23 Fevereiro 2022
Vó Chica segue lúcida e dando conselhos espirituais a quem a procura.
A reportagem é de Marcelo Adifa, publicada por Revista Brasil Drummond, 06-02-2022.
Vó Chica não reclama ao levantar o seu corpo cansado da cadeira e ir em direção a uma pessoa que bate palmas em sua porta em busca de ajuda. De dias contados na terra ela já soma 108 anos e tem a felicidade estampada no rosto. Diz que ajudar a faz se sentir mais nova.
Francisca Correia da Costa é a benzedeira mais antiga da Chapada dos Guimarães. Bem provável que seja em todo o Brasil. “Pode ser que tenha alguém mais velha que eu em alguma aldeia indígena, lá eles têm segredos para rejuvenescer e o tempo passa de forma diferente”, alega brincando para refutar o título de mais velha em alguma coisa. Prefere ser chamada de mais experiente.
Além de benzedeira, Vó Chica é parteira de centenas de partos, além de especialista em ervas e raízes. Ela até prefere usar as raízes em suas poções, unguentos e pomadas naturais. Diz que tem mais propriedades que as folhas.
Desde que ela nasceu lá se foram guerras e doenças, sem contar os muitos governos e a instabilidade política e econômica no Brasil. E Vó Chica sempre esteve de prontidão para atender quem quer que fosse “ainda que visse nos olhos de alguns a ruindade que nem nos bichos da mata a gente enxerga”.
Sem ter uma religião definida, em sua casa estão presentes de imagens de santos a orixás. Ela diz que caboclo e pretos velhos a acompanham desde criança, assim como aos santos. Nesse ponto ela lembra as falas do mestre milagreiro João de Camargo, um negro que viveu muitas décadas antes de Vó Chica na cidade de Sorocaba e até hoje é considerado um santo e tem seu túmulo visitado por quem precisa de ajuda urgente.
Chica passou a sentir que tinha algo diferente acontecendo com ela aos dez anos de idade. Era o princípio do afloramento de uma mediunidade que a permitia ver e ouvir desencarnados e a curar pessoas.
Vó Chica conta que sua mãe era uma excelente benzedeira e isso fazia com que sua casa vivesse lotada de gente em busca de ajuda. Isso por volta de 1910; um período em que o interior do Brasil não tinha quase médicos e nem hospitais e o atendimento de saúde era feito por quem entendia de ervas e rezas.
Como a procura era maior que a capacidade de atendimento da mãe da Vó Chica, muitas pessoas tinham que dormir na rua ou voltar em outro dia. Escondida da mãe a então jovem e curiosa Francisca passou a “brincar” de benzer as últimas pessoas da fila, especialmente se fossem crianças.
E logo passaram a notar que quem ela benzia não voltava, e a razão era simples: estavam curadas.
Além de trazer ao mundo centenas de filhos dos outros, ela própria teve doze crianças e dezenas de netos.
Recentemente o fotógrafo, produtor audiovisual e documentarista Henrique Santian lançou o média-metragem “A Fé de Francisca”, uma narrativa híbrida (entrevista e documentário) sobre a vida e os talentos de Vó Chica.
Tendo acompanhado Vó Chica nos últimos anos, o documentário é o coroamento do respeito e amizade entre ambos, além de homenagear a benzedeira mais experiente do Brasil, alguém extremamente lúcida em seus 107 anos. Nas imagens a veremos creditada com 104, mas devemos lembrar que Henrique a grava há alguns anos.
“A Fé de Francisca” foi possível porque Henrique foi contemplado por editais de cultura do estado do Mato Grosso, região onde reside e atuou a Vó Chica. É possível que em breve o documentário esteja disponível em canais como streamings e o YouTube. Por enquanto, fiquem com o teaser produzido pelo Henrique.