15 Abril 2021
Sonia Guajajara lidou inteligentemente com uma saia justa daquelas bem embaraçosas, que só um governo como o de Jair pode criar. Dentro das circunstâncias, saiu-se muito bem.
Convidada a um diálogo sobre a Amazônia e a mudança climática aberto pelo embaixador dos EUA Todd Chapman, sendo ela a representante da APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, entidade reconhecida pelos povos indígenas, Sonia se deu conta de que o governo Bolsonaro havia também levado os "seus" índios, escolhidos a dedo entre indivíduos sem representatividade ligados ao garimpo.
Sonia impôs a condição de também ir acompanhada de outras lideranças, falou bem na reunião e conversou com o jornalista certo na hora certa. E saiu uma boa matéria, em que pelo menos fica claro quem é quem.
O desejo do governo Biden é assinar algum acordão climático que possa apresentar ao mundo, o desejo do governo Jair é sair dessa condição de pária em que se meteu, posto que a água bateu na bunda, e o desejo das lideranças indígenas é, como sempre, defender a floresta, garantir suas demarcações, preservar a vida e barrar projetos ecocidas como o garimpo na Amazônia.
Copio abaixo a matéria de Daniel Biasetto, que ficou boa.
*****
Às vésperas de cúpula do clima, governo Biden inicia diálogo com indígenas brasileiros
RIO - A pedido do presidente Joe Biden, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, se reuniu nesta segunda-feira com integrantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) depois que a entidade solicitou, no mês passado, a abertura de um "canal direto" de comunicação com os EUA sobre assuntos ligados à Amazônia brasileira. A conversa acontece às vésperas da cúpula sobre o clima organizada pelo governo americano, que será realizada de modo virtual entre os dias 22 e 23 de abril. O presidente Jair Bolsonaro foi convidado e vai participar.
O encontro, marcado a princípio apenas com a Apib, acabou contando com presença de indígenas ligados ao agronegócio e atividades garimpeiras e mineradoras, indicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), o que gerou certo desconforto na reunião agendada apenas para discutir medidas de proteção ao meio ambiente e preservação das florestas, apurou O GLOBO.
Chapman iniciou a conversa toda ela em português dizendo que os Estados Unidos têm grande preocupação com a questão climática e ressaltou a importância da preservação das florestas nesse contexto. E que estava ali para ouvir as demandas dos indígenas sobre a questão. Além de Chapman, Jonathan Pershing, que serviu como enviado especial do Departamento de Estado para mudanças climáticas no governo Obama, e agora assessora John Kerry no posto, esteve na reunião que durou 1h30.
- Foi um forma conversa formal e bem protocolar, mas como o próprio embaixador disse esse é o primeiro de muitos diálogos que virão - afirma Sonia Guajajara, que participou do encontro como coordenadora executiva da Apib.
Metas ambientais
Em março, a Apib enviou uma carta a Biden e ao seu Enviado Especial Climático, John Kerry, onde pediu um "canal direto" de comunicação com o governo dos EUA. Entre outras demandas, o documento listava uma série de ameaças enfrentadas pelos indígenas durante o governo Bolsonaro como o aumento no desmatamento e o apoio a projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas, além do enfraquecimento de órgãos de fiscalização ambiental.
E questionava até que ponto o governo brasileiro iria se comprometer com as metas ambientais cobradas de Bolsonaro por Biden em carta enviada ao presidente em fevereiro.
Na reunião de ontem com Champan, a Apib voltou a reafirmar os pedidos de retomada da demarcação de terra indígenas, do fortalecimento de mecanismos de rastreabilidade e transparência para a venda/compra de commodities brasileiras, proibindo a aquisição de produtos derivados de áreas de conflitos, de terras indígenas, de áreas de desmatamento e que faça uso da exploração do trabalho escravo.
No documento ao qual O GLOBO teve acesso, a entidade pede ainda a retomada do Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia e que o governo brasileiro reafirme as Promessas de Clima feitas à ONU para acabar com o desmatamento e aumento de ambição na redução de emissão de gases de efeito estufa. Ao fim do documento enviado à Embaixada dos EUA, a Apib pede ajuda para o país obter recursos para projetos de reflorestamento e restauração da Floresta Amazônica, Cerrado, Mata Atlântica e outros biomas brasileiros.
"É fundamental que o presidente Joe Biden estabeleça um diálogo junto ao Governo Brasileiro com bases na garantia da preservação da vida e da biodiversidade do planeta em contraponto ao fortalecimento de políticas anti-indígenas", diz documento.
O GLOBO apurou que uma nova reunião entre o governo americano e os indígenas deve ocorrer em duas semanas, mas que somente questões ligadas à preservação do meio ambiente serão analisadas, nada além disso será considerado.
Procurada, a Funai ainda não se manifestou.
Vergonha, revolta, tristeza. Ainda viveremos para assistir um genocida no banco dos réus (em Tribunal Internacional, como Pinochet) porque no Brasil é clara a cumplicidade do Legislativo e Judiciário (sobretudo em suas instâncias administrativas máximas como no caso do presidente do Senado, da Câmara, do STF) com a política de terror instalada por um ente pervertido, com apoio das Forças Armadas. Ou o contrário: ele parece mandar, mas quem manda e é a fonte do atentado à vida é o comando das forças, com seus subordinados. Ah, não esqueçamos os "empresários"e "jornalistas"a soldo do morticínio. Roberto Romano
Por que o Brasil é hoje o pior país do mundo na pandemia?
Se fosse uma princesa europeia, loira e de olhos claros, o mundo inteiro seria avisado pela imprensa. Como não é..
Repostando o óbvio!
Os dois são sacerdotes católicos.
Os dois se consideram seguidores de Cristo.
O dois possuem práticas e entendimento diametralmente opostos, de como serem discípulos do ressuscitado.
"Os mitos modernos são ainda menos compreendidos do que os antigos, embora sejamos devorados pelos mitos"(Balzac, A solteirona). Segundo Etiemble (Le mythe de Rimbaud) "não existe mito que não responda à alguma necessidade visceral, à alguma imagem elementar, comuns uma e outra à maioria dos seres humanos".
E segue Malinowski : "o mito intervém quando um rito, uma cerimônia ou regra social ou moral exige uma justificação, uma garantia de antiguidade, de realidade, de santidade". O mito é "um subproduto constante de uma fé viva que pede milagres, é um estado sociológico que requer precedentes e um código moral necessitado de sanção". (Hábitos e costumes dos Melanésios, 1933).
Digo eu : quando os ritos e a confiança na assim chamada democracia exigem garantias e as instituições balançam, chegam os mitos veiculados pelos milagreiros. É assim que muitos alemães, sem demasiada confiança na democracia, elegeram seu mito. É assim que muitos brasileiros, sem confiança no Estado de direito, elegeram seu mito. Bom Honoré de Balzac, conservador mas lúcido: os mitos nos devoram. No prato mitológico 350 mil corpos servem para alimentar demônios. Deuses ou diabos têm sede de sangue. Anatole France, nossa triste Cassandra. Roberto Romano
Em razão da recuperação de Mauro Lopes, o debate do filme Melancolia, previsto para hoje, teve que ser adiado. A nova data está ainda sendo programada.
Uma revista se chamar Piauí constitui, em si, algo cínico. A partir do próprio nome mesmo, por levar o nome (eu consigo ver os risinhos) de um estado que nela não estará contemplado.
O fato de essa revista ser mantida por banqueiros bilionários (eles são donos do Itaú), a pautarem nossa elite cultural tão complacente com o poder econômico, duplica esse cinismo.
Dar espaço para um jornalista cínica que, anos depois, quer glamourizar a notícia cínica do Caetano estacionando no Leblon significa multiplicar o cinismo por dezenas de vezes.
Levarmos isso a sério, em plena pandemia, significa a naturalização do escárnio. É como se permitíssemos que os irmãos banqueiros debochassem das nossas caras. E ainda comemorássemos.
Tem muita gente séria neste país que nunca ganhará esse espaço. Jamais. A repórter é cínica, o editor é cínico e é tão triste perceber que nossa primeira reação não é a de deplorar esse deboche.
"A esperança é como o sal,
não alimenta, mas dá sabor ao pão."
José Saramago
Eu estava preso no Tiradentes quando ocorreu o fato. Assistimos na cela ao lado da nossa o drama se cumprir. Foi um trauma e mais um crime hediondo da ditadura. Não vou assistir uma outra vez, agora no cinema: os meus nervos estão à flor da pele. Quem tiver coragem veja, porque se trata de episódio triste do nosso passado/presente, quando um criminoso na presidência da república elogia Ustra, Sroessner, Pinochet e outros bandidos. Roberto Romano. Copiei para os não assinantes. RR
Documentário 'Os Arrependidos’ retrata guerrilheiros obrigados a se retratar
Ditadura militar brasileira transformou os arrependimentos em propaganda
Mariane Morisawa – O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 2021
1970, auge da repressão da ditadura militar no Brasil. Cinco militantes presos vão à televisão e aos jornais para declarar seu arrependimento de terem se envolvido com a luta armada. Pouco depois, Massafumi Yoshinaga se apresenta voluntariamente. A partir daí, entre 1970 e 1975, a ditadura transforma os chamados arrependimentos em propaganda, fazendo com que mais de 30 combatentes presos e torturados “confessem” seu remorso por pegar em armas contra o regime. A história, que ficou esquecida no tempo, é recuperada no documentário Os Arrependidos, dos jornalistas Armando Antenore e Ricardo Calil, apresentado nesta quinta, 15, às 21h, no Festival É Tudo Verdade.
Antenore primeiro tomou contato com a história dos arrependimentos num artigo de Persio Arida, publicado em 2011 na revista piauí. “Fiquei impressionado porque nunca tinha ouvido falar”, disse, em entrevista ao Estadão. Numa pesquisa na internet, viu uma entrevista antiga de Yoshinaga. Depois, topou com a dissertação de mestrado de Alessandra Gasparotto, editada como livro, O Terror Renegado.
Numa conversa com Ricardo Calil, jornalista, crítico de cinema e diretor de filmes como Uma Noite em 67 e Narciso em Férias, ambos em parceria com Renato Terra, os dois decidiram que dava um documentário. “Foi um filme muito difícil de fazer”, explica Calil ao Estadão.
Do primeiro grupo de cinco arrependidos, Antenore e Calil conseguiram entrevistar os três que estão vivos: Marcos Vinício Fernandes, Rômulo Romero Fontes e Marcos Alberto Martini. A família de Massafumi Yoshinaga, que morreu em circunstâncias trágicas em 1976, não participou. Da segunda parte de arrependidos, os diretores conversaram com Celso Lungaretti, Gustavo Guimarães Barbosa e com Graça Lago, viúva do militante Manuel Henrique Ferreira.
A recusa a falar sobre o tema, mais de 40 anos depois, explica por que foi deixado para trás na narrativa sobre aquele período. “É algo que envergonha, em certo sentido, todos os lados”, disse Antenore. É verdade que, à provável exceção de Yoshinaga, todos sofreram tortura, tanto os que se arrependeram voluntariamente como os que se arrependeram forçosamente. “Mas nenhum deles se orgulha propriamente desse gesto”, explicou Antenore. “Para a esquerda, não deixa de ser um fato vexaminoso porque seriam traidores, e a esquerda os tratou como tal, mas, ao mesmo tempo, são traidores que sofreram tortura. E, para a direita, nenhum interesse também em contar essa história até porque havia uma farsa. Os arrependimentos eram forjados, eram propaganda política falsa.”
Ricardo Calil acrescenta que existe um dado incômodo nesses personagens. “Eles são muito difíceis de classificar”, disse. “Como a gente vê essas pessoas? E como a gente vê a atitude delas? Como é possível encará-las sem condená-las como aconteceu nos anos 70, sem cancelá-las, que é um termo que a gente usa hoje? E cada caso de arrependimento é um caso diferente. É complexo demais, é espinhoso demais.” A abordagem dos dois sempre foi de não julgamento. “A gente tentou se colocar no lugar dessas pessoas muito jovens, numa situação muito difícil, sob pressão, presas, torturadas, e aí cada um encontra uma saída para si”, disse Antenore.
Os Arrependidos desfaz qualquer percepção monolítica sobre quem eram os militantes da luta contra a ditadura. As motivações para a entrada no movimento são muito diferentes. As origens sociais, também. “Cada um tem uma história pessoal, um destino posterior e foi afetado por aquele episódio de forma diferente”, afirma Calil. “O grupo que entrevistamos é uma amostragem dos caminhos e descaminhos de quem participou da luta armada dos anos 1970.”
Um dos poucos traços em comum é que todos eram muito jovens. Num dos depoimentos, Gustavo Guimarães Barbosa se lembra de sair na rua com a arma caindo pela calça. Outro é que ninguém se deu exatamente bem depois de “se arrepender”. No começo, os cineastas até pensaram que o processo poderia ser parecido com a delação premiada. “Mas eles não ganharam nada com isso”, disse Antenore. Todos continuaram presos, muitos foram até mais torturados. Quando saíram da prisão, carregavam a culpa ou a pecha de traidores. “Isso ficou marcado na vida deles e ouso dizer que, no caso de alguns, destruiu a própria vida – no caso do Massafumi, com certeza”, completa. Se há um vilão na história, para os diretores é a ditadura em si. “É por causa do regime autoritário que esses personagens vivem uma trajetória trágica”, diz Antenore.
Os dois acreditam que as discussões em torno de Os Arrependidos ganharam relevância com os pedidos cada vez mais frequentes de volta da ditadura e intervenção militar. Aquela época precisa ser debatida a sério. “Agora, a gente tem um presidente que defendeu um torturador no voto do impeachment. Mas o que era a tortura e o que era capaz de fazer? O filme fala disso”, disse Calil. “A gente está falando de um filme em que a propaganda política da ditadura, por meio desses arrependimentos, era baseada numa total mentira.” O filme escancara também os reflexos daquele período sombrio não só na vida particular dos arrependidos, mas também do País. Sem conhecer o passado, é impossível entender o presente.
Comecei a ler o livro do Bill Gates. Francamente, para quem - como eu - debate há anos a questão da justiça climática, de como a crise climática se liga à desigualdade, o início do livro fez com que Gates descesse ainda mais em meu conceito. A não ser que seja um sujeito muito ingênuo (o que é virtualmente impossível), trata-se de um demagogo e cínico. Usar imagens de estudantes nigerianos estudando à luz de velas para dizer que a humanidade precisa "gerar mais eletricidade para que os menos favorecidos prosperem" faria sentido vindo de um incauto. Mas Gates? Francamente.
Para se ter uma ideia do impacto da produção de bens de consumo de durabilidade precária, sujeitos à obsolescência programada, vou falar apenas da indústria do alumínio. São necessários cerca de 15 kWh de eletricidade por kg de alumínio produzido. O consumo médio nas residências brasileiras é de pouco mais de 150 kWh/mês, ou seja, produzir 10 kg de alumínio impõe a mesma demanda energética de abastecer 10 casas por um mês inteiro. Num país em que o consumo de energia para quase todos os fins é perdulário, como os EUA, só a indústria de alumínio consome 5% da eletricidade.
Ora, em 2019 foram produzidos 64 milhões de toneladas desse metal (ou 64 bilhões de quilogramas), o que a princípio teria demandado 960 bilhões de kWh. Tomando como base o consumo residencial médio brasileiro, é energia elétrica para abastecer anualmente 533 milhões de residências. Considerando 4 nigerianos por residência, uma simples redução de 10% na demanda global de eletricidade para indústria do alumínio (provavelmente conseguida facilmente por aumento de eficiência+melhoria na reciclagem+redução da demanda do próprio alumínio) seria suficiente para abastecer todo o país (de mais de 200 milhões de habitantes) com o padrão brasileiro médio (que está longe de ser indigno ou indecente).
Todo ser humano que queira poderá ter acesso à eletricidade, sem que isso implique aumento das emissões de CO2. Mas é preciso falar do consumo indecente dos muito ricos, da demanda insustentável da indústria de bens de consumo, etc. Teria mundo pra todo mundo, não fossem os donos do mundo. Sem saco para bilionários manipuladores, cínicos, autoindulgentes. Eat the rich.