Sobre a renúncia do Papa: especialistas elaboram propostas de leis sobre o status de um papa aposentado

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15 Agosto 2022

 

Os planos do Papa Francisco de visitar a cidade italiana de L’Áquila e sua basílica em 28 de agosto alimentaram especulações de um possível anúncio de sua renúncia, que ele negou firmemente.

 

A reportagem é de Carol Glatz, publicada por National Catholic Reporter, 12-08-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

A basílica de L’Áquila é o local de sepultamento de São Celestino V, que emitiu um decreto declarando o direito de um papa a renunciar voluntariamente, e depois o fez em 1294. Foi também onde – em cima do caixão de vidro do Papa Celestino – o então Papa Bento XVI deixou seu pálio de lã que havia usado durante a missa de posse – um gesto que muitos se perguntavam ter sido um sinal de sua renúncia, que viria quatro anos depois.

 

Nos mais de 700 anos que se passaram desde que São Celestino estabeleceu este precedente legal, o direito de um papa de renunciar permanece assegurado na lei da Igreja.

 

A lei não é muito detalhada, dizendo apenas que a decisão deve ser tomada livremente e “devidamente manifestada”, e ninguém precisa aceitar formalmente a renúncia de um papa para que ela seja válida.

 

Isso significa que nada no direito canônico cobre o status legal do bispo de Roma que renuncia ao seu cargo: qual é o seu título, nome, local de residência e meios de subsistência? Qual é o seu relacionamento com seu sucessor, seu papel, responsabilidades e poderes na Igreja? E como será realizado seu funeral e sepultamento? Estas são apenas algumas das perguntas que os advogados canônicos gostariam de responder como parte de sua tarefa de evitar confusão, promover a unidade e proteger a dignidade e os direitos de um papa aposentado nos bastidores.

 

Um advogado canônico e consultor do Pontifício Conselho para Textos Legislativos disse que o “simbolismo óbvio” de visitar L’Áquila seria a oportunidade perfeita para o papa finalmente promulgar a legislação necessária para preencher muitas lacunas em relação a um papa que renuncia.

 

A canonista, Geraldina Boni, disse ao Catholic News Service: “Não é mais inconcebível que um papa renuncie, com esta porta ‘aberta’, como o próprio Francisco disse várias vezes”.

 

No entanto, “esta situação deve ser regulamentada” juntamente com o que fazer quando um papa é incapaz de governar a Igreja universal quando ele está completa, permanente e irreversivelmente impedido ou prejudicado por causa de uma doença debilitante ou outras condições, disse ela em uma resposta por e-mail no início de agosto.

 

Boni é professora de direito canônico na prestigiosa “Alma Mater Studiorum” da Universidade de Bolonha. Ela e outros canonistas lançaram um projeto em 2021 para elaborar propostas legislativas que pudessem ser estudadas e discutidas em uma plataforma online com o objetivo de apresentar as sugestões ao “legislador supremo”, o papa, para sua consideração.

 

As normas propostas podem ser encontradas no site do grupo de canonistas com uma proposta de “constituição apostólica” para regular uma Sé Romana totalmente impedida e uma sobre o status legal ou “condição canônica do bispo de Roma que renunciou ao cargo”.

 

A Igreja deve uma tremenda gratidão ao pastor que, “movido pela fé e pelo amor a Jesus Cristo, decidiu aceitar e levar a cabo, talvez por muitos anos, o duro e difícil fardo do pontificado romano”, diz a proposta de lei da renúncia.

 

Portanto, diz, “mais do que prescrições vinculantes extraídas da legislação canônica, essas disposições incluem principalmente algumas orientações apropriadas que devem ser aplicadas com cautela”, e pretendem ser “especialmente respeitosas da dignidade pessoal” do papa aposentado.

 

Muitas das sugestões refletem as abordagens mais frequentemente adotadas por Bento XVI, que teve que abrir um caminho a seguir quando deixou o cargo.

 

Por exemplo, a proposta diz que “a manifestação da renúncia deve preferencialmente ser feita por escrito e ordinariamente apresentada em um consistório do Colégio dos Cardeais ou de outra forma que a torne publicamente conhecida”.

 

Além disso, “o nome de quem renunciou pode ser o mesmo que usou durante o seu mandato”, ele “pode usar a batina branca que os pontífices romanos costumam usar” e pode residir onde quiser, incluindo a Cidade do Vaticano. O “anel de pescador” papal e o selo usado para emitir documentos papais também devem ser destruídos, diz a proposta.

 

Mas o maior desvio na proposta do que o Papa Bento fez diz respeito ao título do papa aposentado.

 

Em vez de “papa emérito”, a proposta diz que o pontífice aposentado “recebe o título de bispo emérito de Roma” e “usa o anel que todo bispo deve usar”. Algumas fotos do papa aposentado o mostram usando seu anel de ouro de cardeal.

 

“O bispo emérito de Roma não assume ou recupera a dignidade de cardeal nem as funções que lhe são atribuídas”, diz a proposta, acrescentando, “no entanto, em matéria litúrgica e canônica, o bispo emérito de Roma tem os privilégios e faculdades atribuídos aos cardeais.”

 

O título, “papa emérito”, tem sido um ponto de debate para alguns canonistas, incluindo o cardeal designado Gianfranco Ghirlanda, um teólogo jesuíta e advogado canônico que será um dos quatro novos cardeais com 80 anos ou mais que Francisco elevará 27 de agosto como uma honra simbólica para agradecê-lo por seu serviço à igreja.

 

Em um congresso de dois dias sobre os aspectos históricos e canônicos de uma renúncia papal, realizado em L’Áquila em dezembro passado, Ghirlanda disse: “dizer que isso pode não gerar confusão na opinião pública”.

 

A ideia de mais de um papa ao mesmo tempo “mistura perigosamente o significado preciso do ministério petrino, que é o de ser um sinal de unidade da Igreja, portanto, um sinal de unidade da Igreja”, disse ele em sua fala.

 

Ele disse que Bento XVI tem uma compreensão “profundamente espiritual e mística” de sua eleição papal, na medida em que alguém pode renunciar ao cargo e continuar “desempenhando uma função que também faz parte do ministério petrino”, como a dedicação à oração.

 

Mesmo acreditando que o papa aposentado não pretendia fazer algum tipo de declaração “dogmática ou canônica” com seu título, o cardeal designado disse que um canonista precisa analisar “as consequências práticas de uma declaração teórica: o que isso significa? Em que implica? O que realmente acontece?”.

 

Asserções teóricas “não podem ser válidas”, disse ele, se contradizem “o propósito para o qual se tem uma instituição na Igreja, particularmente instituições de direito divino”, disse ele. Tais afirmações “devem ser corrigidas ou pelo menos interpretadas de tal forma que não criem mal-entendidos e interpretações errôneas com sérias repercussões para a vida da Igreja”.

 

“O título de ‘ex-pontífice romano’ ou ‘ex-supremo pontífice’ também poderia ter sido dado” para indicar que a pessoa que renunciou não é mais papa, disse ele.

 

Boni disse ao CNS: “Veremos se o trabalho feito por nós, professores universitários, foi considerado – mesmo criticando-o ou afastando-o – pelos eventuais redatores de qualquer legislação papal”.

 

“Certamente o amplo debate que se construiu sobre o assunto ajudou a desmantelar um tabu que não tinha razão de existir”, disse ela.

 

 

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