Isaac e a espiritualidade ortodoxa em tempos de guerra. Discurso de Sabino Chialà, prior de Bose, na abertura da convenção ortodoxa

Sabino Chialà durante a conferência | Foto: Reprodução - Youtube

08 Setembro 2022

 

"Isaac é também o arauto da esperança... no coração da fragilidade. Em uma época de grandes convulsões políticas e religiosas, após a expansão da dominação árabe, que no Oriente Médio estava substituindo aquela bizantina e persa, pôde ver nas dobras daquela história tão precária e incerta (como a nossa) a reflexo de uma esperança certa. E justamente no coração daquele mundo tão ameaçado, anunciou que o Deus amigo dos homens não abandona a sua criatura, que não falta à sua promessa", afirmou o monge Sabino Chialà, prior do Mosteiro de Bose, no discurso de abertura da XXVIII Convenção Ecumênica Internacional de Espiritualidade Ortodoxa, dedicada à figura de Isaac de Nínive e seu ensinamento espiritual, que está ocorrendo em Bose, 07-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o discurso.

 

Caros irmãos e irmãs em Cristo, metropolitas, bispos, monges e monjas, amigos e convidados,

 

é com grande alegria que, em nome dos irmãos e irmãs de Bose, apresento as boas-vindas a esta vigésima-oitava edição da nossa Convenção Ecumênica Internacional de Espiritualidade Ortodoxa, dedicada ao tema: “Santo Isaac de Nínive e seu ensinamento espiritual”.

 

Passaram-se três anos da Convenção anterior, a vigésima-sétima, em setembro de 2019. Três anos difíceis para todos, que colocaram a duras provas este nosso mundo, as nossas Igrejas e também esta Comunidade que vos acolhe. Primeiro a pandemia, depois guerras e tensões de todos os tipos que nos fizeram vacilar, nos fizeram e nos fazem sofrer.

 

Medimos e ainda estamos medindo toda a nossa fragilidade e impotência diante do enigma de um mal que nos aflige de várias maneiras. Estamos todos feridos… e muitas vezes desorientados pelo que vemos no presente e também no futuro, que parece mais incerto do que nunca.

 

A pandemia nos impediu de nos encontrarmos por três longos anos. Então, no final do ano passado, algumas flexibilizações nas medidas de distanciamento nos incentivaram a repensar nossas convenções. Tudo estava pronto quando outras nuvens se formaram no horizonte: a guerra na Ucrânia.

 

Sabíamos que esses eventos dolorosos teriam impedido ou reduzido drasticamente a participação de muitos amigos vindos daquele país, bem como da Rússia. Enquanto isso, também a Síria e o Líbano continuaram a ser atormentados pela guerra e instabilidade.

 

O que fazer então? Suspender por respeito a tanta dor ou seguir em frente, ousando um sinal de esperança? No final, inclusive ouvindo alguns dos presentes, optamos pela continuação do projeto. E aqui estamos… não sem levar tudo e todos no coração.

 

O tempo de suspensão nos ofereceu a oportunidade de repensar essas nossas convenções. Continua a ser prioritário o encontro entre cristãos pertencentes a diferentes Igrejas e tradições, como nos anos anteriores, mas gostaríamos que isso acontecesse de uma forma mais simples e familiar.

 

Por isso reduzimos o número de participantes àqueles que podemos acolher aqui no mosteiro, sem recorrer a estruturas externas. Foi uma escolha difícil, mas nos pareceu necessária. Também a novidade da "tarde de leitura" gostaria de favorecer a troca fraterna e o aprofundamento do conhecimento mútuo. Avaliaremos juntos o resultado dessas escolhas.

 

Isaac de Nínive

 

Para o tema da Convenção, este ano escolhemos a um dos grandes mestres da vida espiritual de todos os tempos: Isaac de Nínive, ou Isaac o Sírio. Uma figura que nutriu gerações de cristãos de todos os tempos, condições e latitudes; de toda Igreja e além. Um padre que, apesar de pertencer a uma das Igrejas mais antigas e geograficamente mais remotas, conquistou a todos, como mostram seus escritos traduzidos (caso único!) para todas as línguas faladas pelos cristãos, mesmo aquelas que já não eram mais usadas, como o sogdiano (que era falado na região do atual Uzbequistão).

 

Por que Isaac? As pérolas que vemos nos seus escritos são muitas: os seus ensinamentos sobre a humildade, sobre a oração, sobre a infinita misericórdia de Deus, de que todos necessitamos constantemente. Suas páginas sobre esses temas têm sido um verdadeiro bálsamo para as feridas de tantos homens e mulheres de todos os tempos.

 

Mas Isaac é também o arauto da esperança... no coração da fragilidade. Em uma época de grandes convulsões políticas e religiosas, após a expansão da dominação árabe, que no Oriente Médio estava substituindo aquela bizantina e persa, pôde ver nas dobras daquela história tão precária e incerta (como a nossa) a reflexo de uma esperança certa. E justamente no coração daquele mundo tão ameaçado, anunciou que o Deus amigo dos homens não abandona a sua criatura, que não falta à sua promessa.

 

Quantas vezes, de fato, Isaac convida à esperança e adverte contra o desespero, que ele considera o pecado por excelência?! Ele nos convida repetidamente a ter um olhar confiante para o futuro, a não sermos enredados pelos perigos (cf. Primeira coleção VI, 49-54). Daquele que ele considera um verdadeiro crente, ele afirma:

 

Ele não deixará de lutar até a morte, nem desistirá enquanto houver fôlego em suas narinas. E mesmo que seu navio naufragasse todos os dias e o fruto de seu comércio acabasse no abismo, ele não deixaria de pedir emprestado e carregar outras embarcações e navegar com esperança. Até que o Senhor, vendo o seu empenho, tiver piedade de sua ruína, volte para ele a sua misericórdia e lhe dê movimentos poderosos para apagar todos os dardos inflamados do maligno (cf. Ef 6,16). Essa é a sabedoria que vem de Deus, e quem está doente dela, é sábio. O desespero não traz nenhuma vantagem! De fato, é melhor sermos julgados por cada [culpa cometida], do que por termos desertado completamente” (Primeira coleção IX, 8).

 

Não se desesperar! Não virar as costas! Não se deixar assustar e paralisar pelos infortúnios, pelo pecado, pelas contradições e pela falta de sentido que vemos se espalhando em nós e entre nós... Aqui está um dos ensinamentos que Isaac nos entrega e que hoje queremos ouvir. É também uma das razões pelas quais acreditamos que ele seria o melhor guia para este nosso novo encontro e para este novo começo.

 

Além disso, aqui mesmo em Bose, há pouco mais de vinte anos (de 30 de junho a 1º de julho de 2001), um pequeno grupo de estudiosos e amigos de Isaac se reuniu para um primeiro seminário sobre esse padre. Éramos cerca de quinze participantes (alguns de nós aqui novamente hoje): Sebastian Brock, Paolo Bettiolo, Simonetta Salvestroni, um jovem Pe. Hilarion Alfeev, p. Gabriel Bunge, pág. André Louf (que queremos recordar, certos de que nos olha do céu; é seu o ícone que está aqui ao lado da mesa, obra do iconógrafo Joris Van Ael, também entre nós), e outros amigos, entre os quais Pablo Argárate e Vittorio Berti, também hoje presentes.

 

Também para esta Convenção obtivemos o apoio dos maiores estudiosos do Ninivita, incluindo alguns jovens estudiosos que nos últimos anos se dedicaram à sua obra com grande proveito. Vamos ouvi-los com interesse e proveito certeiro. Mas desde agora quero agradecê-los de coração. E junto com eles gostaria de agradecer àqueles que conduzirão os grupos de leitura, ajudando-nos a saborear as palavras de Isaac.

 

As Igrejas

 

Estamos também particularmente gratos aos chefes das Igrejas que quiseram enviar-nos os seus votos e enviar representantes oficiais. Começo recordando a Igreja Assíria do Oriente, a Igreja de Isaac... O Catholicos-Patriarca Mar Awa III nos enviou sua mensagem e encarregou de representá-lo Mar Emmanuel Yosip, bispo assírio do Canadá. Um motivo particular de alegria!

 

Para as Igrejas Ortodoxas temos conosco o Metropolita Atenágoras da Bélgica, como representante de SS o Patriarca Ecumênico Bartolomeu de Constantinopla, que acompanhou e patrocinou nossas convenções desde o início. O bispo Amvrosij de Bogorodsk representa o patriarcado de Moscou. O bispo Siluan, da Diocese Ortodoxa Romena da Itália, é o delegado do Patriarca Daniel da Romênia. O Arquimandrita Amphilochios Miltos é o delegado da Igreja da Grécia. O Hégumeno Panteleimon representa a Igreja Ortodoxa da Polônia. O Bispo Asti de Bylis é o delegado do Arcebispo Anastasios e da Igreja Ortodoxa da Albânia. O bispo Alexander pertence à Igreja Ortodoxa na América (OCA). Estão presentes também membros de outras Igrejas Ortodoxas: o Patriarcado Greco-Ortodoxo de Antioquia, o Patriarcado da Sérvia e o Patriarcado da Geórgia.

 

Saudamos também com afeto e sentimentos de agradecimento as antigas Igrejas Ortodoxas Orientais, que nos enviaram suas mensagens e representantes: o Papa e Patriarca Copta de Alexandria, Tawadros II, representado por Abuna Markos de São Macário; o catholicos supremo de todos os armênios, de Echmiadzin, Karekin II, representado pelo pe. Tirayr Hakobyan. Também conosco está um representante da Igreja Sírio-Ortodoxa de Antioquia (o outro ramo da tradição siríaca), pe. Saliba Er, a quem saudamos com afeto.

 

Recebemos também mensagens do secretário geral interino do Conselho Ecumênico de Igrejas, Pe. Joan Sauca e o novo Secretário Geral, o pastor Jerry Pillay; do Secretário de Estado da SS. Papa Francisco, Cardeal Pietro Parolin; do Cardeal Kurt Koch, presidente do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos, representado aqui pelo subsecretário do mesmo Dicastério, o cardeal Andrea Palmieri; do Cardeal Leonardo Sandri, prefeito do Dicastério para as Igrejas Orientais. Também temos conosco o bispo de Pinerolo, Derio Olivero, presidente da Comissão de ecumenismo e diálogo inter-religioso da CEI, e Dom Giuliano Savina, diretor do departamento de ecumenismo da CEI.

 

Monaquismo

 

Também nos alegramos pelos muitos monges e monjas, do Oriente e do Ocidente, que quiseram estar conosco, testemunhando a importância que o ensinamento de Isaac ainda hoje tem, especialmente na vida monástica: do mosteiro ortodoxo grego de Saydnaya (Síria) o Hégumeno Youhanna e o monge Isaak, de São Macário (Egito), de Buna-vestire (Romênia), de Suprasl (Polônia). E também da Eslováquia, da Alemanha (Skiti S. Spiridon), da Bélgica (Chevetogne), da França (En Calcat e Solesmes), da Suíça (Eremo S. Croce) e da Itália (Mosteiro Copta de Lachiarella, mosteiros beneditinos de Dumenza e S. Giustina em Pádua, mosteiro ortodoxo de Pantokrator em Arona, mosteiro de S. Bárbara em Montaner, as Clarissas de Santa Agatha Feltria, as monjas do Cottolengo de Pralormo e Montezago). Também nos alegramos pelos jovens que estão entre nós: siríacos promissores ou apaixonados pelo "doce ensinamento" de Isaac.

 

Paz às terras devastadas pela guerra

 

A todos vós os nossos sinceros agradecimentos, bem como às várias instituições acadêmicas ortodoxas que nos enviaram mensagens ou estão representadas aqui. Penso em particular na Academia Eclesiástica de Creta, no Centro de Estudos Ecumênicos "Metropolita Panteleimon Papagheorghiou" de Tessalônica, na Academia Teológica de Volos, na Academia Teológica de Moscou, na Universidade Aristóteles de Tessalônica e na Faculdade Teológica de Balamand (Líbano).

 

Um esclarecimento necessário antes de terminar: vocês devem ter notado que este ano não está prevista tradução simultânea para o russo. Essa escolha tem apenas uma razão: a impossibilidade, devido à guerra tornou-se imediatamente evidente para os muitos amigos da Ucrânia e da Rússia, frequentadores assíduos das nossas convenções, de estarem conosco.

 

No entanto, somos gratos aos poucos que conseguiram chegar até nós, para os quais quisemos providenciar um grupo de leitura em russo. A todos os outros vai o nosso pensamento fraterno e a nossa intensa oração, que se estende também à Síria, ao Líbano e a todas as outras terras devastadas pela guerra. Que o Senhor nos dê a paz em breve! A sua paz!

 

Por fim, um pensamento, que deve ser uma ação de graças ao Senhor, vai para o caro Metropolita Kallistos de Diokleia, convidado e presença muito preciosa em muitas de nossas convenções. Figura amada e apreciada por muitos cristãos do Oriente e do Ocidente, que há poucos dias nos precedeu junto ao Pai da misericórdia. Um amigo, um padre e um irmão que recomendamos a Deus

 

Obrigado a cada um de vocês por estarem aqui conosco e um boa convenção a todos.

 

 

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