“O populismo autoritário se apropria da linguagem da soberania popular”. Entrevista com Pierre Dardot

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26 Mai 2022

 

Há vários anos, o intelectual francês Pierre Dardot se dedica a revisar o alcance do neoliberalismo e sua relação com o conceito de soberania. Seu novo ensaio Dominar. Estudio sobre la soberanía del Estado en Occidente (Gedisa), escrito com Christian Laval, defende que é urgente olhar para além da soberania do Estado e abrir caminho para vias que permitam aos cidadãos uma participação mais ativa.

 

O filósofo francês parece estar convicto de que o Chile é um país exemplar nesse sentido. “Pareceu-me extraordinária a forma como a soberania popular foi afirmada, a partir de 18 de outubro de 2019”, afirma em entrevista.

 

A entrevista é de Héctor González, publicada por Aristegui Noticias, 24-05-2022. A tradução é do Cepat.

 

Eis a entrevista.

 

Hoje, a soberania é um termo muito debatido, a que você atribui?

 

Há muito a dizer a esse respeito. A lógica da soberania do Estado parece se impor em escala global, seja nas relações entre as potências ou entre os diferentes governos. Cada Estado é muito zeloso acerca do controle que exerce em seu território. Pessoalmente, interessa-me falar da soberania como o controle de um Estado sobre seus habitantes.

 

 

Controle? A soberania é vista quase como um sinônimo de autonomia.

 

Essa é uma confusão bastante difundida. É verdade que hoje se atribui à soberania um significado positivo, mas nem sempre foi assim. A princípio, significava que o Estado era o senhor em seu território. Sua conotação positiva se deu quando foi aplicada em relação ao exterior. Quem pode ser contra sua origem? No entanto, em princípio, estava ligada ao absolutismo. Quanto mais interesse um Estado mostrar em fazer o que quer, mais seus cidadãos sofrerão.

 

Então, a conotação depende da ideia que temos de Estado?

 

Sim. Entre os séculos XIV e XIX, foram construídos Estados soberanos no Ocidente sob o modelo da Igreja. Lembremos que o Papa Gregório VII construiu um aparato piramidal onde ele era o chefe absoluto. No século XVIII, com a Revolução Francesa, houve uma mudança: o povo ocupou o lugar do rei, embora a partir da lógica do poder absoluto. Ou seja, o que chamamos de “o poder do povo” não contradiz o absolutismo. Ao identificar o povo com a nação, começa-se a falar em soberania nacional.

 

 

Você escreve que o neoliberalismo precisa da soberania. Isto não é uma contradição no sentido de que o neoliberalismo busca um Estado menor?

 

Tomemos Pinochet como exemplo. Criou um Estado subsidiário, que estava no princípio da Constituição neoliberal de 1980. Graças a isso, teve maior controle sobre a população. O neoliberalismo não promove o desaparecimento do Estado. Hayek, um de seus grandes teóricos, fala da necessidade de um Estado forte. A questão é saber forte para quê. O Estado é subsidiário em relação às empresas e, nesse sentido, só faz aquilo que as empresas não conseguem.

 

Considera que o neoliberalismo acabou, como dizem?

 

Ao menos há uma transformação que vale a pena ser analisada. Para o neoliberalismo, é melhor um Estado que permita impor a soberania do direito privado. Aqui, também seria necessário fazer uma diferença entre o que é soberania popular e o que é soberania do povo.

 

 

Qual é a diferença?

 

A soberania do povo tende ao absolutismo, ao contrário, a soberania popular implica que o povo não seja visto como um todo. A esquerda precisa entender que tomar o povo como um todo é uma ficção ambígua e perigosa. O povo chileno é um todo? Não, tem suas contradições.

 

Continuando com o exemplo chileno, pareceu-me extraordinária a forma como a soberania popular foi afirmada, a partir de 18 de outubro de 2019. Na soberania popular, os cidadãos assumem o controle ativo sobre seus governantes.

 

 

Ressalta que a esquerda precisa entender isso, mas o que acontece com a direita?

 

Em nível mundial, estamos vendo o populismo autoritário se apropriar da linguagem da soberania popular para que o eleitorado se lance contra os setores tradicionais. É o que vemos com o nacionalismo competitivista presente na Inglaterra e Hungria, mas também com o neoliberalismo progressista, como o de Macron e Trudeau.

 

Qual é a sua opinião sobre o que acontece no México?

 

Não conheço suficientemente o México. Diversas vezes, ouvi declarações do presidente e me parece que usa o neoliberalismo de modo muito simplista. Diante do recrudescimento dos feminicídios, disse que o motivo era a decadência neoliberal, isso não faz sentido. Opõe o discurso da soberania nacional ao neoliberalismo e isso também é um erro.

 

O neoliberalismo deixou de ser algo externo, todos os países adotaram sua lógica. O que mudou é o papel do Estado, que precisa traduzir as normas internacionais e refleti-las em seu direito nacional. O verdadeiro desafio é nos desatrelar do neoliberalismo, mas, além disso, mudar as leis em nível nacional. É por isso que o caso chileno é tão importante. Ao mudar sua constituição, abrem um caminho diferente.

 

 

Qual é a sua avaliação das eleições na França?

 

É uma situação difícil. Macron venceu Le Pen, mas se observarmos os resultados, o fato é que Le Pen ganhou dois milhões de votos e Macron perdeu três milhões. A margem de manobra de Macron é muita estreita.

 

 

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