O medo que temos. Debate entre Massimo Ammaniti e Vito Mancuso

(Foto: Mario Heller | Unsplash)

08 Junho 2022

 

"A arrogância do nosso tempo não é apenas uma reação ao medo: é também devida à ignorância, quanto menos sabemos, mais acreditamos saber. Comemoramos recentemente o aniversário da morte de Falcone: ele disse que não é tão importante estabelecer se alguém tem medo ou não, mas saber conviver com aquele medo sem ser demasiadamente condicionado. E isso é possível se soubermos reconhecer nos outros um exemplo".

 

O diálogo entre Massimo Ammaniti, professor no Departamento de Psicologia e Dinâmica Clínica da Universidade La Sapienza/Roma, e Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele de Milão e da Universidade de Pádua, foi compilado por Simonetta Sciandivasci e publicado por La Stampa, 06-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo. 

 

Caro Mancuso, a necessidade de reconstruir, sobre a qual você escreveu neste jornal, traz consigo também o desejo de uma nova construção. Elliott Jacques, psicanalista, dizia que toda construção ou reconstrução deve ocorrer dentro de uma moldura, que depois gera e permite discricionariedade.

 

A moldura, no entanto, se opõe à fluidez, que é o princípio de realidade de nossa vida atual. Tudo é fluido. Pense nos partidos políticos, que antes eram estruturas mais ou menos monolíticas, com um eleitorado igualmente monolítico e até inconsistente, que se move de um lado para o outro.

 

Vito Mancuso: Você sabe que, mais do que um desejo, eu falaria de uma necessidade de reconstrução? Sinto-o primeiramente dentro de mim e depois também fora, entre as pessoas com quem convivo, e sinto que é acompanhado por um medo da desintegração, do crepúsculo, do fim. Um medo que se agitava dentro de nós antes da Covid e mesmo antes da guerra, e que agora começamos a manifestar.

 

O que precisa ser reconstruído é a sociedade, entendida como societas, um conjunto de sócios e, portanto, também de comunidades. Tenho a impressão de que até um passado recente as duas coisas se mantinham firmes, porque havia uma vontade de mantê-las firmes: os vizinhos eram vizinhos não só no sentido físico, mas também no sentido psíquico. Você fala de partidos: eram casas da mente, assim como o eram as igrejas. E eles conferiam pertencimento. Agora nem os times de futebol o permitem.

 

Você certamente conhece o trabalho do professor Stefano Bolognini, que foi o primeiro psicanalista italiano a se tornar presidente da sociedade psicanalítica internacional: ele me conta que, anos atrás, quando tinha recém começado a fazer seu trabalho, seus pacientes lutavam contra a prevalência do superego, que gerava complexos, angústias, medos e impunha castrações. Agora, porém, existe o problema oposto: restabelecer o superego, isto é, algo que seja superior ao sentido desproporcional do ego que, sem algo superior, justamente, torna-se um hiperego, cada vez mais à mercê do Id. Digo isso porque para reconstruir a sociedade assim como eu a entendo, ou seja, conjunto de sócios, precisamos recompor a singularidade humana e restaurar a confiança em algo que a supere e que a oriente.

 

Se esse algo é a política, a religião ou a estética, não faz diferença para mim, não tenho tese a respeito. Mas eu sei que uma orientação é necessária. Um sentido a seguir. E como você, acredito que tudo isso deve acontecer dentro de uma moldura onde seja possível conectar as coisas: nada de vivo e estruturado, a partir das células, pode existir sem uma membrana.

Em seu ensaio sobre o Iluminismo, Kant dizia que é preciso ter a coragem de usar a própria inteligência e razão. Pois bem, eu penso que esse retorno à singularidade e à dignidade humana, que são duas coisas praticamente coincidentes, deve levar a considerar-nos como seres pensantes, a recordar-nos que somos primeiramente isso. Se pudesse, não reformularia as noções de educação e instrução, mas a aquisição da confiança nas capacidades humanas de pensar, sentir, perceber, raciocinar. O ser humano é senciente: é sapiens. Homo sapiens é o rótulo que demos à nossa espécie e, há algum tempo, o usamos para conotar o que parece ser a pior catástrofe do planeta: nos pensamos e contamos como habitantes invasivos, cruéis, devastadores. O planeta se superaquece e nós, que somos planeta, nos superaquecemos por nossa vez, e de fato nos agredimos e não somos mais capazes de cooperar.

Massimo Ammaniti: Parto novamente do tema da inflação do Ego, que é uma consequência de referir tudo a si mesmos, de obter e apropriar-se das coisas. A pessoa quer para si, e não para os outros. O nós não desaparece, mas se refere não mais a uma comunidade, mas a grupos de cúmplices diferentes que lutam para se afirmar, em competição com outros grupos. O que une, nesses âmbitos, não é se colocar no lugar do outro, tentar entender seu ponto de vista (em suma, não é a empatia), mas o agredir os outros para defender um interesse ou uma necessidade imediata do próprio clã.

A identidade não se constrói em relação ao outro: o egoísmo individual ou de rebanho deve prevalecer sobre tudo. Não acredito que o superego seja aquele formulado por Freud, cada vez menos presente como guia regulador e de chamamento: acredito que o superego internaliza as regras e os valores sociais transmitidos pelos pais, assim como acredito que existe um superego inconsciente, cruel e sádico que pode esmagar o ego. Este último existe e é transferido aos outros. A guerra na Ucrânia é prova disso e me faz pensar em Sartre, quando dizia que o inferno são os outros. A última degeneração da comunidade humana. É difícil pensar em como reconstruir esse tecido, porque é como se fosse um mosaico em que as várias peças já não correspondem mais e cada uma força a outra para poder tomar espaço: é o que chamamos de narcisismo, que nada mais é do que a outra face do sentimento de solidão e de vazio que dá origem ao medo em relação aos outros, a outra face de uma sociedade em que desaparecem os laços comunitários.

 

Não acredito nas grandes mudanças, nas revoluções, mas acredito que a única possibilidade de melhoria está na mudança dos comportamentos individuais cotidianos. Cuido dos oleandros que ficam em frente ao meu consultório, mesmo que sejam de propriedade da prefeitura, porque senão sucumbiriam no abandono. Não é meu trabalho, muitas vezes também sou repreendido por alguns vizinhos, mas sinto que é meu dever fazê-lo, que tenho que salvar a beleza. Cada um deve testemunhar uma maneira diferente de viver, reconhecendo e protegendo a beleza.

Vito Mancuso: Você usou a palavra empatia, que eu acho que é uma das coisas que nos tornam humanos. E, no entanto, parece-me que mais do que empatia, agora, sentimos antipatia. No imediato, pelo menos, o outro desperta em nós uma rejeição instintiva. Uma prova clara está na frequência e na exasperação com que dizemos que, neste planeta, somos muitos, demais. Quando vamos passear nas montanhas, porém, e encontramos outro ser humano, depois de horas de caminhada solitária, ficamos felizes, até o cumprimentamos com gratidão e alívio. Em nossas cidades superlotadas, porém, quando encontramos o outro, ou nos viramos do outro lado ou nos sentimos ameaçados; temos medo, então nos defendemos.

 

Entendo o discurso do pós-humanismo, até daqueles que preferem a inteligência artificial e confiam mais nas máquinas do que no fator humano. Sentimo-nos mais próximos do que não é humano: das plantas, dos animais, que amamos em contraposição aos homens. Não amamos os oleandros porque são bonitos, mas porque pensamos que são melhores e menos decepcionantes do que os outros homens. Experimentamos a morte de Deus, ou melhor, a falta de uma religião, no sentido latino. Não quero culpar o movimento de pensamento que levou à morte de Deus, ou seja, os mestres da suspeita (Marx, Nietzsche, Freud), porque era fisiológico derrubar a religião que muitas vezes gerava aquele superego negativo de que falamos antes. Quando falo em reconstrução, não pretendo de forma alguma restaurar.

 

Reconstruir é uma função a que a religião pode nos conduzir, fazendo-nos acertar as contas com uma ausência: a falta, como dizia, de algo que nos ultrapassa, nos transcende porque é maior que nós, do nosso ego. Se reconhecemos, por exemplo, que a lei constitucional é maior do que nós, do que todos os nossos interesses, fazemos de forma a nos ordenar com base nela, a obedecê-la, porque a respeitamos. É disso que sinto a necessidade: de um passo atrás para acolher algo maior. Mencionei a reforma da escola, mas também eu, como você, acredito que a única possibilidade de mudança está na ação cotidiana de cada um, mas sinto que nessa frente devemos fazer, pois as crianças necessitam de algo que a escola não lhes dá e, ao contrário, a escola lhes dá muitas coisas com as quais eles não sabem o que fazer e, assim, gera-se uma frustração que os afasta da beleza do estudo.

 

A arrogância do nosso tempo não é apenas uma reação ao medo: é também devida à ignorância, quanto menos sabemos, mais acreditamos saber. Comemoramos recentemente o aniversário da morte de Falcone: ele disse que não é tão importante estabelecer se alguém tem medo ou não, mas saber conviver com aquele medo sem ser demasiadamente condicionado. E isso é possível se soubermos reconhecer nos outros um exemplo. Você que cuida de um oleandro pode ser um exemplo para quem pode imitá-lo e assim gerar um círculo virtuoso. Eu procuro nos clássicos um exemplo e tento segui-lo porque é a única maneira que conheço de evitar que meu coração se aperte, que meu espírito se brutalize. Por que você cuida dos oleandros?

Massimo Ammaniti: Porque ver o abandono e a degradação me entristece profundamente. Acredito como você que os atos demonstrativos servem para evocar uma dimensão humana que às vezes é pisoteada. E, antes mesmo, para ver. Certa vez, uma senhora quase atropelou os oleandros com seu carro enquanto estacionava: quando eu lhe disse isso, ela me xingou. Ela nem os tinha visto, e não se arrependia disso, não parou para refletir. Quando alguém se acostuma a não ver, até suas capacidades de percepção somem e isso é uma das coisas que mais me causa sofrimento. É como quando no museu você não olha para a obra, mas fica se fotografando ao lado da obra.

 

Você fala de religião e me vem à lembrança O sonho como religião da mente, livro de um psicanalista que infelizmente faleceu alguns anos, Mauro Mancia: ele enfatizava que desde a infância devemos em primeiro lugar construir laços com a nossa família que nascem de uma espécie de religiosidade interna a partir da qual se estrutura o nosso sentir e o nosso ver.

 

Tenho feito muitas pesquisas na área infantil e sei que quando uma criança interage com a mãe, inclusive no primeiro ano de vida, cria-se entre elas um ritmo, uma musicalidade: ali ela descobre a beleza.

 

Estas são as coisas que devemos ter o cuidado de transmitir.

 

Estávamos falando de empatia: o mecanismo do "ele é como eu" está na base do reconhecimento do outro. O recém-nascido vê uma expressão do adulto e tenta reproduzi-la: é a base da empatia, que é, portanto, algo de que somos capazes desde o nascimento. Para eliminar o bullying bastaria que a escola transmitisse essa mensagem. O valentão não vê o outro, ou melhor, o vê opaco, portanto ameaçador: por isso ele o bate e pune. Porque tem medo de alguém que não vê.

 

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