01 Setembro 2020
Nunca tinha eu ouvido falar de Joey Velasco até visitar o seu museu de arte na cidade de Marikina, nas Filipinas.
Depois de ir a uma exposição de presépios natalinos, percebi que havia um outro museu bem em frente. Era uma amostra de obras-primas com temas cristãos assinadas pelo falecido artista.
A reportagem é de Joseph Peter Calleja, publicada por UCA News, 31-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A exposição contava com uma pequena apresentação em vídeo para orientar os visitantes quanto ao que esperar ao verem as obras.
Eram representações modernas da realidade social filipina. Achava eu também que a arte retratava apenas o grande e o belo. Porém, os trabalhos de Velasco são diferentes. Eles mostram a luta de um país que lida com a pobreza, provocada principalmente por males estruturais como a corrupção.
Os meus sentidos foram abalados. Os meus padrões do que é belo foram desafiados. É bela uma obra artística se revela a situação sombria e hedionda de uma sociedade?
Uma das peças cativantes de Velasco é a versão moderna da Santa Ceia, de Leonardo da Vinci, chamada “Hapag ng Pag-asa” (Mesa da Esperança). O quadro retrata Jesus comendo não em companhia dos apóstolos, mas de um grupo de menores de rua num ambiente desagradável e delapidado. Os personagens nem sequer estão sentados a uma mesa, e sim sobre caixotes usados para remessas de carga.
Reprodução da obra de Velasco que retrata a "Santa Ceia"
As crianças são estranhas entre si. Uma delas segura uma bolsa roubada. Outra come na companhia de um gato. Uma menina e um menino sentam-se sobre um barril vazio na frente de Jesus. E uma outra come ao chão, talvez restos de alimentos recém tirados do lixo.
É o imaginário de Velasco, dos menores que conheceu nas ruas de Manila. Cada uma dessas figuras é a representação de uma criança real que Velasco ajudou em sua fundação.
“Esse retrato revela uma história de fome que ultrapassa aquela que um prato de comida pode satisfazer. Essas crianças estão famintas de amor, não somente de alimento material”, disse Velasco certa vez.
Cada uma dessas crianças tem uma história. Velasco escreveu relatos delas e de como elas inspiraram sua obra. Um desses relatos é sobre um menino de 11 anos chamado Itok que vivia entre gangues e criminosos. Políticos e os influentes as contratavam como capangas, e Itok acabou acorrentado pela mãe por ter se envolvido em um roubo.
Um outro menor chamado Emong vivia perto de uma represa para pegar peixes não próprios para o consumo humano, porém os cozinhava em vinagre e óleo de soja a fim de encher a barriga. A casa de sua família foi construída com carteiras de cigarro.
Enquanto isso, Onse foi vendida para uma prostituta. A madrasta fazia strip-tease para pôr comida à mesa.
Tinay era uma menininha de 5 anos que mordia o polegar e carregava consigo uma boneca velha e suja. Ficou órfã depois que os pais, viciados em drogas, a abandonaram na casa de parentes, os quais a deixaram nas ruas.
Michael era conhecido como o “chef de uma cozinha de lixo”. Ele vasculhava e comia alimentos jogados fora nos restaurantes de Manila. Ele esquentava ou cozinhava novamente o que achava para ter algo a dar aos irmãos.
Buknoy era um pedinte desnutrido que vivia nas ruas de Manila. Foi espancado pela mãe, e seu irmão derramou água fervente em seu rosto, o que o levou a fugir de casa.
Dodoy vivia debaixo de uma ponte num pequeno chiqueiro de aproximadamente um metro de altura.
Joyce foi violentada sexualmente quando tinha 14 anos. Teve um filho aos 15. O pai da criança foi detido por envolvimento com drogas ilegais, quando ela se viu forçada a criar sozinha o filho.
O menor que na representação come ao chão teve inspiração em um menino sudanês a partir de uma foto, vencedora do Prêmio Pulitzer de 1994, que retrata os efeitos da fome no Sudão.
Estas crianças foram os sujeitos de Velasco. O artista costumava dizer que havia duas coisas comuns em todos os seus sujeitos: a pobreza e o amor de Deus.
“Todos eles são pobres. Todos têm um histórico familiar triste, e é por isso que acabaram violentados e nas ruas. Mas todos são amados por Jesus. Jesus esteve com eles, apesar da pobreza”, diz o artista na apresentação em vídeo.
“Estes sujeitos confiam em Deus como um pai compassivo, de amor. Eles nada possuem. Vivem, realmente, uma existência precária. Porém sorriem e dizem: ‘Vivemos na misericórdia divina’. Esses pobres se agarram na verdade de que Deus nunca abandona, mesmo se ruírem os muros da terra. Eles começam e terminam com ‘Que Deus tenha misericórdia de nós’”.
Velasco morreu de câncer de rim em 2010, aos 43 anos. Sua obra continua a conscientizar as pessoas, mostrando o sofrimento de Cristo e da sociedade filipina via arte.
Sua viúva, Queeny, diz que, apesar da luta contra o câncer, Velasco continuou pintando e finalizou suas obras, oferecendo, desse modo, sua dor para a santificação das almas.
“Ele encontrou esperança e cura na expressão de sua fé através das pinturas”, diz ela.