10 Agosto 2022
Na Sardenha, na Itália, nasceu a primeira agência de turismo especializada em estadias sem celular ou computador. Mas será que realmente precisamos nos afastar da tecnologia para nos sentirmos melhor?
A reportagem é de Cecilia Mussi, publicada em Corriere della Sera, 08-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Precisamos refletir sobre isto: por que queremos nos desconectar? O ponto de partida é que a rede multiplica as nossas experiências, aumentaram as coisas para fazer e as nossas relações. Mas, por outro lado, ela nos deixa esvaziados, tanto que chegamos a querer nos afastar delas.”
Patrizia Catellani, professora de Psicologia Social da Universidade Católica de Milão, resume assim as sensações que cada vez mais pessoas têm em relação à internet, às redes sociais digitais em geral e aos dispositivos eletrônicos, desconfortos psicológicos que as levam a optar por reservar férias sem celulares, computadores ou tablets.
Logout Livenow nasceu há apenas dois anos
Elas se chamam “Digital Detox” e são fins de semana ou uma ou mais semanas em que, voluntariamente, as pessoas se desligam de tudo o que agora faz parte do nosso cotidiano digital. Na Itália, tornou-se uma tendência especialmente após o período de lockdown, e estão nascendo cada vez mais realidades que organizam férias desse tipo.
Há hotéis que oferecem quartos sem conexão a preços com desconto, pacotes especiais para quem decide deixar os celulares no saguão durante toda a estadia e até centros onde não há conexão nas salas.
Além disso, na Itália, nasceu também a primeira agência de turismo especializada em detox digital: ela se chama Logout Livenow e foi fundada em 2020 em Cagliari por Gavino Puggioni (29 anos, diretor e “coach”), junto com seu irmão Giuliano (30 anos, videomaker e fotógrafo) e com o sócio Davide de Maso (26 anos).
Ela oferece pacotes de férias sem conexão, com o objetivo de fazer com que seus clientes entendam a importância do bem-estar digital e de conscientizá-los sobre os problemas ligados ao abuso de objetos como celulares, computadores, tablets ou smartwatches.
Detox digital, como funciona
Durante as experiências, como são chamadas essas estadias particulares, as pessoas se separam de todos os dispositivos inteligentes (literalmente, porque ficam trancados em um cofre que só é aberta no momento da saída) por um período que varia de um a sete dias. Sem dispositivos, você pode abrir espaço para atividades ao ar livre, cursos manuais, passeios de barco e seminários de bem-estar digital, realizados pelo próprio fundador.
“Não devemos forçar ninguém a nos entregar os celulares ou tablets – sorri Puggioni – assim como não controlamos a presença de outros objetos ‘escondidos’. Quem vem aqui faz isso porque está convencido.”
Mas é realmente necessário um curto período de distanciamento dos nossos aparelhos tecnológicos para vencer o vício digital?
“Desconectar-se pode ser uma solução, porque favorece uma mudança de perspectiva”, reflete a professora Catellani. “Desligar-se aumenta a criatividade e a resolução de problemas, além de ser um motivo para recomeçar, mas ao mesmo tempo é preocupante. O risco de interromper os maus hábitos por um período é que, quando você volta à normalidade e não há uma nova estratégia para superá-los definitivamente, os automatismos voltam assim que você volta ao contexto.”
Bem-estar digital
Também por esse motivo, durante as experiências da Logout Livenow, os participantes frequentam breves seminários de bem-estar digital, mesas redondas nas quais são abordados os problemas ligados à relação com a tecnologia e se busca, juntos, encontrar soluções de longo prazo que deixem os participantes mais fortes em relação às suas novas escolhas.
Puggioni garante que, no fim da jornada, há mudanças: “Muitas vezes recebemos e-mails de pessoas que, até mesmo depois de meses, nos agradecem porque, com a nossa ajuda, mudaram de hábitos melhorando a própria vida”.
O método da Logout Livenow também é corroborado pelas palavras de Catellani, segundo a qual “a verdadeira solução seria não apenas se desconectar, mas também entender como mudar profundamente e quais as modalidades para utilizar a rede para convivermos entre nós de modo positiva”.
Empresas e até famílias estão pedindo para “desconectar”
Quem sofre com essas problemáticas, explica a professora, são sobretudo os jovens, que sofreram muito com os fechamentos causados pela pandemia. “A presença na rede aumentou muito. Para os jovens, a tela se tornou um meio para ter relações e ao mesmo tempo uma armadura para se defender desse novo mundo que eles estão começando a conhecer.”
Isso também é confirmado por Puggioni, que viu no último período uma mudança na tipologia de clientes que chegam à sua estrutura. “Além das empresas, que estão ali desde o início, temos agora casais ou famílias inteiras que pedem para vir aqui para ‘desligar’. Eles realmente sentem a necessidade disso.”
A viagem torna-se assim uma terapia de choque para essas problemáticas, “mas não é suficiente”, sublinha Catellani, segundo quem seriam necessários um ou mais meses para transformar a mudança em um hábito consolidado. É preciso um plano, um programa a ser seguido gradualmente. “Temos que assumir pequenos objetivos, regras para nos dar entender que conseguimos conseguir”, concluiu.
Julho é o mês de maior movimento
Enquanto isso, as reservas para os detoxes digitais continuam chegando à Logout Livenow, na qual o momento de demanda máxima é precisamente o mês de julho, mas as estadias sem celular podem ser feitas todo o ano, sempre na Sardenha (mesmo que Puggioni revele já ter entrado em contacto com algumas realidades em outras regiões).
E, se o objetivo é sempre ter uma melhor relação com a tecnologia, isso não significa que os envolvidos com o detox digital sejam contra a inovação. “Eu uso o celular e estou nas redes sociais, como todos os jovens da minha idade”, especifica finalmente Puggioni. “Não somos contra a tecnologia, mas a favor do seu uso consciente.”
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