18 Janeiro 2021
Todos os dias, a Ir. Susan François acessa o Twitter e faz uma breve oração pelo presidente Trump, marcando a conta @POTUS [conta oficial da presidência dos EUA], em vez da conta pessoal agora suspensa do Sr. Trump.
A reportagem é de Michael J. O’Loughlin, publicada por America, 15-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ela começou suas orações públicas três dias após a posse do presidente em 2017, tuitando que estava rezando pelo presidente e pelos Estados Unidos, e instando o Sr. Trump a cumprir a promessa de campanha de divulgar suas declarações de impostos (algumas orações, aparentemente, ficaram sem resposta).
Perfil da Ir. Susan François no Twitter. Seu nome de usuário é @susanfrancois
Ela se comprometeu a rezar publicamente todos os dias, e essa, segundo o que ela disse ao The New York Times em 2018, foi “a prática espiritual mais difícil com a qual já me comprometi”.
Com poucos dias restantes para o mandato do Sr. Trump, a Ir. François disse à revista America que ela cumpriu sua promessa de postar uma oração diária. Mesmo que elas tenham se tornado um pouco mais assertivas após o violento ataque ao Capitólio dos EUA por partidários do presidente.
“Foram quatro anos loucos”, disse ela. “E o modo como eles estão terminando talvez seja mais louco. Na realidade, isso apenas levantou o véu daquilo que estava por baixo de tudo.”
A Ir. François entrou nas Irmãs de São José da Paz em 2005. Hoje, ela atua na equipe de liderança da sua congregação.
Enquanto o Sr. Trump conclui seu mandato, como a oração diária mudou o seu olhar sobre o presidente desde aqueles primeiros dias?
Eu sempre rezei com as notícias como parte da minha prática pessoal de oração, mas eu não sei o quanto eu seria capaz de continuar assim, diante de como as notícias têm sido preocupantes em escala nacional, particularmente por causa das ações deste governo. Também foi muito transformador para mim, em termos de como eu reagia internamente ao presidente Trump e às políticas do seu governo. Quando você reza, você está em um relacionamento.
E eu tenho notado ao longo dos anos que sou cada vez mais capaz de reconhecer a sua humanidade e a fragilidade que está por trás de muitas das suas políticas. De alguma forma, isso me ajudou a não demonizar. O Papa Francisco diria que temos a globalização da indiferença de um lado, mas também temos esse movimento no sentido da desumanização. Portanto, a prática da oração pública com a qual eu me comprometi me ajudou a não responder ao medo com o medo, ou ao ódio com o ódio. Esse tem sido um processo formativo para mim. A segunda coisa que eu gostaria de dizer – pelas reações que eu recebi de várias pessoas que acompanham os tuítes – é que isso também serviu como um bom guia para eles e para outros, nesse sentido, também.
Para as pessoas que discordam das políticas do Sr. Trump ou que estão com raiva do seu incitamento à turba que atacou o Capitólio e que sentem que o Sr. Trump não merece as suas orações, que conselho você daria a partir da sua própria experiência?
No início, minhas orações se baseavam muito mais em fatos e políticas, nas quais eu não o estava tratando como uma pessoa. Eu passei por uma fase de transformação. Muitas vezes, quando eu realmente não consigo pensar em nada não violento para dizer, a minha oração ao @POTUS é: “Que você reconheça que é um filho amado de Deus, assim como todos os outros”. É a maior crise espiritual que estamos enfrentando agora. E, na raiz de grande parte dos problemas de origem humana que estamos enfrentando agora, está o fato de que muitas pessoas estão andando por aí, como disse Thomas Merton, sem saber que estão brilhando como o sol.
As pessoas não sabem que são amadas – eu realmente acredito nisso –, muito menos de que são capazes de acreditar que outras pessoas também o são. Cada vez mais, fico me perguntando se não é aí que precisa estar o foco do trabalho. Manter essa prática de não tuitar enquanto eu não tivesse algo não violento a dizer realmente me ajudou a entender alguém cujas ações – como trancar crianças em jaulas ou incitar uma insurreição –, que eu sei que são moralmente erradas, ainda é filho amado de Deus. E isso vale para todo o seu governo. E também para as pessoas que são prejudicadas por ele. Focar a minha oração nisso foi surpreendente e expandiu meu coração.
E quanto a alguns de seus tuítes mais recentes, que, apesar de serem enquadrados como orações, podem ser descritos talvez como tuítes de ira?
Eu tenho sido acusada disso de vez em quando. E tenho certeza de que, às vezes, talvez sejam um pouco passivo-agressivos. Eu diria isso. Isso só aconteceu quando, no meio da insurreição, eu enviei um segundo tuíte no qual cruzei essa linha intencionalmente. Antes disso, minha intenção sempre foi a de estar disposta a discordar, mas fazendo isso com respeito e confiando que Deus pode fazer qualquer coisa.
Eu não tenho uma oração transacional. Não foi como eu pensei, que, se eu rezasse por algo, Donald Trump mudaria. Tudo isso faz parte do mistério maior do universo e do coração de Deus. Mas, na quarta-feira, 6 de janeiro, enquanto eu testemunhava o que estava acontecendo, assim como todo mundo, eu não consegui mais ficar calada. Não acredito que aqueles tuítes sejam passivo-agressivos. Eu acredito que aqueles tuítes estão falando a verdade no amor.
Por isso, ainda estou rezando por ele como uma pessoa humana, como um filho amado de Deus, digno de dignidade e respeito. E, nesse ponto, sinto-me chamada a tratá-lo com dignidade e respeito sendo honesto. Acho que está muito claro que ele não deveria estar no cargo neste momento, porque ele não está cumprindo seu dever constitucional. Isso não é político. Ele poderia ser de qualquer partido. Se qualquer pessoa tivesse feito isso, ela teria cruzado a linha. Pelo menos 10 membros do seu próprio partido se deram conta disso [quando votaram pelo impeachment].
Dear @potus, you have now been #impeached a second time by a bipartisan vote including 10 members of your own party. Continuing to pray you come to understand your culpability for endangering human lives & #democracy. Praying for our democracy & that you do not more harm to it.
— Sister Susan Francois, CSJP (@susanfrancois) January 13, 2021
Alguma das respostas às suas orações diárias ficou gravada em você?
Uma mulher que me escreveu pouco depois da publicação da reportagem do The New York Times disse que havia ido se confessar. Para confessar, aparentemente, sua raiva pelo presidente e pelo modo como isso realmente estava tomando conta da sua capacidade de ser uma pessoa pacífica. Parte da sua penitência foi ler meus tuítes, me contatar e me perguntar como eu faço isso. Eu apenas disse a ela: “Na realidade, é mais ou menos como a sua mãe lhe ensinou: ‘Finja até conseguir’”. Eu oro até conseguir a única coisa que eu possa orar sinceramente em paz; e é por isso que muitas vezes se resume à amada pessoa de Deus.
O que você pensa dos apelos por cura na unidade sem um processo de responsabilização?
Sou irmã de São José da Paz, e o nosso carisma é promover a justiça social como caminho para a paz. Você não pode ter paz sem justiça. É uma e outra, não uma ou outra. Tenho visto algumas figuras católicas que estão sentindo algum arrependimento pelas ações que levaram a uma cultura católica que poderia ser sequestrada por aquilo que tem acontecido ultimamente. Mais recentemente, eu li uma postagem no blog de Mark Shea [disponível aqui, em inglês]. Todos nós temos que seguir nossas próprias consciências. E todos temos que tratar uns aos outros com respeito. Mas, onde há uma verdadeira necessidade de cura, primeiro há uma necessidade de contrição.
O que você acha da decisão do Twitter de expulsar o presidente da plataforma?
Eu acho que eles estão certos. Acho que isso vale para qualquer pessoa que viola seu código de conduta – que eles deixam bem claro quando você se inscreve –, que proíbe qualquer ação que cause ódio e violência. Não é uma questão de liberdade de expressão. O Twitter talvez deveria ter feito isso antes. Temos que usar nossos instrumentos com responsabilidade. Há muito espaço nas redes sociais para todos nós, para sermos melhores e mais agradáveis uns com os outros. Acho que todos nós precisamos ter um pouco de prudência no modo como usamos as nossas redes sociais.
Você planeja rezar diariamente pelo presidente Biden quando ele tomar posse nesta semana?
Eu decidi continuar rezando pelo presidente por meio de tuítes públicos. Porém, provavelmente será diferente. Estou ansiosa para ter um presidente do qual eu possa discordar em questões políticas substanciais, e não apenas sobre como tratamos outros seres humanos. Quando eu era jovem irmã, uma das nossas coirmãs mais velhas sempre rezava pelo presidente e pelo Congresso durante a oração da manhã. Eu realmente acho que é importante rezar pelos nossos líderes. Portanto, pretendo tuitar pelo presidente Biden a partir do meio-dia de 20 de janeiro.
Quais você acha que serão as suas primeiras orações pelo Sr. Biden?
Provavelmente semelhantes a algumas das minhas primeiras orações pelo presidente Trump, que eram apenas para que ele pudesse estar aberto à graça do cargo. Estou na liderança eleita da minha própria congregação. Eu sei que a graça do cargo é algo real. Mas a pessoa nessa função deve estar aberta a isso. Acho que eu rezaria para que ele tivesse essa abertura para a graça de ser presidente.