): “O lobo viverá com o cordeiro, a pantera se deitará ao lado do cabrito, o bezerro e o leãozinho se alimentarão juntos, e um menino os guiará”. No entanto, nenhum dos textos se opõe à matança de animais para alimentação.
A evolução das mentalidades sobre esta questão é bastante recente nos nossos países ocidentais. Existe um campo de trabalho sobre a questão dos animais em geral, o que ultrapassa a mera caça.
O que diz a este respeito a Laudato Si’, a encíclica de Francisco sobre o cuidado da nossa casa comum?
A Laudato Si’ é um marco no sentido de que este texto magisterial afirma com autoridade o valor intrínseco dos animais. Isso deve nos levar a fazer perguntas a nós mesmos. No entanto, o papa não levantou a questão da alimentação. Francisco é argentino, provavelmente um grande amante da carne. Pode-se tomar posição contra certas formas de pecuária intensiva, que são fontes de violência contra os animais, sem chegar ao vegetarianismo.
A Bíblia, às vezes, é acusada de ser responsável pela crise ecológica, por causa de seu chamado para multiplicar e subjugar a terra. O que realmente nos diz sobre a relação do homem com a criação, especialmente com os animais?
A dieta da humanidade que se encontra no final do primeiro relato da Criação, no Gênesis, é vegetariana. Mas isso nunca deu origem a mais do que um comportamento individual. Se a terra é confiada à humanidade, este mandato deve ser exercido sem violência. Convida-se para cultivar a terra, mas isso não significa explorá-la sem limites. A Bíblia outorga à humanidade uma responsabilidade especial.
A salvação é para toda a criação? Se sim, o que isso implica para as relações com outras criaturas?
Hoje, a maioria dos teólogos defende que a salvação é dirigida a toda a criação, como diz São Paulo na Carta aos Romanos. Durante muito tempo, a salvação foi pensada mais como a salvação da humanidade. A salvação das criaturas não preocupava tanto nossos ancestrais. Hoje, somos mais sensíveis ao valor de todas as criaturas, que não são simples instrumentos o nosso serviço.
A imagem que a Bíblia nos dá da salvação é a da comunhão universal, da reconciliação entre o lobo e o cordeiro. Este é um horizonte utópico. É verdade que matamos animais para nos alimentar, e os animais fazem o mesmo. Mas a questão do vegetarianismo é interessante. Entendo a posição das pessoas que dizem que se recusam a comer carne animal.
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“Abre-se um campo de trabalho teológico sobre a questão animal”. Entrevista com François Euvé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU