Colômbia. Gustavo Petro e Francia Márquez vencem eleições e serão primeiro governo progressista do país

Gustavo Preto e sua vice, Francia Márquez, comemoram a vitória nas eleições | Foto: reprodução Facebook Gustavo Preto

21 Junho 2022

 

Este artigo é uma junção de duas matérias publicadas de domingo (19) para segunda (20, de junho de 2022).

 

A primeira é assinada por Vanessa Martina Silva, Felipe Bianchi e Guilherme Ribeiro e chama-se “Histórico: Petro e Francia Márquez vencem eleições e serão primeiro governo progressista da Colômbia”.

 

A segunda, assinada por Leonardo Wexell Severo, chama-se “Colombianos celebram com Petro e Francia a ‘vitória da paz, da justiça social e ambiental’”. 

 

Gustavo Petro e Francia Marquez, presidente e vice presidente eleitos da Colômbia. Reprodução: ComunicaSul.

 

A publicação dos artigos é do Correio da Cidadania com informações da  Agência ComunicaSul*, 20-06-2022.

 

Eis o artigos.

 

Histórico: Petro e Francia Márquez vencem eleições e serão primeiro governo progressista da Colômbia

 

Com mais de 11 milhões de votos, Gustavo Petro é o novo presidente da Colômbia, rompendo um tabu histórico e consagrando-se como o primeiro líder progressista a ocupar o Palácio de Nariño. Ao seu lado, como vice-presidenta, estará Francia Márquez, líder popular negra e feminista.

 

Com 99,63% das urnas apuradas na contagem rápida, a coalizão Pacto Histórico obteve 50,48% dos votos válidos, 3,2% a mais que os 10,53 milhões, 47,26% recebidos pela Liga Anticorrupção, do direitista Rodolfo Hernández e Marelen Castillo.

 

A participação popular foi histórica, superando a ocorrida no primeiro turno. Mais de 22,57 milhões de pessoas foram às urnas, 57,88% dos cidadãos aptos a votar. Em uma votação que se esperava acirrada, os quase 3% a mais de votos fizeram toda a diferença, já que no primeiro turno 54,91% foram às urnas.

 

Das 34 seções de votação do país, 32 são estados, somados à capital da Colômbia, Bogotá, e os consulados no exterior.

 

Petro obteve a maioria em 16 estados e na capital. Hernández, por sua vez, também conseguiu a maioria em 16 estados e nos consulados.

 

Era de se esperar que o candidato da Liga recebesse votos dos eleitores de Fico Gutiérrez, o que se concretizou. O uribista havia declarado, logo após a derrota no primeiro turno, que seus eleitores deveriam escolher o candidato direitista.

 

O mapa eleitoral ficou bem definidos no país. Petro venceu no Caribe e na costa do Pacífico, onde se concentram comunidades empobrecidas, negras e indígenas. Também obteve maioria na Colômbia amazônica e na capital, Bogotá.

 

Os resultados surpreendentes vieram dos departamentos de Quindio e Risaralda, onde Petro teve a maioria na primeira volta e que, neste domingo (19), escolheram Hernández em sua maioria.

 

Confira o mapa:

 

 

 


A cor laranja se refere aos locais em que Gustavo Petro conquistou a maior parcela de votos; as demais regiões são relativas a Rodolfo Hernández (Imagem: Registraduria Colômbia)

 

Apesar do favoritismo que acompanhou o progressista Gustavo Petro ao longo da corrida presidencial, o risco de fraudes eleitorais, o apoio do uribismo a Rodolfo Hernández e a possibilidade de unificação de amplas parcelas da sociedade contra um candidato de esquerda se configuraram como sombras nesta segunda etapa.

 

A violência de grupos paramilitares em regiões cruciais a Petro e a possibilidade de cerceamento do direito ao voto de trabalhadores por empresários em todo o país também representaram desafios a serem superados pela frente ampla liderada por Petro e pelos apoiadores de seu projeto de transformação para a Colômbia.

 

Do total de cédulas contabilizadas, 0,13% não apresentaram marcação, 1,2% foram nulas e 98,69%, válidas. Entre as válidas, 97,75% foram para candidatos e 2,24%, em branco.

 

Duque e Hernández reconhecem resultado

 

Derrotado no pleito deste domingo, Hernández reconheceu o revés através de sua conta no Twitter. Em vídeo gravado logo após fim da apuração dos votos, o adversário de Petro disse aceitar os resultados “como deve ser se queremos instituições firmes”. Momentos depois, ele acrescentou ter telefonado a Petro para parabenizá-lo pelo triunfo.

 

Intimamente ligado ao uribismo, o presidente Iván Duque publicou uma mensagem no Twitter pouco tempo após a confirmação da vitória de Petro, na qual parabenizou o candidato: “Liguei para Gustavo Petro para felicitá-lo como presidente escolhido pelos colombianos. Combinamos de nos reunirmos nos próximos dias para iniciar uma transição ordenada, harmônica e institucional.”

 

A rapidez e o teor das manifestações de Duque afastam, por ora, a possibilidade de golpismo e fraude que poderia surgir da contestação dos resultados divulgados neste domingo.

 

Colombianos celebram com Petro e Francia a "vitória da paz, da justiça social e ambiental"

 

Colombianos celebram com Petro e Francia a “vitória da paz, da justiça social e ambiental”, por Leonardo Wexell Severo, direto de Bogotá.

 

A frente progressista liderada pelo economista Gustavo Petro e a advogada Francia Márquez obteve 11.281.002 votos válidos (50,44%) para a presidência da Colômbia neste domingo (19), ultrapassando em mais de 700 mil votos (3,13%) os 10.580.399 votos (47,31%) do magnata ultradireitista Rodolfo Hernández. Além de derrotar a máquina governamental de Iván Duque e a política de terrorismo de Estado do ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), com o famigerado “Plano Colômbia” e sua política de assassinatos e desaparecimentos forçados de oposicionistas, a vitória oxigena a luta das forças nacionais e populares, pois reforça os êxitos obtidos na Argentina, Chile, Bolívia, México e Honduras.

 

Aclamados por uma multidão na Arena Movistar, em Bogotá, e escoltados pela Guarda Indígena – que os acompanhou ao longo de toda a campanha – Petro e Francia foram recepcionados, ao canto de “Si, se pudo!” (Sim, foi possível!), contrariando as projeções dos grandes conglomerados midiáticos e de suas pesquisas de opinião. Como recordaram as mulheres do Cauca, “estamos parindo uma nova Pátria”.

 

Em um clima de festa, ao lado de seus familiares e de Petro, Francia Márquez agradeceu “a todos os colombianos e colombianas que deram a vida para que este momento acontecesse, assim como as lideranças sociais que tristemente foram assassinadas neste país”.

 

Sob aplausos, a primeira afrodescendente vice-presidente da história do país homenageou “a juventude que foi executada e desaparecida, as mulheres estupradas e desaparecidas, e a todos os que sei que de alguma parte estão nos acompanhando neste momento histórico para a Colômbia”. “Obrigado por nos abrirem este caminho, agradecemos por terem plantado a semente da resistência e da esperança”, destacou, saudando de forma especial “a frente ampla que liderou todo este processo, acreditando que era possível mudar a história do país”.

 

Apontando a responsabilidade de impulsionar a construção de um novo tempo, Francia Márquez agradeceu “às mães, aos jovens e às crianças que, com amor e alegria, estiveram presentes nesse sonho”. Da mesma forma, resgatou, “contamos com o companheirismo de pessoas portadores de deficiência, indígenas, camponeses e afrodescendentes que tornaram possível com que, finalmente, após 214 anos, tenhamos eleito um governo do povo, dos de baixo, dos que são tratados como nada”.

 

Conforme a vice-presidente eleita, “agora é preciso reconciliar a nação, que é capaz, atuando de maneira decidida e sem medo pela dignidade e pela justiça, de erradicar o patriarcado, o racismo estrutural e garantir o direito à Mãe Terra”.

 

“Dia histórico”

 

Emocionado, Gustavo Petro frisou que se tratava de “um dia histórico para a Colômbia, para a América Latina e para o mundo, porque o que fizeram esses mais de 11 milhões que nos elegeram é afirmar a necessidade de uma transformação real, e não vamos trair esse eleitorado”.

 

De acordo com o líder eleito, “o que está escrito é que, a partir de agora, a mudança começa na Colômbia. E essa transformação real nos conduz a algumas verdades, colhida nas praças públicas, que é a afirmação da política do amor”. “Não é uma mudança para construir mais ódio ou para aprofundar o sectarismo. Nossos pais e nossos avós nos ensinaram o que significa o sectarismo. As eleições mudaram duas colômbias, próximas em termos de votos, e queremos que, em meio à diversidade, seja uma só”, acrescentou.

 

Petro disse que “a transformação também significa dar as boas-vindas à esperança, dar oportunidade à mudança”, sempre levando em conta que foi proporcionada por gerações militantes, de homens e mulheres “que não estão mais entre nós”.

 

“Somos parte de um acúmulo de resistência que já tem cinco séculos, como diria Francia, que somos a somatória deste passado. Uma rebeldia contra a injustiça, contra um mundo que não deveria ser, contra a discriminação e a desigualdade. Quanta gente não nos acompanha hoje porque desapareceu nos caminhos do país? Dezenas de milhares que morreram. Quanta gente está presa atualmente? Jovens algemados, trancafiados, tratados como bandidos quando simplesmente traziam consigo a esperança de um país melhor”, asseverou. Ao que a multidão entoou “liberdade, liberdade, liberdade!”.

 

Recordando Dilan Cruz

 

Sob uma maré de aplausos, Petro levou até o palanque a mãe de Dilan Cruz, o jovem de 18 anos assassinado em Bogotá durante os protestos de novembro de 2019 pelo Esquadrão Móvel da Tropa de Choque (Esmad).

 

Discursando com um retrato do filho ao fundo, Jenny Alexandra Medina agradeceu a Petro: “Em você está a esperança de todos nós, da justiça, a esperança dos pobres, dos necessitados, dos ricos, dos pobres.” E sublinhou: “Levanto a voz pelo meu filho porque exijo justiça.”

 

Após cumprimentar Jenny, o presidente eleito solicitou ao Fiscal Geral da Nação “que liberte nossos jovens”. Com dezenas de milhares de vozes voltando a pedir “liberdade, liberdade, liberdade!”.

 

Com o mesmo sentimento de negociação e entendimento, Petro pediu à Procuradoria Geral da Nação que liberte os prefeitos injustamente presos. “É o momento de acabar com os ódios. Este momento que vai iniciar no próximo dia 7 de agosto é da vida. Queremos construir a Colômbia como potência mundial da vida”, apontou, sintetizando que isso consiste em “paz, justiça social e justiça ambiental”.

 

De forma didática, Petro disse que “a paz é o governo da vida” e isso significa “que os dez milhões de eleitores de Rodolfo Hernández serão bem-vindos”, bem como o oponente encontrará as portas abertas quando quiser negociar, “porque não vamos utilizar o governo para destruir o oponente”.

 

“A oposição será sempre bem-vinda”, comunicou, com a multidão respondendo: “Basta de guerra!”

 

Garantia de diálogo

 

É importante que se recorde que o clima construído no país ao longo das últimas décadas foi de “ódio e confrontação, de morte, perseguição e isolamento, e não podemos seguir assim. O governo que se inicia poderá até vir a ter uma oposição tenaz, mas asseguro que ela jamais sofrerá perseguição. O que haverá é diálogo para esse grande acordo nacional que já começou a ser construído entre os 11 milhões de eleitores no Pacto, mas tem que ser entre os 50 milhões de colombianos e colombianas, entre toda a sociedade”, declarou o dirigente.

 

Para que esse grande acordo seja alcançado, ponderou Petro, “é preciso construir as reformas que a Colômbia necessita para viver em paz”. O líder agradeceu aos jovens e às mulheres, que deram à frente oposicionista a maioria dos votos, se comprometendo a que “os direitos fundamentais deixem de ser letra morta, mas a existência real e a garantia plena de uma Constituição viva”. “Se me perguntam qual a razão de um acordo nacional, eu diria que é para que a vida das famílias seja melhor, que tenham crédito mais barato para construir suas casas, que os idosos tenham sua aposentadoria, que os jovens tenham acesso à universidade, que a mãe possa comprar alimentos para seus filhos.”

 

Recém-eleito, Petro ponderou que a paz não será construída sem fazer valer os direitos das pessoas, combatendo as forças paramilitares, “fazendo com que as armas parem de disparar e deixem de existir por fora do Estado colombiano”.

 

Do ponto de vista do desenvolvimento econômico, tão essencial para romper com o passado de exclusão, reiterou, “é necessário passar da velha economia escravista, de um mundo de servos, para uma democracia, que será construída permitindo um pluralismo de consciência, um pluralismo ideológico”.

 

“Precisamos ter espaço para superar o velho feudalismo para que as comunidades indígenas desenvolvam sua ecologia e sua cultura; ter uma economia popular que possa se fortalecer por meio da conectividade, da educação e do crédito barato”, informou Petro, para quem é necessário combater o capital especulativo.

 

“Precisaremos de novas formas de relacionamento da humanidade. Então poderemos transitar da velha economia extrativista, que matava a água e matava a vida, para uma economia forte e produtiva, valorizando o trabalho. A riqueza nacional depende do trabalho”, assegurou o presidente eleito, para quem, por meio de políticas para o incremento da produção, o país terá maiores e melhores condições de distribuição.

 

“Por isso é importante produzir no campo, na indústria e sobretudo na base do conhecimento. Produzir sem afetar a dignidade humana nem que se comprometa a natureza”, apontou Petro, comemorando que, juntos, povo e governo transformarão a Colômbia na “potência do século 21”.

 

O líder também ponderou a necessidade de o país incentivar um encontro de países latino-americanos, “sem distinção”, porque não é mais possível conviver com uma política em que tenhamos de um lado o maior emissor de gases poluentes, como os Estados Unidos, e do outro “a nossa floresta amazônica, a maior absorvente do mundo”.

 

Finalmente, atualizou uma mensagem que marcou sua campanha, em que defendia propostas desenvolvimentistas. “Sou Gustavo Petro e sou seu presidente”, concluiu.

 

Terminado o comício, as ruas transbordaram de alegria e confiança. Centenas de milhares de pessoas em todo o país reafirmaram sua identidade com o projeto do Pacto Histórico e a vibração com a chegada ao poder do primeiro governo popular da história da Colômbia.

 

 *A Agência ComunicaSul está na Colômbia cobrindo o segundo turno das eleições presidenciais graças ao apoio das seguintes entidades:

Associação dos/das Docentes da Universidade Federal de Lavras-MG, Federação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário Federal e do MPU (Fenajufe), Confederação Sindical dos Trabalhadores/as das Américas (CSA), jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul, Barão de Itararé, Portal Vermelho, Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Sindicato dos Bancários do Piauí; Associação dos Professores do Ensino Oficial do Ceará (APEOC), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-Sul), Sindicato dos Bancários do Amapá, Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Sindicato dos Metalúrgicos de Betim-MG, Sindicato dos Correios de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp Sudeste Centro), Associação dos Professores Universitários da Bahia, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal do RS (Sintrajufe-RS), Sindicato dos Bancários de Santos e Região, Sindicato dos Químicos de Campinas, Osasco e Região, Sindicato dos Servidores de São Carlos, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal de Santa Catarina (Sintrajusc); mandato popular do vereador Werner Rempel (Santa Maria-RS), Agência Sindical, Correio da Cidadania, Agência Saiba Mais, Revista Fórum, Viomundo e centenas de contribuições individuais.

 

Ler mais