27 Junho 2022
Historicamente, o “escrito” veio em auxílio da palavra, e a palavra, do pensamento, quase como uma matrioska em que tudo é conservado de modo concêntrico. Será assim também para uma nova linguagem/ensino multimídia? Por uma sala de aula mista, híbrida, deslocalizada e presencial?
A reflexão é de Marco Staffolani, padre passionista italiano, em artigo publicado em Settimana News, 21-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um recente debate “virtual”, que foi realizado nas páginas do Avvenire (entre Gustavo Piga, em 19 de maio [disponível em italiano aqui], Giuseppe Lorizio, em 22 de maio [disponível em italiano aqui], e Pier Cesare Rivoltella, em 27 de maio [disponível em português aqui]) pôs em questão o valor do ensino híbrido. Nosso objetivo é retornar aos passos percorridos para estimular um debate sobre essa urgente realidade.
Gustavo Piga, embora reconhecendo o valor do online no tempo do lockdown (que permitiu que “as luzinhas dos nossos estudantes, mesmo que enfraquecidas, não se apagassem”), põe em dúvida o fato de que o blended learning, a possibilidade de ensinar tanto presencialmente quanto à distância, deve continuar (o fato de que neste novo tempo pós-pandêmico não houve um decreto para retirar o ensino online seria “a demonstração de que ele não foi introduzido para nos proteger da Covid, mas banalmente para matar as últimas luzinhas (estudantis) ainda vivas”).
Diante da nostalgia de uma “verdadeira universidade” que os “novos” tempos modernos estariam apagando, o título de Giuseppe Lorizio já responde, lembrando que “em presença e à distância a universidade é universal”, referindo-se à concepção (ainda de Newman) que a universidade, antes de ser um lugar físico para simplesmente reunir docentes e discentes, “é e deve ser uma ideia, na qual se conjugam a vocação universal e à unidade do saber, em uma perspectiva sapiencial que vá além dos setores específicos das disciplinas individuais e dos pertencimentos étnicos e geográficos”. Lorizio convida a uma verdadeira “conversão”.
A aventura da Covid parece ter dado a oportunidade real (e a necessidade premente) de aproveitar novas possibilidades que nos pedem toda uma reavaliação do ensino e da sua linguagem. Para o professor de Teologia Fundamental da Lateranense, o momento atual (contexto) seria favorável para acrescentar à linguagem clássica, “meramente conceitual”, outro fato complementar de “imagens e sons, por meio dos quais a teologia entra na vida e se move em um universo simbólico muito mais envolvente, também para os alunos em presença”, sem renunciar ou, melhor, amplificando aquilo que Hegel chamava de “cansaço do conceito”.
Pier Cesare Rivoltella também considera positivamente os aspectos do novo ensino que são identificados na superação da centralidade do lugar físico e do vínculo temporal, com a possibilidade de chegar aos conteúdos mesmo após a aula. A universidade, “ao invés de se enrijecer” em formas consolidadas, deveria considerar a oportunidade de um “ensino misto e flexível, horários diversos, modalidades diversas, sem se fechar dentro de soluções-padrão”.
Em última análise, uma pergunta interessante a ser feita é “o que significa fazer formação hoje na sociedade do conhecimento (...) em que as informações estão por toda a parte e o acesso a elas não é mais necessariamente mediado pelas instituições responsáveis pela transmissão do saber”.
Uma resposta possível é ver na universidade uma “communitas de experiência e discussão […], um espaço feito de vivências, inclusive emocionais; um lugar onde a discussão científica, e não a transmissão, esteja no centro; uma realidade de amadurecimento das profissionalidades no debate entre pares; uma oportunidade para encontrar nos professores ‘consultores de carreira’ [...] e acima de tudo, adultos significativos”. Surge, portanto, a necessidade de uma renovação do ensino dentro do âmbito formativo mais geral.
Usar o online apenas para reproduzir esquemas acadêmicos, típicos da “velha presença” não dá o lugar justo à linguagem simbólica e metafórica, que é muito relevante hoje em uma comunicação cada vez mais hermética e emocional (que não deve se tornar o paradigma único da expressão!).
Em última análise, o estudo será chamado, no seu duplo movimento de exterioridade (análise) e interioridade (síntese), a um conhecimento pleno, usando de forma equilibrada tanto a “linguagem intelectual” (em que o silêncio e a concentração permitem o aprofundamento do conceito), quanto “a linguagem emotiva/figurativa”, para evocar o além da alteridade, estimulado pelos sentidos, que supera os sentidos, e que o pensamento sozinho não poderia alcançar.
As questões em jogo, portanto, são diferentes. Em primeiro lugar, estamos realmente cientes de quem são os possíveis fruidores desse novo ensino? Para Rivoltella, o não frequentador não é necessariamente um preguiçoso, “é alguém que, por razões históricas, culturais, profissionais, não consegue ir à sala de aula ou prefere encontrar outras formas de se aproximar da formação”.
A flexibilidade do meio informático permite hoje novas fórmulas de estudo a quem tem uma ocupação fixa ou a responsabilidade de uma família, mas que não despreza utilizar as suas noites para acompanhar de modo diferido e que não se importa em se unir a colegas de aula “virtuais”.
Na minha experiência (como padre dentro de uma congregação religiosa e como assistente em uma cátedra universitária) não posso deixar de pensar nos desejos de formação de muitos capelães hospitalares e militares que eu conheço (espalhados pelo mundo) e também nos professores de religião católica que gostariam de aperfeiçoar a sua formação com um diploma ou um doutorado, que são impedidos pelo pouco tempo à disposição e pelo pedido de residência plurianual ou pela obrigação de frequentar cursos clássicos presenciais.
Outra consideração deve ser feita em relação ao nosso tempo “acelerado”, que, embora amplie as fronteiras, muitas vezes nos encontra confusos e desorientados com a sucessão das suas novidades midiáticas de eras informáticas cada vez mais curtas. Trata-se de uma “multiplicação” de possibilidades banais ou supérfluas, ou estamos diante de uma nova fase de expressão da riqueza intrínseca do humano que nunca se contenta, comunicando/transmitindo cada vez mais e de mais formas?
Historicamente, o “escrito” veio em auxílio da palavra, e a palavra, do pensamento, quase como uma matrioska em que tudo é conservado de modo concêntrico. Será assim também para uma nova linguagem/ensino multimídia? Por uma sala de aula mista, híbrida, deslocalizada e presencial?
Certamente, no tempo pós-pandêmico que nos espera, é preciso canalizar esse novum “acelerante” sem preconceitos, harmonizando-o na sabedoria milenar (não antiquada) da cultura que já possuímos.