Lideranças indígenas do Baixo Tapajós debatem proteção na Amazônia

No Acampamento Santarém Território Indígena, homenagens a Dom Phillips e Bruno Pereira fazem lembrar o drama de quem também vive sob constantes ameaças. (Foto: Conselho Indígena Tapajós e Arapiun | Instagram)

25 Junho 2022

 

Defensores da Amazônia, as principais lideranças do Baixo Tapajós estão reunidos até 25 de junho no Acampamento Santarém Território Indígena, no oeste do Pará. O encontro discute a demarcação das terras e a promoção de políticas de proteção aos povos originários. Mas foi impossível iniciar o acampamento sem prestar uma homenagem ao jornalista britânico Dom Phillips e ao indigenista brasileiro Bruno Pereira, mortos por também defenderem o território e os povos indígenas.

 

A reportagem é de Isabelle Maciel, publicada por Amazônia Real, 23-06-2022.

 

“Isso mexe muito com a gente, inclusive com a nossa saúde mental, abala emocionalmente mesmo, pois são pessoas como nós que estavam fazendo denúncia e na luta pela proteção da floresta”, afirma Auricélia Arapiun, da aldeia São Pedro, que fica localizada na Resex Tapajós Arapiuns. “Nossos inimigos mostraram que estão pra tudo, e o governo é o principal responsável pelas mortes de Dom e Bruno, sim. Quantos de nós estamos na mira para sermos as próximas vítimas?”

 

Auricélia é uma das principais lideranças da região. Atualmente é coordenadora executiva do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita), que representa os 13 povos do Baixo Tapajós. A função a obriga percorrer os territórios o tempo todo. No dia em que recebeu a notícia dos assassinatos de Bruno e Dom, ela estava visitando uma área que é cercada por conflitos madeireiros. O impacto foi imediato, e marcou sua semana. Segundo ela, é como se fosse um aviso para os defensores da Amazônia, principalmente quem faz um enfrentamento mais direto.

 

   

 

“Nós fazemos várias denúncias, mas estamos à mercê, e ainda somos criminalizados, numa tentativa de calar nossas vozes. Inclusive recentemente tivemos que enfrentar diversas ameaças de madeireiros as nossas casas e a nossa sede”, diz Auricélia. Como outras lideranças reunidas no Acampamento Santarém Território Indígena, ela lembra que a falta de proteção e a insegurança na floresta são uma constante vivenciada pelos povos indígenas, que muitas vezes acabam pagando com suas vidas pela negligência do governo.

 

A coordenadora da Cita sabe que não resta aos defensores da Amazônia outra saída a não ser denunciar em órgãos como a Polícia Federal e Ministério Público Federal, ainda que a mobilização oficial e protetiva só ocorra após as tragédias acontecerem.

 

 

No Baixo Tapajós, vivem cerca de 7 mil indígenas, distribuídos em 64 aldeias de 18 territórios, localizados nos municípios de Santarém, Belterra e Aveiro. Nessa área, como no Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, a defesa da terra e da vida é diária. No Acampamento Santarém Território Indígena, estão reunidos 13 povos, entre eles Arapiun, Arara Vermelha, Jaraqui, Apiaká, Borari, Kumaruara, Tapajó, Tupaiu, Tapuia, Munduruku, Munduruku-Cara Preta, Maytapu e Tupinambá.

 

Leonardo Munduruku, de 62 anos, é tuxaua da aldeia Taquara, que fica localizada no município de Belterra, e está na luta desde 1991. Segundo ele, por conta do preconceito enraizado na sociedade, houve um reconhecimento tardio dos indígenas de sua etnia de se perceberem enquanto povos originários.

 

Leonardo Munduruku, Tuxaua da aldeia Taquara. (Foto: Isabelle Maciel | Amazônia Real)

 

Além de ser uma das lideranças indígenas da região, Leonardo Munduruku foi o primeiro tuxaua do Baixo Tapajós e traz consigo a responsabilidade de representar seu povo. Ele entende que a situação atual de assassinatos e ameaças dos defensores da floresta é um genocídio promovido pelo atual governo, motivado principalmente pelos posicionamentos públicos do presidente Jair Bolsonaro em defesa de sojicultores, madeireiros, garimpeiros e grileiros.

 

“No nosso território temos várias ameaças de caçadores e sojeiros, e procuramos sempre conversar de que modo vamos enfrentar essas pessoas que muitas vezes estão armadas. Pedimos ajuda da Funai (Fundação Nacional do Índio), da polícia, ficamos procurando meios onde possamos estar livres de ameaças e até mortes”, afirma Leandro Munduruku.

 

O tuxaua Munduruku afirma que não tem medo de morrer lutando, mas se preocupa com todos esses assassinatos de lideranças, pois são elas que encaminham e organizam seus territórios para a defesa da vida e da floresta.

 

Heróis da floresta

 

Os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, no dia 5 de junho, acabaram se tornando um caso de repercussão internacional e trouxeram à tona o debate sobre as ameaças que os defensores da Amazônia sofrem diariamente ou dos assassinatos de grandes líderes que lutaram até o último minuto. A história da floresta é marcada por episódios dramáticos e trágicos. Há quase 30 anos, Chico Mendes, o seringueiro e ambientalista que ficou conhecido mundialmente por defender a Amazônia, foi assassinado. A irmã Dorothy Stang foi morta por pistoleiros com seis tiros em Anapu, em 2005.

 

Há dois anos, Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi encontrado morto em Tarilândia, distrito de Jaru (RO). A liderança denunciava extrações ilegais de madeira dentro de aldeias. Esse assassinato não têm respostas até hoje. Outro defensor da Amazônia assassinado foi Paulino Guajajara, alvejado por tiros na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Como outros heróis da floresta, ele fiscalizava e denunciava invasões na sua TI.

 

Esses são apenas dois dos inúmeros casos que já ocorreram no Brasil, e que só apontam o motivo do país estar em 4º lugar na lista de países que mais matam ativistas ambientais, segundo o relatório da organização Global Witness.

 

No Pará, uma das principais lideranças indígenas que vive sob constantes ameaças é Alessandra Korap Munduruku. Ela nasceu na Aldeia Praia do Índio, em Itaituba, no sul do Pará, e atua no Baixo Tapajós lutando contra as ameaças de garimpo ilegal, madeireiras e projetos do agronegócio na região. Alessandra já teve sua casa invadida e até mesmo seu Whatsapp clonado, tudo como forma de silenciar sua voz que ecoa em defesa dos povos indígenas.

 

O Baixo Tapajós é uma região tão conflituosa quanto o Vale do Javari, pressionada pela expansão do agronegócio, pelo avanço da mineração em comunidades tradicionais, pela extração ilegal de madeira em reservas, entre muitos outros problemas de impactos ambientais na região. Conviver com ameaças e até assassinatos é uma realidade conhecida para os povos tradicionais.

 

Ameaças constantes

 

Edite Borari, liderança indígena do povo Borari. (Foto: Isabelle Maciel | Amazônia Real)

 

Edite Borari, de 55 anos, parteira e liderança indígena, é da aldeia Maró, onde nasceu e vive até hoje. Ela relata que há muito tempo convive com as ameaças. Seus dois filhos também são ameaçados. Um deles, inclusive, possui o acompanhamento da polícia por não poder andar sozinho.

 

“Eles puxaram para o meu lado, porque eu não sou fácil também”, afirma Edite Borari. As mortes de Dom e Bruno abalaram a liderança, porque a fez lembrar que convive com o constante medo de perder seus filhos. Mas cresce nela também a indignação por não entender como essas tragédias ainda podem acontecer, quando já existem diversos órgãos que deveriam proteger a vida de quem luta pelo bem de todos.

 

Órgãos como Funai, ICMBio e Ibama acabam não sendo uma ferramenta de luta na defesa dos territórios, por não funcionarem da maneira correta ou pela falta de orçamento, estrutura, apontam as lideranças do Baixo Tapajós.

 

Enquanto liderança, Edite Borari busca estar informada sobre as leis de proteção, apesar de saber que com o atual governo a ilegalidade esteja vencendo o que é certo. Muitas normas legais são desrespeitadas. Restam aos povos indígenas, desprotegidos por quem deveria protegê-los recorrer a outro tipo de proteção.

 

“A força dos encantados, dos espíritos e das curupiras nos dão uma força muito grande para lutar, pois acreditamos muito nisso para nos protegermos”, diz. A liderança Borari destaca a força da mulher indígena dentro da luta dos povos originários, principalmente na região do Baixo Tapajós, que possui diversas mulheres à frente das organizações.

 

Raquel Tupinambá, de 30 anos, foi criada na aldeia Surucuá, e é coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá. Ela é agricultora e está na luta desde criança inspirada em sua mãe, a quem acompanhava desde cedo em diversos espaços do movimento.

 

“Diversos parentes já foram tombados, por conta dessa visão de mundo da sociedade ocidental, daquilo que eles entendem como desenvolvimento, e nós como povos indígenas e populações tradicionais somos vistos como empecilho, como um atraso para esse chamado desenvolvimento”, diz Raquel.

 

Raquel Tupinambá comenta sobre as pressões que os povos têm sofrido na região do Baixo Tapajós, uma espécie de nova fronteira da frente destruidora que já devastou outras áreas do Pará. Ela lembra que para os defensores da Amazônia essa luta é cara, já que quando as lideranças começam a aparecer e ir para o enfrentamento, não tem como “se esconder”, e acabam ficando em evidência e vulneráveis aos ataques dos invasores.

 

“Ao meu ver não existe um sistema de segurança, e é algo que precisa ser pensado, pois são muitas vidas que estão sendo ceifadas, muitos parentes tombados, e que muitas vezes a visibilidade é mínima para os casos”, afirma a liderança Tupinambá. “Poucos têm visibilidade, como foi o caso de Dom e Bruno, que foi necessário nos meios de comunicação de massa, mas muitos parentes estão sendo mortos em seus territórios e ninguém fala sobre.”

 

 

 

Quando questionados sobre se sentirem protegidos ou protegidas lutando em defesa da Amazônia, as lideranças do Baixo Tapajós ouvidas pela Amazônia Real são unânimes em afirmar que vivem sob total insegurança. Mas afirmam que não estão sozinhos nessa luta, pois existem organizações que também fazem parte do movimento social e estão engajadas na mesma luta que os indígenas.

 

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