“Cisma suave”: bispos dos EUA estão em posição perigosa ao recusarem a Comunhão

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17 Mai 2021

 

Os esforços de alguns membros da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos (USCCB, na sigla em inglês) para traçar uma política nacional de recusa da Comunhão a políticos que apoiam o aborto são “impulsionados pela lealdade partidária” e levaram a USCCB a uma “situação muito perigosa”, alerta o teólogo e professor Massimo Faggioli.

A reportagem é de Sarah Mac Donald, publicada por The Tablet, 14-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Em uma apresentação online para a Associação de Padres Católicos da Irlanda, intitulada “A luta pela hegemonia do e dentro do catolicismo dos Estados Unidos”, o professor de Teologia e Estudos Religiosos da Villanova University disse que a proposta em torno da Comunhão deixou claro que o episcopado dos Estados Unidos está “nas mãos de um punhado de extremistas que não sabem ou não se importam com o que dizem o Direito Canônico ou a eclesiologia, e seguem uma política partidária”.

Embora essa questão tenha se concentrado diretamente no aborto, ela foi indicativa, de modo mais geral, de que a Igreja Católica nos Estados Unidos se tornou uma Igreja bipartidária, seguindo as linhas políticas.

“A lealdade partidária tornou-se a força motriz. É muito mais forte do que qualquer sentimento de pertença à única Igreja Católica. São a ideologia e a política que impulsionam literalmente tudo. Elas penetraram nas mentes estadunidenses e realmente envenenaram o catolicismo estadunidense”, lamentou o teólogo.

No entanto, ele também criticou a plataforma dos democratas sobre o aborto, por “dar muitas oportunidades para alguns bispos desferirem golpes baixos”.

Ele também observou que, no Direito Canônico, na eclesiologia e na tradição da Igreja, não cabe à Conferência dos Bispos dos Estados Unidos decidir sobre a admissão de um membro da Igreja à Comunhão ou não, e “menos ainda a um bispo que está do outro lado do país”. Em vez disso, é uma questão que cabe ao bispo ordinário onde um católico em particular vai à missa.

Reação da Doutrina da Fé

Em resposta a alguns bispos dos Estados Unidos, nomeadamente ao apelo do arcebispo Salvatore Cordileone, de San Francisco, para que se negue a Comunhão ao presidente Joe Biden e a outras autoridades católicas eleitas, como Nancy Pelosi, devido à sua posição sobre o aborto, a Congregação para a Doutrina da Fé emitiu uma carta no dia 7 de maio, na qual o prefeito da Congregação, o cardeal Luis Ladaria, disse que qualquer medida política desse tipo requer um diálogo primeiro entre os próprios bispos e depois entre os bispos e os políticos católicos que apoiam o aborto.

De acordo com o professor Faggioli, as declarações feitas pelo arcebispo Cordileone e as mensagens de outros bispos conservadores dos Estados Unidos sobre essa questão foram dirigidas mais aos seus irmãos bispos mais reticentes nos Estados Unidos do que contra qualquer político em particular.

Ele também observou outras recentes “tentativas fracassadas” de lidar com essa questão de modo central, por parte de alguns membros da USCCB, e a revelação de um grupo de trabalho secreto de 10 membros em novembro passado, que se reuniu para propor um documento delineando a visão da Igreja sobre a Eucaristia. O grupo foi posteriormente dissolvido, após uma discussão dentro da hierarquia dos Estados Unidos sobre as suas propostas.

“Aqueles que estão fazendo essas declarações são aqueles que, durante quatro anos de Donald Trump, acharam que estava tudo bem. O que está acontecendo agora é uma fusão entre uma crise eclesial e uma crise política.”

Ele disse que é “chocante” que essas declarações sejam feitas “em total desprezo pelo que diz a lei da Igreja ou o que diz a tradição da Igreja. A política é mais forte do que a teologia, e isso é algo que não é normal, na minha opinião”.

Rastreando as origens dos males do catolicismo dos Estados Unidos, ele disse que parte da crise começou há oito anos, com a eleição do Papa Francisco, quando algumas pessoas proeminentes dentro do catolicismo estadunidense deixaram claro que tinham “profundos problemas de compatibilidade entre a visão do Papa Francisco e a visão da maioria dos bispos estadunidenses”.

Isso foi muito antes de o Papa Francisco dizer qualquer coisa sobre questões como as pessoas LGBT. Os prelados conservadores já se opunham a ele porque “ele falava dos pobres. Ele falava dos países pobres. Ele falava de misericórdia e era um jesuíta da América Latina”.

Teologia da prosperidade

Embora a divisão dentro do catolicismo dos Estados Unidos entre esquerda e direita se origine nos anos 1970 e 1980 em torno de questões da vida e do aborto, disse Faggioli, ela se tornou um escudo ou uma cortina de fumaça nos últimos anos para “esconder uma perversão teológica” que é a “prostituição do Evangelho à chamada teologia da prosperidade, que é muito evidente em algumas Igrejas pentecostais e carismáticas, e que se infiltrou no catolicismo”.

Em alguns bairros católicos nos Estados Unidos, “uma mentalidade da teologia da prosperidade” vê a cruz de Cristo e o dólar americano unidos intimamente, destacou ele.

O professor Faggioli sugeriu que a mudança dentro do catolicismo para essa mentalidade da teologia da prosperidade foi uma traição às raízes do catolicismo estadunidense, construído por imigrantes pobres. A Igreja nos Estados Unidos tem sido tradicionalmente uma defensora dos imigrantes e dos pobres, e solidária com seus membros pobres.

“O que aconteceu nestes últimos anos é que essa Igreja enviou sinais ao seu povo de que a posição de classe padrão para os católicos neste país é a classe média ou rica. Essa é uma virada incrivelmente contra-histórica para essa Igreja.”

“Nesta Igreja agora, se você quiser ter uma voz, você precisa ter dinheiro e conexões. É por isso que esta Igreja não está realmente falando de sinodalidade ou de um sínodo nacional, porque a sinodalidade significa nivelar o campo de jogo, e o fato de ter uma voz não depende da sua conta bancária, das suas conexões ou do seu currículo. É por isso que ainda não estamos falando de sinodalidade neste país, porque isso sacudiria fortemente o barco desta Igreja.”

“Cisma suave”

O acadêmico italiano usou o termo “cisma suave” para descrever o que está acontecendo no catolicismo dos Estados Unidos. “Não é um cisma como na Idade Média, onde havia dois papas, e eu não acredito que chegará a esse ponto. Mas, claramente, é uma situação de falta de comunhão formal. É uma crise de comunhão que ficou muito clara na relação que alguns bispos dos Estados Unidos muito proeminentes têm com o Papa Francisco.”

Recordando os esforços do arcebispo Carlo Maria Viganò em agosto de 2018, durante a visita papal à Irlanda, para “destituir” o Papa Francisco com falsas acusações, o professor Faggioli observou que 25 bispos estadunidenses apoiaram o ex-núncio. Ele admitiu que, durante aqueles dias após a publicação da carta de 7.000 palavras de Viganò, ele não conseguia dormir. “Eu ia para a cama à noite sem saber se teríamos uma Igreja pela manhã.” Ele sugeriu que foi a “Crise dos Mísseis Cubanos” da Igreja Católica, no sentido de que “chegou perto de um colapso total”.

Quase três anos depois do desastre, ele notou que Viganò se vendeu a Donald Trump. As suas últimas declarações sobre a pandemia ou sobre a conspiração contra o cristianismo foram a aparição de um homem em “uma situação psicológica muito difícil”. Mas o que preocupa Faggioli é a audiência que Viganò tem entre alguns cardeais, bispos, padres e teólogos ou blogueiros.

“Não se trata dele, mas de todo o coro que ele conseguiu reunir à sua volta. Viganò abraçou algumas teorias sobre o Vaticano II que são claramente contra a fé católica, contra o ensino papal, mas tudo é aceito nesses ambientes.”

Ele também observou que, embora o Papa Francisco tenha nomeado ou promovido uma série de bispos nos Estados Unidos, nenhum dos indicados por Francisco foi eleito até agora para uma posição de liderança em alguma comissão da USCCB. “Quando a USCCB vota para eleger o presidente de uma comissão episcopal, a maioria conservadora sempre vence.”

“Se você precisa de dinheiro para um projeto católico, é muito mais fácil encontrar dinheiro para um projeto tradicionalista ou ultraconservador neste país do que para causas progressistas ou liberais que não têm um rótulo politicamente conservador anexado.”

Ele destacou o fluxo de dinheiro de grandes doadores católicos para empresas conservadoras de mídia católica, que têm “um enorme papel na formação da narrativa tanto sobre questões políticas, quanto sobre questões eclesiais, na educação católica, nas escolas católicas, nos institutos ou universidades católicos criados nos últimos anos. Eles foram financiados com um dinheiro que tem vínculos muito claros.”

 

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