“E lá vamos nós”: a missão do novo telescópio espacial Webb

Telescópio Espacial James Webb (Foto: NASA/MSFC/David Higginbotham/Wikimedia Commons)

06 Janeiro 2022

 

A história do Telescópio Espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês) é uma história sem fim. A ideia dessa maravilhosa máquina de observação remonta a meados dos anos 1990. A intenção era a de criar um telescópio infravermelho que se somasse ao telescópio Hubble – já plenamente em operação depois da intervenção de correção da sua visão – e completasse as suas capacidades de observação.

 

O comentário é de Claudio Eliodoro, astrônomo pela Universidade de Bolonha, publicado em Settimana News, 04-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Ele se chamaria NGST (Next Generation Space Telescope) e teria um espelho de oito metros de largura. Porém, era um desafio tecnológico realmente extremo e terrivelmente arriscado colocar em órbita um monstro desse tamanho. Os planos iniciais previam que o novo telescópio espacial estaria em operação no início dos anos 2000, e esse fato já diz muito sobre a tortuosa história desse telescópio que, em 2002, foi dedicado a James E. Webb, o administrador da Nasa nos anos de preparação para o grande salto rumo à Lua.

 

Investimento enorme

 

Uma história complicada, feita de redimensionamentos do projeto, adiamentos e consequentes aumentos assustadores dos custos, que pouco a pouco subiram do meio bilhão de dólares previstos em 1997 para os mais de 9,5 bilhões finais.

 

A coração do projeto do JWST foi possível graças à estreita colaboração entre a Agência Espacial dos Estados Unidos (Nasa), a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Agência Espacial Canadense (CSA). Uma colaboração que contou com o trabalho no projeto de milhares de cientistas, engenheiros e técnicos de 14 países e 29 Estados dos Estados Unidos. Cada um deles deu a sua contribuição para projetar, construir, testar, integrar, lançar e fazer o JWST funcionar. É impossível listar neste artigo as universidades, os institutos e as empresas que colaboraram ou financiaram o projeto (quem quiser percorrer essa lista pode encontrá-la nesta página).

 

Nessa colaboração, a Europa desempenha um papel decisivo, tanto em termos da instrumentação científica (o espectrógrafo NIRSpec e 50% do instrumento MIRI), quanto em termos do lançamento do telescópio, utilizando o espaçoporto europeu de Kourou, na Guiana Francesa, e o poderoso vetor Ariane 5. A colaboração não só prevê que os cientistas europeus estejam representados em todos os órgãos consultivos do projeto, mas também que tenham acesso adequado à utilização do JWST. Em troca das contribuições europeias, os astrônomos dos Estados membros da ESA têm acesso a pelo menos 15% do tempo de observação do telescópio.

 

Uma máquina incrível

 

Já que ouvimos com frequência sobre o JWST como um substituto para o telescópio espacial Hubble, acho que é oportuno começar justamente pelas enormes diferenças que os separam.

 

Comparação entre os telescópios Hubble e Webb (Foto: Scienza in Rete)

 

Em primeiro lugar, são diferentes as características da radiação que eles coletam: enquanto o Hubble observa principalmente em comprimentos de onda ópticos e ultravioleta, embora também tenha a capacidade de observar no infravermelho próximo, o Webb observará exclusivamente no infravermelho.

 

Isso, combinado com o tamanho maior do espelho principal e a alta sensibilidade da instrumentação, permitirá que ele nos mostre um universo ainda mais jovem do que o que o Hubble está mostrando.

 

Sem dúvida, o ponto forte de maior destaque do JWST é o espelho, uma estrutura com um diâmetro total de 6,5 metros composta por 18 painéis hexagonais. Cada painel, feito com berílio e recoberto por uma finíssima camada de ouro que garante uma extrema refletividade, pesa cerca de 20 quilos. A esse peso, porém, devemos somar o dos seis atuadores que, fixados na parte traseira de cada painel, garantem o seu perfeito alinhamento com todos os demais, uma condição indispensável para que a focalização seja ótima.

 

Um problema de engenharia realmente complexo, se pensarmos que a precisão necessária para o alinhamento de cada espelho é de 1/10.000 da espessura de um fio de cabelo humano. A precisão no alinhamento dos 18 segmentos os leva a trabalhar como uma superfície única de cerca de 26 metros quadrados, cerca de seis vezes maior do que a que o Hubble dispõe.

 

Se, por um lado, a escolha de um espelho segmentado apresenta os problemas de colimação que acabamos de ilustrar, por outro oferece a possibilidade de poder conter a estrutura no compartimento de carga de um vetor espacial. Quando o telescópio foi lançado, os três painéis laterais da esquerda e da direita foram dobrados, e somente uma dezena de dias após o lançamento é que eles serão colocados na posição correta. Só então é que se poderá começar a trabalhar mais precisamente na configuração e na regulação do espelho.

 

Para poder observar no infravermelho, ou seja, coletar aquela radiação que podemos associar à radiação térmica, é indispensável que a estrutura e os instrumentos de coleta tenham a temperatura mais baixa possível. Além disso, somente uma temperatura constante é capaz de evitar expansões e contrações dos materiais que, embora minúsculas, poderiam comprometer o delicado alinhamento das óticas. Isso significa que o JWST deve ser protegido de forma estável e eficaz de todas as fontes de radiação externa, principalmente a solar. Trata-se de uma tarefa delicada e fundamental, de cujo sucesso depende o funcionamento ideal do telescópio.

 

Quem dá a proteção certa é o escudo fornecido ao JWST. Grande como uma quadra de tênis, essa estrutura é composta por cinco finas camadas de Kapton E, uma película plástica desenvolvida pela DuPont, capaz de se manter estável dentro de uma ampla faixa de temperaturas. Cada camada também é revestida com alumínio, e a parte voltada para o Sol das duas mais externas também é revestida com silício especialmente tratado para refletir o calor no espaço. No momento do lançamento, essa instalação também foi empacotada e será desdobrada e levada para a posição correta durante a primeira semana de voo do JWST.

 

Uma última grande diferença em comparação com o Hubble é o destino final do Webb, colocado a um milhão e meio de quilômetros da Terra, destino que ele alcançará cerca de um mês após o lançamento. Ao contrário do Hubble, o JWST não orbitará ao redor do nosso planeta, mas pairará em torno do chamado segundo ponto de Lagrange, um dos cinco pontos notáveis na interação gravitacional entre três corpos calculados em 1772 pelo matemático italiano Joseph-Louis Lagrange.

 

Ao contrário do que ocorreu várias vezes com o telescópio Hubble, essa posição torna qualquer missão de manutenção impraticável para o JWST. As manobras necessárias para manter corretamente a órbita em L2 exigem que o JWST use combustível, e precisamente o consumo do combustível determinará a duração da vida operacional do telescópio. No projeto, levanta-se a hipótese de uma duração da missão não inferior a cinco anos e meio, mas o objetivo é o de alcançar (e ultrapassar) os 10 anos.

 

O papel da Itália

 

É notável e altamente qualificada a participação da Itália no projeto JWST. Querendo resumi-la com um árido dado quantitativo, basta destacar que, nas observações científicas selecionadas para o primeiro ano de atividades, as pesquisadoras e os pesquisadores italianos disporão de mais de 1.500 horas de tempo de observação.

 

Utilizando outro dado numérico para condensar a qualidade dessa participação, sublinhamos que, à frente de um terço das propostas observacionais do JWST, selecionadas em abril passado, estão pesquisadoras e pesquisadores de países membros da ESA e, entre eles, nove têm um Principal Investigator que trabalha na Itália. Sete deles estão vinculados ao INAF (Instituto Nacional de Astrofísica) e vão usar as potencialidades do novo telescópio para estudar os objetos atualmente mais misteriosos e problemáticos do universo.

 

Eles vão estudar as anãs marrons (objetos celestes no meio do caminho entre um planeta e uma estrela), o nascimento de estrelas em ambientes “extremos”, a origem dos poderosos jatos de matéria que são desencadeados durante a formação estelar, a formação das galáxias mais massivas do universo e a sua evolução, o papel que os buracos negros supermassivos desempenham na evolução de uma galáxia e a primeira geração de estrelas que se acenderam no cosmos.

 

São muito significativas as palavras com que Marco Tavani, presidente do INAF, comentou o histórico lançamento do JWST:

 

“O telescópio James Webb é o observatório espacial mais poderoso já construído, e estou extremamente feliz com o lançamento de hoje, um marco crucial aguardado com enorme trepidação por toda a comunidade astronômica mundial. Esse telescópio é fruto da colaboração entre a Nasa, a Agência Espacial Europeia e a canadense, um sinal de que os grandes projetos desse tipo requerem mais atores internacionais para serem realizados. O INAF está na vanguarda da exploração científica do Webb. Diversos grupos liderados por pesquisadoras e pesquisadores do INAF terão acesso aos dados do Webb já durante o primeiro ano de observações. Esperamos que o interesse na nossa comunidade aumente nos próximos anos e se concretize em estudos de grande importância, explorando também em paralelo os dados de outros telescópios terrestres e espaciais acessíveis a nós. Também temos hoje um motivo especial para estarmos orgulhosos na Itália. O grande espelho do Webb, o maior já lançado ao espaço, é composto por 18 segmentos hexagonais. Essa configuração de um grande telescópio com espelho segmentado foi concebida e utilizada pela primeira vez pelo astrônomo italiano Guido Horn d’Arturo há quase um século e hoje é aplicada em diversos telescópios. Sinal de como a tradição astronômica italiana, desde Galileu até aos nossos tempos, dá uma contribuição de inovação fundamental ao mundo inteiro para o estudo do nosso universo.”

 

Para dar ainda mais a medida do papel da Itália na ciência que será alimentada pelos dados do JWST, acrescentamos que, além dos sete programas com Principal Investigator do INAF mencionados acima, o Instituto Nacional de Astrofísica vê o envolvimento de vários dos seus pesquisadores em mais de 40 programas. Entre eles, figuram também quatro dos sete programas chamados “large”, aos quais foram concedidos entre 100 e 200 horas de observação cada um, para estudar galáxias próximas, distantes e muito distantes, e compreender a sua evolução ao longo das eras cósmicas. Uma presença na linha de frente, massiva e altamente qualificada, que certamente dará os seus frutos.

 

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