Já ultrapassamos o número de habitantes que o planeta suporta. E agora?

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12 Novembro 2019

"Já ultrapassamos em muito o número de habitantes que o planeta suporta, e digo não em relação a um padrão de consumo perdulário, mas em uma situação em que todos tivessem um padrão de consumo suficiente para suas necessidades com dignidade", escreve Bruno Versiani dos Anjos, mestre em Ecologia e analista ambiental do Ibama, em artigo publicado por EcoDebate, 11-11-2019.

Eis o artigo. 

Frente às nada animadoras perspectivas ambientais e climáticas de um planeta futuro, têm sido recorrentes e inúmeros os artigos e discursos que pregam mudanças nos hábitos de consumo, mudanças em matrizes energéticas e a própria mudança no padrão de crescimento econômico do regime capitalista. Por outro lado se vislumbra justamente o contrário na prática: países superpopulosos, como Índia e China, entre outros, levando contingentes humanos da ordem de dezenas de milhões de pessoas anualmente para um padrão de consumo mais elevado. Ou seja, dezenas de milhões de pessoas são retiradas de um modo de vida em que a “pegada ecológica” era baixa para um padrão de consumo ocidental.

Não critico esse fato, pois todo ser humano tem direito às benesses da sociedade tecnológica. E questiono os argumentos daqueles ambientalistas que, que dentro de seus escritórios climatizados nas grandes cidades e circulando dentro de seus carros que emitem gases efeito estufa, pregam o retorno a um padrão de consumo pré-capitalista (para não falar naqueles indigenistas que pregam que os índios devam permanecer em algum estágio neolítico de desenvolvimento em nome da “preservação cultural”).

Deixo claro que não estou fazendo apologia do consumo e do modo de vida capitalista perdulário, mas é uma demanda mais do que justa e digna de que as pessoas tenham acesso a serviços além dos quesitos básicos para a sobrevivência, ou seja que as pessoas desfrutem (assim como eu desfruto) de conforto e segurança proporcionados pelas sociedades modernas. Tirando de lado alguns abnegados e idealistas, em termos realistas apenas uma ínfima fração abrirá mão de fato dessas benesses em nome de alguma ideologia. (quando digo abrir mão, ressalto o fato de não se ater apenas ao discurso) Os exemplos de países que têm revertido a emissão de gases do efeito estufa e têm realmente adotado posturas ambientalmente viáveis são esparsos e proporcionalmente ínfimos, estando restritos a algumas sociedades com altíssimo nível educacional e IDH (por ex. Europa nórdica). A imensa maioria tem seguido o caminho inverso: aumento vertiginoso da pegada ecológica e aumento populacional.

Por mais que os profetas e prosélitos do “desenvolvimento sustentável” bradem e produzam toneladas de argumentos a favor de uma mudança nos padrões de consumo, acredito que o aumento dos padrões de consumo (e necessariamente o custo ambiental associado) em vastos contingentes humanos (principalmente Ásia e América do Sul) é um fato irreversível e até certo ponto justificado e legítimo.

Há outra linha argumentativa que clama que a ciência e tecnologia sempre trarão a solução, ou seja, por mais que a população e os níveis de consumo aumentem, sempre teremos soluções ambientalmente menos impactantes (por exemplo, maior produtividade por hectare). Apesar de eu ser um entusiasta do conhecimento humano e da ciência, acredito que haja limite.

Sem dúvida a chamada “revolução verde” , a “biorrevolução” e as técnicas de engenharia genética salvaram milhões da fome (isso vai um alerta para os defensores da agroecologia: apesar de ambientalmente correta, é incapaz de sustentar vastos bilhões de habitantes), porém acredito que estamos perto de um limite em que seja realmente impossível produzir quantidades que satisfaçam o aumento da ordem de bilhões de seres humanos na mesma área agricultável (lembrando o fato de a nível mundial, afora as últimas florestas naturais, existe proporcionalmente pouca terra agricultável a ser expandida).

Acredito que, dada a atual população terrestre e dadas as perspectivas de mudanças climáticas e alterações na superfície de terras agricultáveis, dificilmente a ciência e a tecnologia reverterão o perigoso limite da segurança alimentar e de suprimento de água a nível global para o qual estamos avançando a cada década.

Conferências intermináveis a cada ano geram toneladas de papel escrito e tratados inócuos, poucos consensos genéricos e vagos, e quase nenhuma ação prática. Líderes se reúnem, segmentos da sociedade civil fazem “barulho” e raramente se debate algo que me parece óbvio: um mundo que está caminhando para uma dezena de bilhões de habitantes, e em que essa dezena de bilhões viva além das meras condições de sobrevivência e tenham as benesses da sociedade tecnológica me parece AMBIENTALMENTE INVIÁVEL.

Para se ter uma ideia prática do que estou falando: tenho 36 anos, e quando nasci a população da terra tinha cerca de 3,5 bilhões de habitantes; até hoje se acrescentaram cerca de mais 3,5 bilhões de habitantes. Conclusão: o planeta levou milhões de anos para atingir a cifra de 3,6 bilhões e apenas 36 anos para atingir os outros 3,5 bilhões. Qualquer pessoa racional com alguma noção matemática (e ambiental) deveria enxergar que isso é simplesmente ABSURDO. Por mais que as estatísticas e estudos da ONU e demais entidades digam que o ritmo de crescimento da população está diminuindo e que haverá uma estabilização, já passamos há muito o limite de sustentabilidade de um planeta ecologicamente viável, e o crescimento populacional de vastas regiões da África e Ásia ainda assusta.

Acredito que seja hora de pensar não apenas no decréscimo da taxa de crescimento da população, mas no decréscimo do número absoluto da própria população a patamares em que não apenas nossa espécie possa sobreviver aos séculos, mas também e sobretudo as outras espécies. Não apenas como ambientalista, mas como humanista, acho incongruente viver em um planeta onde existe quase uma dezena de bilhões de habitantes e menos de mil exemplares de espécies como rinoceronte branco, tigre siberiano, só para citar os casos mais emblemáticos.

Já ultrapassamos em muito o número de habitantes que o planeta suporta, e digo não em relação a um padrão de consumo perdulário, mas em uma situação em que todos tivessem um padrão de consumo suficiente para suas necessidades com dignidade. Sendo assim, em nome da saúde planetária, e pensando nas gerações futuras, a colocação em pauta na ordem do dia do controle populacional a nível planetário é um tema de extrema urgência.

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