15 Setembro 2022
“O santo sínodo dos bispos da Igreja Ortodoxa Sérvia se regozija com a decisão das mais altas autoridades do estado, que cancelaram a manifestação do Euro-Pride, agendada pelos organizadores em Belgrado em setembro (12 - 18). Parabeniza o presidente sérvio, Alexandrar Vucić e o governo por esta decisão responsável "(27 de agosto de 2022).
Mais uma vez o protesto das minorias LGBT preocupa as autoridades políticas e as Igrejas.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 14-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Num país de tradição eslava e com uma Igreja Ortodoxa intimamente ligada a Moscou, é fácil se reportar à improvável denúncia do Patriarca Kirill que a 6 de março justificou a intervenção armada da Rússia na Ucrânia com base no choque de civilizações (Oriente-Ocidente) cujo teste decisivo é a permissividade imoral ("há hoje um teste de lealdade ao governo - do poder mundial -, uma espécie de passagem para aquele mundo feliz, o mundo do consumo excessivo, o mundo da liberdade: é necessário organizar uma parada do Orgulho Gay").
É igualmente fácil apontar alguns excessos evidentes tanto do lado dos militantes quanto dos opositores. O bispo Nicanore de Banat disse no início de agosto que os participantes do Euro-Pride "profanam a cidade de Belgrado, a cidade sagrada da Sérvia". E acrescentou: "Amaldiçoarei todos aqueles que organizam e participam de tais iniciativas... Se eu tivesse uma arma eu a usaria, usaria essa força se eu a tivesse, mas não vou fazer".
Na multidão que desfilou após o comício organizado pelo patriarca de Belgrado, Porfírio (11 de setembro), as imagens religiosas se confundiram com as fotos de V. Putin e o serviço de ordem era garantido pelos "lobos da noite", um grupo de motociclistas reacionário e pró-russo.
Do ponto de vista político, o evento parecia ainda mais justificado pela presença na presidência do governo de uma mulher, notoriamente lésbica, Ana Brnabić.
Mas o presidente Vucić cancelou a manifestação, motivando a medida em razão de ordem pública em um momento de aguda tensão política com o Kosovo e por causa dos perigos para os territórios sagrados à ortodoxia sérvia que estão naquele estado.
Os organizadores invocaram as liberdades civis de manifestação e a inconsistência das razões, acusando a própria Brnabić de servir de “folha de figueira” para as tendências iliberais e autoritárias de Vucić. Não se sabe exatamente se e quantos dos eventos previstos serão realmente cancelados. As associações LGBT confirmaram todos eles.
O patriarca tomou a questão em suas próprias mãos e, com a força de um consenso para sua posição socialmente aberta, para a solução do cisma macedônio e a concordata com Montenegro, apoiou a decisão do presidente da república e convocou uma grande manifestação popular em 11 de setembro para uma oração pela santidade do casamento e pela paz na nação.
Ele compôs uma oração para ser recitada em todas as igrejas e mosteiros. Num longo discurso à multidão, ressaltou o convite à oração e ao apoio ao sistema de valores nascidos do Evangelho.
“Irmãos e irmãs, não impomos nosso modo de viver a ninguém, mas também não queremos que ninguém, de nenhuma parte do mundo, imponha seus valores, sua visão de mundo, impondo seu modo de vida a nós. Repito, não impomos o nosso modo de viver a ninguém, para ninguém, mesmo que se acredite melhor do que nós e pretenda impor as suas regras, a sua visão do mundo e os seus modos de vida”.
"Estamos diante de uma onda, de um tsunami, da invasão de muitas novas referências de valor que se impõem seja com violência e agressividade, seja com um poder sutil e condicionamento que escapam ao radar, com o objetivo de derrubar qualquer ordem natural ou de civilização existente, a favor de um novo paradigma e de novas regras. Um vórtice que tem a intenção de destruir os fundamentos e os pilares identitários dos indivíduos e da comunidade para tornar tudo relativo e frágil. O epílogo dessas ideologias sociais pós-humanistas não é apenas a remoção da distinção entre homem e mulher, do casamento, mas, em conclusão... não poderemos nem mesmo dizer com certeza o que é o homem”.
"Gostaria de ressaltar imediatamente que somos contra qualquer tipo de violência, que somos contra o desprezo, o ódio, a perseguição e o estigma sobre aqueles que compartilham as ideias (LGBT), especialmente se a violência for cometida em nome da Igreja e em nome de Cristo. Também sei que há muitas pessoas entre eles que são melhores do que eu e que não compartilham a exibição do desfile. Não os julgamos, não os acusamos, não os condenamos”.
A clara oposição ao Gay Pride e às sutis influências da ideologia de gênero decorre de uma condição social e eclesial que considera necessária a resistência a uma "liberdade" imposta e não conquistada, expondo-se, contudo, a alianças políticas e culturais ambíguas, com uma identificação com posições não totalmente equipadas para atravessar os processos de secularização.
A ausente e clara denúncia da Igreja sérvia sobre a responsabilidade do patriarcado russo na guerra contra a Ucrânia é um sinal disso. Assim como sua dificuldade em se libertar dos vínculos nacionalistas e dos pertencimentos étnicos.