23 Mai 2022
"Depois de semanas em que o estrondo dos canhões nos ensurdeceu, agora ressoou no campo de batalha - frágil, oprimida, mas revolucionária - também uma palavra sempre banida quando a humanidade é removida para deixar o campo livre para a violência. Pronunciar 'perdão', em russo ou ucraniano, tem o poder de desanuviar um céu que se tornou insuportavelmente sombrio", escreve Francesco Ognibene, publicado por Avvenire, 20-05-2022. A tradução é de Luisa Rasbolini.
Gemma Calabresi disse e escreveu na véspera do 50º aniversário do assassinato de seu marido: o que o condenou à morte foi a impiedosa e sistemática obra de 'desencarnação' de sua figura realizada por aqueles que - por vários motivos - armaram a mão assassina de quem depois atirou. Trabalhou-se para despojar Luigi de sua qualidade humana, a ponto de torná-lo um símbolo abstrato, a ser odiado e abatido. E é da recuperação da humanidade de quem foi condenado por aquele crime que a viúva do comissário conta ter se levantado do abismo da dor. Voltar a ver uma pessoa em alguém que parecia apenas responsável por um crime hediondo, sabendo reconhecer além da escuridão, também o bem de que pode ser capaz, o devolve para nós como um semelhante. Apesar de tudo.
Este é o pensamento que surge ao observar a figura franzina e assustada de Vadim Shishimarin, um sargento do exército russo, capturado em batalha na aldeia de Chupakhivkai após matar a sangue frio Oleksandr Shelipov, 62 anos, um aposentado ucraniano que passava de bicicleta e parecia ter surpreendido um grupo de soldados de Moscou em fuga. Entre eles Vadim, que - assim relata - foi obrigado por um colega soldado a atirar na testemunha involuntária.
Vadim Shishimarin, sargente do exército russo condenado pelo assassinato de um civil ucraniano desarmado. (Foto: reprodução)
A imagem do soldado de 21 anos que, diante de um tribunal de Kiev, admite trêmulo sua culpa total foi exibida pelas autoridades ucranianas como prova de que os autores de crimes de guerra (e o que, em uma guerra, não o é?) não se safarão. Uma pressa ditada pela crueldade dos códigos de guerra em que estamos imersos há quase três meses e que, a longo prazo, correm o risco de nos acostumar com essa desumanização do 'inimigo', à qual se espera que o Kremlin responda com a mesma moeda - se não pior - tendo agora em mãos, após a sua rendição, aqueles que para Kiev são os "heróis do Azovstal". Uma linguagem primordial da qual ninguém parece poder escapar - as autoridades russas a usaram desde o início, retratando os ucranianos como 'nazistas' - e que repropõe em tempo de guerra o que conhecemos em nossos 'anos de chumbo': apontar um homem como o próprio símbolo do crime para poder odiar a ele e a seus semelhantes sem escrúpulos de consciência, e assim justificar o uso da violência, da guerra.
Mas é justamente dentro dessa noite que ouvimos ontem uma nota discordante, finalmente familiar.
Porque Vadim pediu perdão. "Sei que vocês não poderão me perdoar - disse ele, ainda mais fragilizado por sua repentina oração - mas ainda assim peço seu perdão". Há quanto tempo desejávamos ouvir essa palavra dentro do "massacre inútil", pronunciada por qualquer um, como um desafio à tempestade? Será que realmente importa se foi dita em uma tentativa desesperada de escapar dos rigores de uma condenação que poderia entregá-lo à prisão perpétua? Mesmo que fosse assim, naquele pânico compreensível que todos teríamos, vemos retornar em Vadim a humanidade que o uniforme, o batalhão, as ordens absurdas de Putin, o envio ao front, o fuzil automático, os disparos contra um transeunte indefeso, haviam lhe tirado, inclusive diante de si mesmo.
E nem mesmo tem importância as cores da bandeira pela qual lutava: Vadim - o sargento Shishimarin, culpado de homicídio dentro de um massacre horrendo onde poupar vidas não é contemplado - tentou escapar com todas as suas forças das garras do ódio e da sombra insustentável de seu próprio crime com um lampejo repentino de humanidade não previsto pelos códigos militares. Ele fez isso implorando ao júri e a Katerina, a viúva que pranteia Oleksandr. Ele caiu em si de alguma forma. E em sua franzina figura vimos algo que não pode deixar de nos pertencer, independentemente de como vemos esta guerra infame, se realmente nos é cara, acima de toda outra consideração, a paz.
Depois de semanas em que o estrondo dos canhões nos ensurdeceu, agora ressoou no campo de batalha - frágil, oprimida, mas revolucionária - também uma palavra sempre banida quando a humanidade é removida para deixar o campo livre para a violência. Pronunciar 'perdão', em russo ou ucraniano, tem o poder de desanuviar um céu que se tornou insuportavelmente sombrio. Pode ser suficiente também apenas uma brecha, agora, para nos recordar quem somos.