Autor rejeita a escolha entre ‘etnonacionalismo’ e ‘cosmopolitanismo neoliberal’

Foto: Pixnio

14 Julho 2020

"É difícil não ver os eventos dos últimos meses e anos como uma aceleração de alguma espécie, destacando as contradições, como Mao diria. A pergunta é: quais contradições estão sendo destacadas, e onde os católicos devem se encontrar? Há contradições que estão sendo expostas [na pandemia] as quais valem perfeitamente para a Igreja. Então, sim, este momento é uma oportunidade especial para sermos um sinal de contradição, mas a contradição que oferecemos é a de Cristo, não a de algum grupo partidário ou ideológico", afirma o escritor Brandon McGinley.

"The Prodigal Church", de Brandon McGinley
Sophia Institute Press, 2020

 

 

Brandon McGinley é um escritor e palestrante católico de Pittsburgh, na Pensilvânia. Ele atuou na política por vários anos, incluindo na causa pró-vida e pró-família no Instituto Pennsylvania Family. Recentemente, trabalhou de editor de publicações do canal EWTN. Já escreveu para as publicações Washington Post, First Things, Catholic Herald, Plough, The Lamp, entre outras. McGinley conversou com Charles Camosy sobre o seu mais novo livro, The Prodigal Church: Restoring Catholic Tradition in an Age of Deception (A Igreja Pródiga: como restaurar a tradução católica em uma era de enganação).

A entrevista é de Charles C. Camosy, publicada por Crux, 11-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

 

 

 

 

Eis a entrevista.

 

“A Igreja Pródiga”, pelo menos para mim, soa um título ousado e provocativo para um autor católico usar, especialmente quando ele se põe a descrever a sua própria igreja. Sei que às vezes os autores não escolhem títulos dos seus livros. Nesse caso, você quem escolheu? Escreveu o livro para que fosse ousado e provocativo?

 

Este título surgiu como uma série de promoções dos times de futebol europeus. Usei a frase no capítulo 2, no contexto da dissipação (a partir da palavra na Vulgata empregada para descrever o comportamento do Filho Pródigo) de um patrimônio e, fundamentalmente, da possibilidade de reconciliação e restauração pela graça. Gostei da frase e a coloquei como um subtítulo. Então decidi que gostei o suficiente para suplantar o título do capítulo original (“New Normal [A nova normalidade]”). Em seguida, acrescentei-o a uma lista de propostas para suplantar o título do livro original (“Renewal 2015” [Renovação 2050]). 

Esta escolha foi um risco calculado, pois o livro que me propus a escrever (e o livro que, em última instância, escrevi) não era, primeiramente, para irritar alguém tampouco para ser retrógrado. Era, e é, uma obra cheia de calor humano, esperançosa e prospectiva. A minha intenção foi ser ousadamente esperançoso, não ousadamente crítico. A pergunta era: como um todo e para a maioria dos leitores, o título evocará o conceito específico de prodigalidade, ou a parábola do Filho Pródigo – que inclui reconciliação/restauração, o que para, mim, é a principal associação com a parábola? Ficamos com o segundo caso.

 

“A Igreja, evidentemente, é um fenômeno mundial que se estende por muitos séculos. Você tem um tempo e um local específicos em que o termo “pródigo” é particularmente adequado?

 

Os dois primeiros capítulos consideram os Estados Unidos de meados do século XX até hoje, com uma breve visão da história mais profunda. O que busco captar é até que ponto permitimos que nossa distinção católica – cultural, litúrgica, eclesial, política – se dissipasse no mundo ao nosso redor na medida em que alcançávamos a respeitabilidade predominante em uma sociedade historicamente anticatólica.

Penso ser fundamental adotar uma abordagem completa aqui, e não enfocar apenas alguns passatempos confortáveis (como a liturgia) ou culpar alguns poucos vilões (como o Vaticano II). As tentações que surgem com a respeitabilidade burguesa são, pelo menos, tão materiais quanto o são teológicas, como não querer falar de uma justiça social verdadeira por medo de afastar doadores ou outros membros de nossa nova classe social. O movimento que quero fazer, movimento que, a meu ver, é, no mínimo, um tanto quanto distinto, é dizer que, por exemplo, a liturgia moderna insípida conecta-se conceitualmente não com uma ênfase na justiça social, mas com o contrário – com o apego aos confortos e privilégios de respeitabilidade.

 

O Papa Bento XVI, e especialmente o Cardeal Ratzinger, contribui e muito para este seu livro. Pode falar um pouco do porquê ele é tão importante? E o que você acha das críticas, hoje já desgastadas dele, em querer uma Igreja menor e mais pura?

 

Ótima pergunta. Não pretendi escrever um livro ratzingeriano – sequer tenho familiaridade o suficiente com toda a sua obra para saber o que isso quer dizer. Mas também percebi que era quase inevitável escrever sobre ele: clérigo algum tem uma carreira, tanto eclesial quanto teológica, mais representativa da época sobre a qual eu estava escrevendo do que Bento XVI. (Além disso, ele era o papa quando eu voltei aos sacramentos na faculdade, então sempre sentirei uma certa piedade especial por ele.) 

Como digo na introdução, a glosa “menor e mais pura” não faz jus ao discurso do então Pe. Joseph Ratzinger, proferido em 1969, sobre o futuro da Igreja. Em primeiro lugar, ele não disse que desejava uma Igreja assim, mas que ela estava vindo, quer ele quisesse (ou quer nós quiséssemos) ou não. Em segundo lugar, Ratzinger não previu uma Igreja “mais pura”, mas uma Igreja “mais espiritual”, uma Igreja desprovida exatamente das armadilhas do privilégio e do respeito sobre as quais escrevo no livro. Aqui, acho que ele expressava uma esperança não muito grande de que isso poderia acontecer – em uma boa era e lidados por homens e mulheres santos, o privilégio e o respeito não são ruins para a Igreja –, mas que seria purificador quando ocorresse. Isto, entretanto, depende de nós – e, de fato, se estivermos convencidos de que nós e a nossa coorte somos os únicos fiéis remanescentes, veremos que estamos no caminho errado.

 

Você diz que as “palavras do Papa Francisco sobre a evangelização dos pobres da Amazônia se aplicam igualmente bem às necessidades contemporâneas dos EUA”. Pode falar mais sobre o que quer dizer com essa afirmação?

 

Um dos sintomas de um americanismo moderno na mentalidade católica é supor que somos tão importantes, poderosos e “avançados” em termos eclesiásticos e espirituais quanto o somos em termos políticos e econômicos. Antes de mais nada, em termos de história da Igreja, os Estados Unidos ainda são novatos e são uma espécie de remanso. Mais importante, porém, neste ponto de sua história é que os Estados Unidos formam, no mínimo, um território missionário pagão tanto quanto a vastidão selvagem da Amazônia encontra-se inexplorada. De fato, os nossos ídolos de riqueza, sexo e poder podem ser mais difíceis de serem desalojados do que as deidades indígenas, que, pelo menos, têm a vantagem de serem sobrenaturais. 

Cito Querida Amazônia no contexto do meu capítulo sobre a família como a “sociedade modelo”, a fim de enfatizar como o objetivo da família não é ser a sociedade americana em miniatura, mas demonstrar uma maneira mais bonita de viver juntos que deveria transformar a sociedade americana. Assim, embora uma certa quantidade de abrigo seja importante para a segurança e o crescimento espiritual e psicológico, a melhor imagem da família não é a de um bunker, voltado para dentro de si, mas para um acampamento voltado para fora. (Acabei de verificar e, no livro, digo barracas x comunidade de base, referindo-me aos estabelecimentos jesuítas do século XX na América Latina. É a mesma ideia.)

 

Felizmente, você acha que estamos vendo o fim da ordem secular, liberal, individualista. Acha que a pandemia, os protestos por justiça racial e os distúrbios anárquicos das últimas semanas aceleraram essa tendência? Aqueles que desejam viver a Igreja da forma descrita no livro enxergam o momento atual, de incerteza desestabilizadora, como uma oportunidade?

 

Por um lado, odeio esfregar as mãos quando penso em todas as oportunidades que surgem a partir deste caos que tem prejudicado seres humanos reais. Mas é difícil não ver os eventos dos últimos meses e anos como uma aceleração de alguma espécie, destacando as contradições, como Mao diria. A pergunta é: quais contradições estão sendo destacadas, e onde os católicos devem se encontrar? 

Se for apenas um partidarismo americano que ficou mais evidente, então não temos espaço. Se for um etnonacionalismo x cosmopolitismo neoliberal, então não temos espaço. Se for uma ordem injusta contra a desordem que reivindica o manto da justiça, então não temos espaço. Estes não são jogos que podemos vencer escolhendo um lado; nós apenas dissiparíamos ainda mais a nossa distinção e corromperíamos a nossa autoridade moral e espiritual. 

Mas, como digo na nota sobre a pandemia (que nos atingiu depois da redação do livro), há contradições que estão sendo expostas as quais valem perfeitamente para a Igreja: “Ela é solidez em um mundo instável, permanência em um mundo temporário, sanidade em um mundo louco”. A chave não é participar na – e acrescentar-se à – confusão e instabilidade, adotando uma facção ou outra pertencente a esta luta caótica, mas promover, sem medo, o amor, a verdade e a justiça, não importa qual venha a ser o custo. 

Isso começa com as pessoas, famílias e comunidades católicas demonstrando, aos que estão ao redor, que simplesmente existe um modo melhor de viver do que aquele que se nos oferece: mais estável, mais pacífico, mais alegre. Então, sim, este momento é uma oportunidade especial para sermos um sinal de contradição, mas a contradição que oferecemos é a de Cristo, não a de algum grupo partidário ou ideológico.

 

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