Estudantes brasileiros dialogarão com o Papa Francisco sobre as causas do deslocamento forçado de pessoas

Banner de divulgação do encontro "Construindo Pontes: um encontro sinodal entre o Papa Francisco e estudantes universitários".

Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 22 Fevereiro 2022

 

O Papa Francisco demonstra desde os seus primeiros atos estar sensível aos mais graves e insidiosos problemas econômicos e políticos da contemporaneidade. A cada gesto, Francisco compõe a sinfonia do seu pontificado. Em julho de 2013, para fazer sua primeira viagem como papa, escolheu a ilha de Lampedusa, no Mar Mediterrâneo, território de passagem e de chegada para os migrantes que fogem das realidades de violência, escravidão e guerra da África e Oriente Médio, acolhendo e escutando o clamor de centenas de refugiados. Hoje, faz da Igreja Católica a maior assembleia transnacional do mundo com seu projeto sinodal, indo até ao limite, escutando todos. Na quinta-feira, dia 24 de fevereiro de 2022, será a vez de Francisco escutar as denúncias e anúncios de jovens estudantes das Américas, que provocados contra a globalização da indiferença, procuram construir projetos de resistência às populações violentadas.

 

 

O evento “Construindo Pontes: um encontro sinodal entre o Papa Francisco e estudantes universitários” está sendo organizado pela Loyola Chicago University com colaboração da Comissão Pontifícia para a América Latina, e contará com a presença de 126 estudantes de todo continente americano; destes, oito representarão universidades brasileiras. O encontro ocorrerá às 15h, horário de Brasil, do dia 24 de fevereiro no formato virtual, com transmissão pelo Youtube, com tradução simultânea para o português.

 

 

Os estudantes foram divididos em grupos regionais, sendo EUA e Canadá, México e América Central, América do Sul e Brasil, e provocados, a partir de suas pesquisas, a exporem as causas e os dados da realidade migratória dos seus locais. Os estudantes colaborarão com o atual processo sinodal, apresentando propostas para o engajamento das comunidades e universidades de todo o continente americano para combater as realidades de sofrimento que forçam milhões a deixarem suas terras. Ao final da suas falas, ainda poderão fazer questionamentos ao Papa Francisco.

 

Nesta quinta-feira, 24, os grupos apresentarão as primeiras ideias ao Papa Francisco e depois seguirão em diálogo conjunto, transnacional e sinodalmente, ou “construindo pontes”, para a implementação Norte e Sul de um mundo mais inclusivo, onde todos possam viver onde quiserem. Junto ao Papa Francisco e aos estudantes, estarão o cardeal Blase Cupich, de Chicago, e a Profa. Dra. Emilce Cuda apresentando a construção do encontro.

 

Projetos concretos

 

A Iniciativa Construindo Pontes propõe efetivar de modo transdisciplinar a construção de soluções locais desde um pensamento global das desigualdades e violências estruturais das sociedades. Os projetos em construção pelos jovens partem desde comitês de engajamento de uma cultura política cristã de não-violência, ao desenvolvimento de máquinas locais para o desenvolvimento ecossustentável de suas regiões mais afetadas pela espoliação de recursos naturais.

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A Profa. Dra. Emilce Cuda ressaltou nos primeiros encontros preparatórios que a América Latina sofre com a concentração de riqueza de elites locais e internacionais sobre os territórios e seus recursos, gerando empobrecimento dos ecossistemas, o que inclui suas populações. A falta de perspectiva em território de pobreza é um dos principais fatores destacados pelos jovens para o deslocamento em massa, tanto internacional quanto interno nos países.

Para Jerfferson Amorim, um dos brasileiros que participa do encontro com Francisco, a iniciativa tem relevância especial por se propor “a ir às raízes das dinâmicas sociais, econômicas e políticas que afetam nossos países obrigando a que as pessoas migrem. O Papa dará aos estudantes universitários a oportunidade para que projetemos nossas vozes e denunciemos as situações de injustiça, desigualdade, economia predatória e pobreza que afetam nosso continente”. 

A denúncia do Papa Francisco ao “dogma de fé neoliberal”, na sua Carta Encíclica Fratelli Tutti, motiva também os estudantes a combaterem um modelo de economia, política e ciência que pensa exclusivamente no mercado desde os projetos iniciados nas universidades. “Com a economia neoliberal que se fortalece cada vez mais, nossa educação torna-se também um produto, e esse espaço aberto pelo papa é como uma virada de chave para compreendermos que temos muitas ferramentas, inclusive intelectuais, para cooperar nas mudanças que queremos para nossas cidades, estados, país e no mundo inteiro”, afirma Priscila Gonçalves, doutoranda em Ciência da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo.

 

O caso do Brasil

 

O Brasil é um país de dimensões continentais, mas que tem desde sua gênese, em múltiplos fatores, o deslocamento de pessoas no âmbito interno e externo. Longe de ser apenas um fator histórico, o deslocamento interno no Brasil ainda é uma realidade da qual 7,7 milhões de pessoas passaram apenas no século XXI. A migração para outros países também cresce anualmente no país, desde pessoas forçadas a migrar em esquemas ilegais de tráfico de pessoas, quanto de pessoas com alto grau de instrução em busca de oportunidades, a chamada fuga de cérebros.

 

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No entanto, os estudantes brasileiros consideram as diferentes realidades locais e os diferentes tipos de migração. Desafiados a pensar em uma solução que envolva de forma harmônica as diferentes instituições de ensino, sociais e eclesiais para concretizar políticas públicas a fim de apresentar oportunidades para o desenvolvimento dos ecossistemas locais, os jovens propõem a criação de “Centros de Permanência” atrelados às universidades para o apoio científico e socioeconômico na elaboração de projetos de desenvolvimento sustentável e economia solidária ao mesmo tempo que atuam como assessoria para a efetivação plena dos direitos dos sujeitos mais vulneráveis.

Essa proposta surgiu dos diálogos entre os estudantes de diferentes áreas da ciência e regiões do país, mas que veem em sintonia que o espírito sinodal pode inspirar ainda mais no seu desenvolvimento. Jerfferson destaca que “as reuniões semanais em preparação ao encontro fazem despertar o desejo de seguir caminhando juntos e resgatar entre nós do continente americano um sentido de união e irmandade. Quando dialogamos, os nossos horizontes se abrem, o coração aquece e podemos caminhar com esperança. A minha expectativa é: que o encontro seja o primeiro passo de um caminho que possa nos levar a construir pontes a partir do entrelaçamento de projetos concretos entre as universidades jesuítas e outras instituições; que ao discutir as causas radicais da migração no continente possamos, como Igreja, assumir a missão de uma evangelização centrada em uma autêntica promoção humana e na libertação integral das pessoas; que, como diz o Papa Francisco, possamos redescobrir a solidariedade não simplesmente como generosidade dos gestos individuais do dia a dia, mas como autêntica justiça social”.

Para Marina Pascual Pizoni, estudante de Teologia da FAJE, o encontro pode gerar muitos frutos. “Este evento, para mim, trata-se de uma expressão clara da sinodalidade que nós, toda a Igreja, somos convidados(as) a viver. É a oportunidade de sermos escutados(as), acolhidos(as) e de conhecermos as distintas perspectivas dos(as) jovens universitários(as) sobre as problemáticas mundiais, principalmente no que toca a temática da migração. Meu desejo é que o Santo Padre, além de nos ouvir, aponte-nos luzes para continuarmos caminhando, realizando nosso melhor papel enquanto estudantes e povo de Deus, sempre em busca de uma sociedade verdadeiramente solidária e atenta às urgências do mundo”, afirmou ao IHU.

Para Franciscon uma Igreja Sinodal dialoga abertamente com todos, por isso vale destacar a presença da pesquisadora Priscila Gonçalves, teóloga evangélica, oriunda da Igreja Batista. Para ela, é justamente esse envolvimento fraterno que deve fazer a diferença: “que sejamos motivados a usar nossas carreiras acadêmicas como verdadeiras pontes de conscientização, mobilização e mudanças sociais, a assumir as dificuldades uns dos outros, mesmo que não nos afetem diretamente. Mais do que pensar em problemas estruturais, fomos convidados a pensar soluções, e para isso é preciso envolvimento fraterno”.

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Entre os estudantes brasileiros que estarão no encontro, oito são de universidades jesuítas: a Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS é uma delas, com dois estudantes – Alex Ribolli, do PPG de Filosofia, e Wagner Fernandes de Azevedo, estudante de Ciência da Computação, mestrando em Ciência Política na UFRGS, graduado em Relações Internacionais pela UFSM e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos - IHU – e também da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJEPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP; além de Priscila da Universidade Metodista de São Paulo.

 

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