A morte das florestas. Entrevista com Francisco Lloret

Fonte: Wikimedia Commons

27 Julho 2022

 

“A visão da floresta destruída por um incêndio florestal, com os troncos mortos ainda em pé, dificilmente nos deixa indiferentes. Mas a morte da floresta, ou melhor dito, de suas árvores, também pode ocorrer de uma forma menos dramática”. Mas por que isso acontece?

 

Para divulgar e compreender certos fenômenos que as afetam, Francisco Lloret, professor de Ecologia e pesquisador do CREAF (Centro de Pesquisa Ecológica e Aplicações Florestais) escreveu La muerte de los bosques, publicado por Arpa. “Diante de uma árvore morta, nem sempre é fácil determinar exatamente o que a matou. É comum que diferentes causas intervenham”. No livro, este especialista em arbustais e na dinâmica da vegetação mediterrânea explica algumas delas.

 

A entrevista é de Pura C. Roy, publicada por El Asombrario-Público, 25-07-2022. A tradução é do Cepat.

 

Eis a entrevista.

 

Com a onda de calor, os incêndios nas florestas dispararam. Poderiam ser evitados?

 

Os incêndios florestais são uma situação complexa. É preciso compreender a natureza ecológica das florestas, suas características biológicas junto com as características sociais. Não é possível entender o fenômeno dos incêndios como uma catástrofe independente do que nós humanos fazemos. É diferente de uma erupção vulcânica. Neste caso, não podemos fazer nada para que não comece.

 

Mas no caso dos incêndios, os humanos contribuem e fazem isto de várias maneiras. O que não quer dizer que um incêndio não seja um fenômeno natural. Se não existissem humanos, também haveria incêndios florestais e sabemos disso pelos registros paleontológicos. Há 300 milhões de anos existem florestas, existem incêndios. O que acontece é que os humanos modificam os ambientes, aceleram processos, fazem com que sejam mais intensos.

 

Que problemas ocorrem quando ocorre um incêndio?

 

O problema dos incêndios é que podem afetar propriedades e pessoas, então, é preciso evitar que provoquem um grande impacto. Por sorte, na maioria dos casos a vegetação se recupera, mas também sabemos que em outros a vegetação não tem essa capacidade. O problema é que quando ocorrem repetidos incêndios em uma área, por destruir a cobertura vegetal, essa cobertura demora para se restituir novamente e as chuvas torrenciais a farão desaparecer. É por isso que vemos essas cicatrizes nas matas.

 

Agora, as florestas nas zonas temperadas estão experimentando uma ampliação. O mesmo não ocorre com a superfície tropical. Nas zonas temperadas, abandonam-se terras agrícolas e o pastoreio, mudam-se os hábitos e a natureza é imparável, crescem as árvores, aumentam sua densidade, o combustível e, portanto, é mais fácil que se queime.

 

As árvores colonizam certas áreas, mas quando os humanos a habitam, existem fontes de combustão: uma atividade agrícola, um carro que cai em um barranco e não só piromaníacos. Calor e seca agravam o problema.

 

Como é a relação humana com as florestas?

 

A relação que temos é a de estar separados delas. Quando me perguntam por que é necessário preservar a biodiversidade, a resposta é muito simples: porque nós também somos biodiversidade. Não podemos separar o que é a sociedade humana do que são os processos naturais, neste caso, as florestas.

 

As florestas que nós temos em nossos entornos são o resultado da interação de muitos elementos, durante décadas, milênios. Fazemos parte de um sistema que está entrelaçado.

 

O que não estamos fazendo bem?

 

A questão não é nos perguntar o que estamos fazendo bem ou mal, mas saber como funcionam esses ecossistemas e como podemos conviver com eles, acompanhá-los para que continuem proporcionando o que esperamos das florestas, que são muitas coisas.

 

O título de seu livro, ‘La muerte de los bosques’, parte de uma constatação? É isso?

 

O livro descreve as florestas que existem pelo mundo, o que não é a mesma coisa que todas as florestas do mundo, nas quais estamos encontrando episódios em que mais árvores estão morrendo do que morreriam em condições normais ou que esperávamos. Vemos este fato em florestas boreais, temperadas, mediterrâneas, inclusive em florestas tropicais.

 

Quer dizer que com a morte das árvores as florestas estão desaparecendo? Não. Mas são sinais de alerta. Há mortalidades inesperadas para as quais não podemos dar uma explicação concreta. Há também ameaças como pragas e patógenos.

 

Florestas tropicais, mediterrâneas, boreais. Quais são as mais frágeis e as mais resistentes?

 

Frágeis são todas, e cada uma por algum motivo. As florestas tropicais também estão sofrendo episódios prolongados de seca e calor, apesar de estarem em áreas úmidas. Devido à mudança climática, não há apenas o aumento das temperaturas, mas também da variação climática e dos episódios extremos.

 

Temos esses danos, essas chuvas torrenciais e depois períodos muito longos sem chuva. Essas árvores já experimentam períodos secos com o fenômeno El Niño. Ocorre que com a mudança climática serão mais duradouros e as secas mais intensas. E esses fenômenos também se repetem nas florestas boreais, mediterrâneas, subtropicais.

 

Não só a seca as afeta, mas também se soma a outros fatores, como sua queima para transformar a floresta em lavouras. É o problema da Amazônia, a conversão de grandes áreas para a pecuária extensiva ou agricultura.

 

As dinâmicas de cada floresta são muito diferentes?

 

Uma floresta é um ecossistema que leva muito tempo para se formar, as árvores vivem muito tempo. São sistemas complexos que vão sendo construídos pouco a pouco. Ao longo de sua vida, as árvores foram capazes de se adaptar a um clima, então, quando têm certos episódios aos quais não estão acostumadas, sofrem mais.

 

Quando tentamos oferecer soluções para a floresta, reflorestamos bem ou temos muito a aprender?

 

Sabemos muitas coisas, mas ainda temos muito mais a aprender. Tenho mais certezas do que nunca, mas ao mesmo tempo mais perguntas. O reflorestamento não é a única solução e, além disso, pode ser contraproducente em alguns momentos. Não é ruim, mas quando você faz algo abruptamente, como reflorestar milhões de hectares, pode haver erros assim como em tudo. É preciso optar pela espécie adequada. Se ao replantar a estrutura do solo é rompida, podem surgir problemas.

 

Pedimos a uma floresta coisas diferentes: lenha, recreação e agora que retire um pouco do CO2 que estamos emitindo na atmosfera. Para otimizar isso, tem-se um tipo de floresta ou outra. Sendo assim, é preciso fazer as coisas com empatia, conhecimento, com critério a respeito do que espera delas.

 

Podemos enxergar a questão de forma simples: plantamos e temos uma floresta, mas não é assim, porque uma floresta também são todos esses microrganismos que estão no solo, os animais que se alimentam de suas folhas, nós que andamos e colhemos troncos ou cogumelos. Portanto, não devemos pensar em ecossistemas simples que podemos reconstruir facilmente.

 

Então, conservá-las é fundamental, já que esses ciclos de biodiversidade não são fáceis de reproduzir...

 

Quando há uma floresta madura, com 200 ou 300 anos, possui alguns valores de biodiversidade, de patrimônio, que vale a pena preservar em um sentido muito amplo. Eu sou um apaixonado pelos arbustais. Há lugares onde uma floresta não pode viver, porque não chove o suficiente ou não há solo suficiente. O valor da natureza é muito mais do que uma floresta. Um arbustal também é uma fonte de biodiversidade. Além disso, está preservando o solo.

 

É preciso valorizar o que pode sobreviver a certas condições. A conservação é a conservação dos processos naturais em que estamos imersos.

 

Sua gestão deve, portanto, ter uma visão de futuro.

 

Absolutamente, e no caso das florestas é paradigmático. É preciso pensar em como será essa floresta e seu entorno daqui a 50 ou 100 anos, porque agora sabemos que em 50 anos o clima será mais quente e possivelmente mais árido. O futuro é incerto e talvez erremos.

 

No livro, há um exemplo: as florestas da Dalmácia. Lá, os engenheiros florestais de meados do século XIX fizeram alguns importantes repovoamentos em florestas que haviam se esgotado. Não queriam apenas ter árvores, mas também preservar o solo, coisa que agora vemos como normal, mas também comprovaram que entraram em contradição com algumas espécies que vivem em espaços mais abertos.

 

Erros podem ser cometidos, mas na Amazônia estão agindo de forma espúria. Onde o bem comum está ausente, prevalecem os interesses econômicos e não há um retorno para as comunidades locais. Há interesses muito específicos. Falo do erro nas gestões honradas pensando no bem comum. Eu espero que as próximas gerações sejam tão benevolentes com a gestão da floresta como eu com as anteriores.

 

A propriedade da floresta influencia em sua gestão?

 

A floresta tem sido comunitária em alguns lugares e em outros não. A propriedade das florestas varia muito. Na Catalunha, a maioria é privada. Em muitos casos, a origem da propriedade comunal ou vicinal não é ancestral. Na Espanha, o confisco de Mendizábal influenciou na propriedade. O fato de que seja comum não garante que tenha uma melhor gestão. A gestão das florestas deve estar baseada no conhecimento. O importante é que essa natureza seja mantida a longo prazo.

 

Cite uma floresta que você gosta.

 

Por uma razão de vida, as florestas subalpinas dos Pirineus, as florestas de pinheiros negros. Lá me sinto em casa. Na minha adolescência, costumava fazer caminhadas pela montanha e agora me sento lá e com o cheiro dos rododendros fico muito satisfeito. Depois, vi florestas incríveis como as da Patagônia Andina, com árvores como o coihue, imensas e maravilhosas, que são catedrais.

 

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