“A Igreja deve ser acolhedora, e não julgadora.” Entrevista com Matteo Zuppi

Cardeal Matteo Zuppi | Foto: Vaticano

07 Setembro 2022

 

O jornal L’Osservatore Romano, 03-09-2022, publicou uma longa entrevista com o novo presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI). É, ao mesmo tempo, um olhar fundamentado nas rápidas e profundas mudanças em curso no mundo, um lúcido exame do estado da Igreja italiana hoje e também uma indicação de algumas características da orientação pastoral. No centro do pensamento de Matteo Zuppi, está a necessidade de uma Igreja capaz de conversar com os homens e as mulheres deste tempo.

 

“A Igreja italiana está passando por diversos problemas nada simples, mas também acredito que tem uma prerrogativa importante: é uma Igreja rica em espiritualidade e em caridade para os pobres. E acho que é por aí que devemos recomeçar.”

 

No início de uma longa conversa, que o novo presidente da CEI nos concedeu em uma tarde do fim do verão italiano, há não apenas a síntese extrema do seu programa de trabalho, mas também os principais traços da personalidade do cardeal arcebispo de Bolonha, Matteo Maria Zuppi: uma positividade decisiva, que é filha da sua curiosidade intelectual e da esperança cristã.

 

A entrevista foi concedida a Andrea Monda e Roberto Cetera. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis a entrevista.

 

Comecemos pelo Sínodo: pode-se dizer que a participação e os resultados da escuta diocesana ficaram aquém das expectativas? Em um Sínodo chamado a discutir a sinodalidade, isto é, o ser Igreja, muitas vezes prevaleceu uma atitude ainda delegante entre os leigos e uma desconfiança generalizada entre os padres.

 

Sim, é verdade. Mas também acho que essa fadiga do caminho sinodal é paradoxalmente um sinal da necessidade e urgência da práxis sinodal. Porque nós nos colocamos em caminho quando sentimos a exigência disso, a exigência de Cristo que não espera, chama e envia. Essa convocação ocorre em um momento particular da vida da Igreja e do mundo, ou seja, no vislumbre final (esperamos) de uma pandemia que abalou as nossas vidas, mudou os nossos hábitos, inclusive religiosos, esvaziou as igrejas, afetou profundamente o nosso sentimento religioso, o nosso ser comunidade e até mesmo o nosso modo de rezar.

 

Não esqueçamos que, nas nossas intenções iniciais, esse caminho previa também companheiros de viagem fora do nosso mundo habitual. Não os 5% habituais, mas aqueles 95% que nos olham, mas não caminham conosco, e o tempo recente que vivemos certamente não nos ajudou nesse projeto. Devemos partir de novo a partir de duas perguntas: por que caminhar e por que caminhar junto com outros companheiros de viagem? E isso requer uma grande paixão. A imagem bíblica de referência é Mateus 9,35-36: “Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas, pregando a Boa Notícia do Reino (...). Vendo as multidões, Jesus teve compaixão, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor”, e envia os seus dois a dois. E Deus sabe quanto cansaço e exaustão existem agora no mundo. Ainda hoje Deus nos chama e nos envia. Não julga, não repreende: manda-nos! E, se esperarmos, esse sofrimento não encontrará a alegria e a luz do Evangelho!

 

Porque “caminhar juntos” não é debater juntos, mas aderir ao chamado, isto é, à vocação missionária da Igreja. A missão, porém, não é um evento demonstrativo apenas para nos contentarmos em nos esconder nas trincheiras de sempre. É constitutiva do ser discípulo de Jesus. Entender as demandas que nos vêm constantemente do mundo nos ajuda a viver a compaixão de Jesus, que é participação interior, partilha. A pandemia (e a pandemia da guerra) nos afetou com muito sofrimento: a descoberta da vulnerabilidade e da finitude humanas, as questões sobre o Além encontraram aquela que é chamada de “depressão escatológica”, a incapacidade do mundo de pensar e de falar sobre o futuro. Sim, devemos caminhar juntos, mas olhando com o olhar de Jesus para os cansaços e as fragilidades. Saber olhar e interpretar as dores de parto da criação, que não são apenas a pandemia, mas também a guerra, a ruína do ambiente, a degradação das relações interpessoais e sociais. Não para nos lamentarmos, mas para captarmos o que há de generativo no sofrimento de hoje.

 

A passividade delegante dos leigos, no entanto, é filha de uma educação religiosa lacunar por parte do clero sobre o tema da sinodalidade. E os padres muitas vezes interpretaram a sinodalidade como uma concessão das suas prerrogativas. Podemos pensar que a crise da Igreja, mais do que imputável à “secularização crescente”, tem uma origem endêmica.

 

Concordo muito com a necessidade de não continuar agitando a secularização como causa de todos os nossos males. Não é novidade que já vivemos em um ambiente secularizado. No máximo, o tema é o de saber acolher as perguntas que o ser humano secularizado, o ser humano “psicologizado”, o ser humano que sofreu profundas e rápidas mutações antropológicas, nos faz hoje. Muitos de nós continuamos cultivando alguma nostalgia da “cristandade”, até porque crescemos e fomos formados – religiosa e civilmente – na ideia de cristandade. Assim, corremos sempre o risco de voltar a uma lógica de controle, de números, de presenças, de relações de força. Bento XVI falava profeticamente de uma “minoria criativa”, e o Papa Francisco desenvolve essa ideia ainda mais, falando com todos, fazendo-nos entender que todos nos pertencem.

 

Certamente, uma parte da Igreja custa a seguir essa perspectiva, porque resiste a uma autoconsciência ideologizada e exclusiva. Basta pensar na autoconsciência de uma comunidade paroquial, que muitas vezes parece confusa, fragilizada, senão até – para usar um termo hoje um pouco abusado – autorreferencial. Por isso, acho que o Sínodo é uma oportunidade extraordinária para que a Igreja recupere uma forte paixão, como a do Papa Francisco, de falar com todos. Na realidade, não se trata de inovar radicalmente o estilo eclesial, mas simplesmente de pôr em prática as intuições que o Concílio Vaticano II já propôs há 60 anos. Apesar das turbulências pós-conciliares, por um lado, e dos fechamentos preconcebidos daqueles anos, por outro, hoje podemos efetivamente extrair dos textos dos Padres conciliares o caminho certo para trilharmos juntos.

 

Permaneçamos no tema da escuta que o senhor levantou justamente como a questão central do caminhar juntos. As perguntas a serem ouvidas, no entanto, são muito diferentes das do passado. Desde os tempos do Concílio até hoje, ocorreu uma mudança epocal, que não é apenas cultural, não é apenas a globalização, a digitalização ou a psicologização das relações. Mas é também a mudança antropológica. O ser humano não escapa da evolução. O homem e a mulher de hoje são muito diferentes daqueles a partir dos quais construímos boa parte do pensamento teológico. Ontologicamente, se é que se pode dizer, diferentes.

 

Essa é uma questão muito importante que devemos abordar com urgência. Sem nostalgias do passado e sem fugas para a frente. Devemos, então, compreender corajosamente a antropologia, as mudanças que já ocorreram e aquelas que, com rapidez, vão se apresentando. E, além disso, com igual coragem, devemos nos perguntar por que a beleza humana do ser cristão não atrai e “o que fazer?”. Muitos se sentem julgados e não amados, e, fazendo isso, não fazemos nem um nem o outro. A interferência dessas mudanças na esfera da moral proposta até agora é evidente. Pensemos, por exemplo, como as descobertas das neurociências afetam a nossa ideia tradicional de vontade e de livre arbítrio. Ou pensemos nas questões referentes aos gêneros e à sua fluidez. Temas que custamos a entender, porque não estamos mais diante de uma alteridade de pensamento, de uma contraposição, mas de um sentimento comum e de uma prática consequente.

 

A ideia do limite desapareceu completamente, a ideia de que você não evolui a não ser multiplicando as experiências, experimentando tudo e mudando as interpretações da realidade à vontade. O mesmo vale para as modificações antropológicas derivadas do ser humano digital. Mas certamente não podemos nos limitar a uma sequência de “nãos”. Antes, devemos nos comprometer a construir o perfil atual do cristão, ou seja, do ser humano evangélico, que é o mesmo de sempre, mas que deve falar ao ser humano de hoje. E, além disso, não esqueçamos que Deus é cada vez mais íntimo de nós mesmos. E não apenas nos conhece, mas também nos ensina a nos conhecermos. Nada melhor do que isso!

 

O nosso sistema de pensamento filosófico e teológico muitas vezes carece de uma certa “fixidez” do conceito de ser humano. Em vez disso, são seres cada vez mais dinâmicos, em contínua evolução.

 

Absolutamente sim. Não há duvida. Pensemos, por exemplo, em quanto das nossas capacidades intelectuais – começando pela memória – já foram transferidas para os dispositivos eletrônicos, que já são próteses do humano. É certo que isso também muda e mudará profundamente o ser humano como o conhecemos. A questão, certamente nada fácil, é nos perguntarmos o que a antropologia cristã ainda pode sugerir hoje ao ser humano mudado e mutante de hoje. Por exemplo: prevalece hoje um conceito de bem-estar que, no fim das contas, não parece fornecer uma felicidade duradoura, mas sim um efeito narcotizante. E o mesmo pode ser dito do constante impulso à exaltação do “eu”, que é funcional ao consumo e não à boa vida. Ou à medicalização constante, que é a exorcização da fragilidade do humano. O cristão é uma pessoa feliz. O Papa Francisco nos lembra isso com insistência, justamente porque é a primeira maneira de falar do Evangelho. E ele é uma pessoa comunitária, faz parte de uma família, e não é uma ilha ou uma mônada que experimenta tudo e não fica com ninguém.

 

De fato, como observava o cardeal Martini, medicalizamos os dois momentos mais importantes da vida, o início e o fim. Nascemos e morremos no hospital.

 

Certamente, há uma remoção da vulnerabilidade. Isso poderia significar que, para o ser humano de hoje, a bela vida é assim como ela é, hic et nunc: é esta, ponto final, às vezes com um amargo fatalismo, às vezes com uma arrogância prometeica e um pouco inconsciente. O cristão, ao contrário, vê e se dá conta do sofrimento que agita toda a experiência humana, do início ao fim, a sua e a dos outros, e a interpreta, elabora-a na compaixão e na fraternidade. O cristão é aquele que, acolhendo-a, transforma essa realidade, esse sofrimento, em um pedido. O Papa Bento havia dado um nome às consequências dessa satisfação do existente: desertificação espiritual. Nos tempos do Concílio, havia sido expressada uma convicção, que era também uma esperança, de que o ser humano finalmente se conscientizasse dos próprios limites, que recusasse a opressão, o ódio, a guerra e, portanto, se preparasse para um futuro melhor.

 

Pensemos no discurso de João XXIII sobre os profetas da desgraça de 11 de outubro de 1962 na abertura do Concílio, no qual ele os acusava de não compreender o anseio irrevogável de paz que surgia das pessoas. Hoje, depois de 60 anos, todos nos encontramos novamente em um grande sofrimento, cercados por dinâmicas que o Papa Francisco não hesita em chamar de “terceira guerra mundial”. Estamos experimentando novamente os venenos da violência, da opressão, do ódio. Até mesmo entre irmãos. Até mesmo na Igreja. Prevalecem a desilusão e o desencanto. O mundo digitalizado e individualizado alimenta as polarizações. Em vez disso, falta a única resposta possível: a compaixão, ou seja, uma leitura existencial e experiencial que ajude e nos ajude a nos reencontrarmos.

 

A mudança na cúpula da CEI foi também uma oportunidade para verificar o estado de saúde da Igreja italiana.

 

Devo lhes dizer que estou feliz que essa passagem entre o cardeal Bassetti e eu coincida com o caminho sinodal. De algum modo, a verificação a que vocês se referem é o Sínodo. Porque é olhar um para o outro, entender-se não como um círculo fechado, mas como povo. O que significa ser cristão hoje? O que a Igreja me pede para ser? Não são perguntas que possamos responder privadamente, garantidos por um fácil espiritualismo de moda. Porque o Papa Francisco tem razão: os dois perigos sempre incumbentes são o gnosticismo e o pelagianismo, que relegam a religião à dimensão individual. O caminho juntos, por outro lado, pode criar muita autoconsciência das dificuldades, dos erros, dos limites, ajudar-nos a entender que existem oportunidades, potencialidades para a comunicação do Evangelho. Pois bem, por isso, devemos identificar quais são hoje as verdadeiras prioridades da Igreja italiana hoje, para não correr atrás de falsos problemas ou de questões que oscilam na fronteira da autorreferencialidade. O documento de síntese nacional da fase diocesana do Sínodo deve ser tomado como um ponto de partida, que ainda requer muito trabalho no sentido da especificação, de compor a pluralidade das ideias para superar aquele desencanto que mencionamos anteriormente. Não basta apenas exortar à conversão, mas também é preciso mudar caminhando.

 

Ainda sobre a Igreja italiana: alguns dados estatísticos sobre os casamentos civis ou a frequência sacramental parecem dizer que a distância entre o Norte e o Sul também está aumentando em âmbito eclesial.

 

Bem, essa lacuna sempre existiu, e a força da secularização da sociedade italiana me parece pervasiva em todos os lugares, mesmo que as formas em que ela se manifesta sejam bastante diferentes nas diferentes regiões do país. Mas me permitam dizer que, se a imagem da desertificação espiritual é verdadeira, também deve haver água. O deserto como tal expressa a sede, a necessidade – e a busca – da água. Se há um deserto, significa também que há uma nova busca por água. Precisamos olhar para a sede, e não lamentar do deserto. Satisfazer essa sede significa explicar, e mais ainda mostrar, como é viver como cristãos hoje. Porque isso vale a pena e dá mais satisfação do que o protagonismo digital predominante ou o fato de sermos meros espectadores de um mundo em que é cada vez mais difícil nos relacionarmos. Há uma hagiografia franciscana que narra a primeira pregação de São Francisco na minha diocese, há exatamente 800 anos, e diz que São Francisco parecia não pregar, porque na realidade conversava em um diálogo aberto com os bolonheses. Esse é o modelo da nossa presença no mundo; estar ali, falar ao coração, tecer relações e fazer sentir a presença de Cristo.

 

No entanto, a Igreja italiana, para citar Giuseppe De Rita, tem um problema de “postura”. Como vocês também escreveram no documento de síntese do caminho sinodal, diante dos muitos temas sobre os quais ela é chamada a se pronunciar – pobreza, cultura do descarte, paz, justiça social, trabalho, jovens e educação –, ela parece estar sem voz, gaguejando. Como, então, podemos fazer para conversar?

 

Fizemos a nossa escolha de conversar e, portanto, acima de tudo, decidimos escutar. Passamos esses dois anos escutando. Os resultados certamente são controversos, provavelmente porque nós, padres, estamos mais acostumados a responder do que a perguntar, mais propensos a definir, circunscrever, dar certezas, explicar quem somos, falar mais do que ouvir. A questão, por outro lado, é saber recolher o que a realidade ao nosso redor nos propõe, como diz o Papa Francisco, “deixarmo-nos esbofetear pela realidade”. Recordo-me, para dar um exemplo entre muitos, do julgamento que o Pe. Giussani fez sobre Pierpaolo Pasolini. Dois mundos de proveniência inimaginavelmente distantes. Mas Giussani não hesitou em acolher e se apaixonar pelo pensamento de Pasolini, a ponto de lhe atribuir o papel de mestre.

 

É preciso sempre ter uma atitude acolhedora, e não julgadora, embora muitas vezes sejamos identificados como julgadores a priori, mesmo quando não o somos. Mas por que somos considerados julgadores? Acima de tudo, porque, digamo-lo com franqueza, muitas vezes temos uma obsessão por julgar, porque achamos que, se não o fizéssemos não cumpriríamos o nosso papel. Há um zelo dentro de nós que nos leva a defender a trincheira da verdade. Achamos que essa é a nossa tarefa essencial e que isso significa seguir o Evangelho. Mas não é assim. Porque certamente o Evangelho é a verdade, mas é bem diferente da atitude farisaica, que comunica a Lei, enquanto o Evangelho nos pede para comunicar o Amor. Dizer a lei a você é lhe condenar. Não podemos usar o Evangelho como um bastão. A misericórdia, a escuta não julgadora, a atenção pastoral não são concessões. Além disso, é claro, estou ciente de que há também o risco de seguir as filosofias do mundo. Mas, com estas, a distinção é muito clara: elas exaltam o “eu”, nós pensamos apenas em termos de “nós”. A Igreja não corre atrás do “eu”.

 

O “nós” se fundamenta sobretudo no compromisso político. A Igreja italiana, nos primeiros 40 anos da história republicana, fez política. Política com P maiúsculo, obviamente, não a politique politicienne. E a eficácia foi notável, sobretudo pela função de cola entre impulsos diferentes, de mediação cultural. Depois, com o fim da primeira República e o desaparecimento do partido dos católicos, dizia-se que o papel dos católicos teria sido, em ambos os polos, de influenciar a política a partir dos valores cristãos. Hoje, parece ter ocorrido o contrário: é a política que influencia os católicos. A divisão política precede qualquer outra distinção entre católicos.

 

Entretanto, é preciso dizer que a polarização é hoje a figura de toda a sociedade. E os cristãos não são alheios à sociedade. A polarização reina soberana sobre todas as questões, grandes e pequenas. Acredito que essa é a resposta instintiva e simplificadora para a complexidade do mundo em que vivemos. Você adere, mas não pensa. Ao assumir um lado, você não precisa se fazer muitas perguntas. Em vez disso, nós devemos enfrentar a complexidade sem temor, fazer perguntas a nós mesmos, sobretudo aquelas que se referem ao “quem”, ou seja, colocando a pessoa no centro. Esse é o caminho da simplicidade, e não da simplificação.

 

A outra coisa a que vocês apontam, justamente, é que não devemos envenenar as relações eclesiais com a lógica política! Não é apenas um fenômeno italiano. Penso, por exemplo, na forte polarização política presente na Igreja estadunidense. Mas, onde a política usou categorias pseudoteológicas ou espirituais para poluir a vida eclesial, no fim, todos perderam. Devemos ter muito cuidado nesse aspecto. E não apenas pelas instrumentalizações externas, mas sim pelas divisões internas. Ai de nós se cairmos nas armadilhas, por exemplo, das falsas contraposição entre social e espiritual ou nas divisões, muitas vezes artificiais, sobre as questões éticas.

 

Sobre as questões éticas, não podemos nos limitar a repetir as liçõezinhas do passado, mas devemos encontrar novas palavras para novas perguntas. Com muita franqueza: se, sobre as questões éticas, o mundo vai para outro lado, isso certamente significa que não devemos nos homologar ou dizer aquilo que o mundo quer ouvir, mas saber dizer as verdades de sempre na cultura ou nas categorias de hoje. Esse é o desafio e absolutamente não é concessão, mas responsabilidade, caso contrário, repetimos uma verdade que se tornou difícil de aceitar. Pensemos no discurso sobre a família: ainda não soubemos fazer algo melhor do que aquilo que é proposto pela secularização. Paulo VI e Mazzolari já diziam isso em seu tempo: muitos estão longe, e o problema não são eles, somos nós! Há neles uma demanda implícita de uma Igreja mais evangélica, mais mãe e, por isso, exigente e envolvente, que não seja madrasta e diga: “Eu te avisei”.

 

Sobre esse aspecto, a maior dívida de escuta talvez seja para com as mulheres. As mulheres que sempre foram o pilar fundante da Igreja. E hoje, em vez disso, registramos que a categoria social que mais tende a se afastar são as mulheres jovens. De fato, registramos frequentemente que as mulheres jovens estão realmente “irritadas” com a Igreja.

 

Sim, eu confirmo isso. E posso acrescentar que isso nasce essencialmente do fato de elas não se sentirem ouvidas. E aqui o tema a ser aprofundado é como se escuta. Nós, padres, muitas vezes, cultivando muitas relações, ouvimos apenas com os ouvidos. Lembro que, quando eu era pároco em Santa Maria in Trastevere, certa vez uma jovem de Trastevere se dirigiu a mim: “Pe. Matteo, você está me ouvindo?”. “Eu te ouço!”. “Não, você está pensando nos seus próprios assuntos”. Escutar não significa fazer levantamentos sociológicos por amostra, mas exercitar a empatia que é gerada pela verdadeira paixão pelo outro.

 

O sociólogo Mauro Magatti ressaltou recentemente que, apesar de quem celebra todos os dias o fim da religião, as religiões estão mais do que nunca no centro dos assuntos do mundo, especialmente em sentido negativo, nas contraposições. O fundamentalismo islâmico continua inspirando violência em muitos países. Um sentimento antissemita está ressurgindo na Europa. Nos Estados Unidos, como dizíamos, a religião está entre os principais instrumentos de confronto político, seja porque é instrumentalizada, seja porque é ostracizada. E aqui entre nós o soberanismo também agita indevidamente símbolos e temas religiosos. A religião, portanto, parece ter o seu próprio espaço, mas apenas como instrumento de divisão.

 

Bem, é o que dizíamos antes também. A polarização como uma resposta (falsa) à complexidade. E certamente a polarização usa as religiões porque ainda hoje elas podem mover grandes paixões. Mas a resposta é dada mais uma vez pelo Papa Francisco com a Fratelli tutti, que não é apenas uma profunda e inovadora explicitação teológica da fraternidade evangélica, mas também o manifesto de um novo humanismo civil. Eu diria também que é a única no atual contexto mundial. Devemos ser capazes de difundir uma palavra de “fraternidade necessária” ao ser humano de hoje, uma palavra que se mostre melhor e mais atraente do que o individualismo consumista. Uma palavra que não tema propor a porta estreita em vez da porta larga.

 

Por que a porta estreita? Porque a porta larga leva a uma felicidade efêmera e enganosa. Não dá satisfação definitiva, e, de fato, a infelicidade é mais do que nunca generalizada hoje. A porta estreita é a do “nós”, é a da consciência – para citar novamente o Papa Francisco – de que, crentes ou não, “não nos salvamos sozinhos”. Devemos fazer a comunhão crescer por toda a parte. Comunhão significa estar junto, amizade. Devemos dizer com mais força que a Igreja é uma família. As pessoas que estão ao nosso lado na missa não são sócios, são irmãos, parentes de uma mesma família. E não basta dizer isso, é preciso viver. Eu só encontro o sentido dos ministérios a que somos chamados, leigos e padres, na comunhão.

 

Os novos ministérios instituídos, abertos também às mulheres, serão uma passagem decisiva na construção de uma arquitetura de comunhão. Mas, atenção, porque devem ser respostas “sustentáveis”, ou seja, de valor espiritual, e não apenas estrutural, funcional. Pensando no interesse despertado por essas novas ministerialidades, gostaria de voltar ao que eu dizia no início: a Igreja italiana está viva e tem vontade de viver. Porque é dotada de espiritualidade. E porque está imersa no social.

 

Neste nosso bate-papo, o senhor citou frequentemente o termo “conversa espiritual”. A que se refere, especificamente?

 

Eu diria que é simplesmente falar a partir de si mesmo (não do outro), apresentando-se não em uma chave material, funcional, mas precisamente espiritual. Ou seja, como a minha vida está marcada por um sentido. E isso vale tanto para os leigos quanto para os padres. Conversar não é um trabalho, é pôr-se em jogo.

 

Uma última pergunta sobre uma questão que trazemos no coração, porque vem de uma experiência que vivemos juntos anos atrás: nós três fomos professores de religião em colégios.

 

Ah, sim, e tenho uma recordação muito bonita do tempo em que ensinei religião. Ainda era obrigatório e era sempre um desafio, mas apaixonante.

 

Apesar das igrejas cada vez mais vazias e das práticas sacramentais em declínio, a aula de religião continua sendo escolhida por uma grande maioria de estudantes. Para um único jovem que frequenta uma paróquia, há 50 jovens que estudam religião na escola. É a verdadeira “Igreja em saída”. No entanto, dizemos-lhe com franqueza, temos a percepção de que a sensibilidade dos bispos italianos nesse front é um pouco baixa.

 

Sim, é um assunto que merece uma reflexão séria e aprofundada. Porque a aula de religião pode ser muito importante para o futuro da Igreja na Itália. Há a necessidade do ensino da religião para entender o mundo onde estamos, as nossas raízes. É preciso uma aliança com os leigos – ateus também – que compreendem bem a importância do conhecimento religioso em um sistema cultural, como o italiano, profundamente permeado pelo fato religioso. Eu acho que fazer isso é a melhor defesa contra os extremismos. Costumo dizer: como é possível entender verdadeiramente Manzoni, ou Dante, ou a história da arte, ou boa parte da filosofia, sem ter uma formação cultural (não catequética) religiosa básica? Nesse discurso, eu acrescentaria mais um argumento: na escola, tem-se duas horas semanais de educação física, mas não há sequer uma hora de educação espiritual. Uma contradição da mais elementar antropologia. Seria bom que os jovens pudessem aprender a conhecer a si mesmos como sujeitos espirituais.

 

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