17 Setembro 2019
Enquanto eu escrevo esta resenha do documentário “River of Gold” [Rio do ouro], a Floresta Amazônica continua queimando. Os incêndios de 2019 supostamente têm origem humana. Eles provavelmente deveriam limpar a terra para a produção de carne para os mercados estadunidenses e além, e para o cultivo de soja e milho para alimentação.
O comentário é da irmã paulina Rose Pacatte, diretora-fundadora do Pauline Center for Media Studies, de Los Angeles, EUA, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 16-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas perder dezenas de milhares de hectares da floresta tropical por dia não é a única ameaça para o rio Amazonas, para a floresta como um todo ou para os nove países que o compartilham, assim como seus afluentes e nascentes. A mineração ilegal e não regulamentada de ouro que destrói a floresta e polui rios e águas subterrâneas com mercúrio é uma ameaça que também é impulsionada pelos mercados e pela ganância.
Não muito diferente dos conflitos em torno do diamante na África ocidental, o ouro peruano, por mais que brilhe, está manchado desde o início. “Junto com cada árvore que é cortada para a mineração do ouro”, conta a narração, “libera-se dióxido de carbono no ar, aumentando o aquecimento global.”
“São necessárias aproximadamente 250 toneladas de terra para extrair o ouro suficiente para uma aliança de casamento comum.”
“River of Gold”, narrado por Sissy Spacek e Herbie Hancock, começa com a história das cutias, o único mamífero da floresta tropical forte o suficiente para abrir as castanhas-do-pará, deixando para trás sementes o suficiente para garantir um novo crescimento natural das árvores. Mas essas árvores gigantescas – lar de inúmeras espécies de insetos e pequenos animais da Floresta Amazônica – estão sendo destruídas por novas operações ilegais de mineração de ouro, que surgiram nos últimos 20 anos.
A mineração, através do desmatamento – cavando grandes fossas na terra para transportar a sujeira da lavagem do ouro até o rio –, está destruindo habitats e criando um desequilíbrio no relacionamento frágil e interdependente entre os alimentos e os animais da floresta tropical que existe há milênios. A mineração também está criando um problema de saúde pública para a população local, devido ao envenenamento por mercúrio, já que o metal não dissolve e pode permanecer nos rios e nas águas subterrâneas durante séculos.
Uma equipe de filmagem, incluindo os codiretores e produtores Sarah duPont e Reuben Aaronson, viajou para a região de Madre de Dios, no sudeste do Peru, na fronteira com o Brasil, liderada por Enrique Ortiz, um cientista que se tornou ativista e político. Eles começam com uma visão macro da região e depois se concentram nas terras desmatadas, nas minas abandonadas e nos barcos que podem abrigar famílias inteiras, junto com equipamentos de mineração. Esses equipamentos são usados para processar o solo em busca de ouro, acrescentar mercúrio para capturar o ouro e depois ferver ou queimar o mercúrio, deixando apenas o ouro puro.
Hoje, o ouro é vendido a aproximadamente 1.600 dólares a onça [cerca de 28 gramas] no mercado mundial, embora os rapazes e as famílias que extraem o ouro recebam muito pouco pelos seus esforços. Muitos dos garimpeiros estão buscando sair da pobreza e são facilmente explorados pela máfia do crime organizado e pelos cartéis.
O envenenamento por mercúrio leva a uma vida útil curta, a danos cerebrais e a um baixo QI, além de prejudicar o sistema imunológico. As crianças indígenas que vivem na floresta são as mais afetadas.
Fazer esse filme foi um projeto muito arriscado, pois 90% da mineração de ouro nessa região é ilegal, administrada pelo crime organizado e pela “máfia madeireira”. Em uma cidade no estilo da corrida do ouro, a equipe do filme foi expulsa. Os trabalhadores se mudam para lá por seis meses ou um ano para ganhar dinheiro rápido.
Mas as pessoas que extraem ouro para escapar da pobreza são apenas uma parte do problema. Há exploração do trabalho infantil, intimidação e lavagem de dinheiro, tráfico ilegal de drogas e contrabando de ouro. Os chefões do crime que são os principais responsáveis pela mineração ilegal não moram lá, mas os que compram o ouro dos mineradores, sim. O filme afirma que um mercado clandestino global fixa o preço do ouro em um valor mais alto do que o de uma pessoa humana e do seu custo para a Terra.
O filme assume uma posição firme contra a busca de ouro através da mineração que saqueia a terra e prejudica a comunidade humana e o ambiente. É ganância e corrupção. “Sempre que o homem quer mais, isso tem que vir da terra, mas as limitações da terra estão diante de nós”, diz o filme. “É tarde demais para apreciar as coisas quando você não as tem mais para nos ajudar a entender o que estamos tirando da terra.” A verdadeira riqueza está em “viver em relação com todos os seres vivos”.
O conteúdo desse documentário é certamente alarmante. Estima-se que cerca de 30 toneladas de mercúrio tóxico sejam lançadas no ecossistema Madre de Dios anualmente. O governo peruano está trabalhando agora para tentar regular a mineração ilegal de ouro na região e, como afirma o filme, “as organizações local e globalmente estão trabalhando para produzir uma cadeia de suprimentos de ouro limpa”. Há esperança.
DuPont vai viajar para Roma no início de outubro para apresentar o documentário no evento “Voices of the Amazon” do Global Catholic Climate Movement. Ela é a fundadora da Amazon Aid Foundation, que produziu “River of Gold”. DuPont disse-me via e-mail: “Eu sou uma grande fiel e admiradora do Papa Francisco e da missão da Igreja Católica de enfrentar as questões complexas em torno da crise climática. Eu continuo esperançosa”.
Também é interessante que Francisco nomeou o cardeal Pedro Barreto Jimeno, 75 anos, de Huancayo, Peru, como um dos presidentes delegados do Sínodo dos Bispos para a Amazônia em outubro. Huancayo faz fronteira com a região de Madre de Dios, onde são realizadas as operações ilegais de mineração de ouro que o filme expõe. Ele falou sobre a mineração ilegal de ouro ao Catholic Relief Services em 2016.
“A Igreja se posiciona sobre o que está acontecendo no mundo hoje com as mudanças climáticas e a crise causada pelo homem por meio desse sistema que favorece o dinheiro e não a dignidade, a vida e o ambiente”, disse ele. “Em vez de gerar uma distribuição mais justa de recursos naturais e riqueza, isso está criando dois grupos que estão muito, muito distantes um do outro. Um grupo muito pequeno detém a riqueza, e o outro grupo experimenta a pobreza.”
“Barreto diz que a degradação ambiental e as mudanças climáticas estão impactando a migração global”, de acordo com uma reportagem do site do Catholic Relief Services, que continua:
“[Barreto] diz que as pessoas costumam abandonar suas casas não apenas em busca de oportunidades econômicas, mas também porque o ambiente natural tem sido afetado. Muitos foram a Madre de Dios por causa do garimpo, porque o solo para a agricultura onde viviam foi destruído. Outros abandonaram suas casas por causa de uma imprevisibilidade no clima.”
Também há uma importante sobreposição em relação à mineração de ouro com a nomeação de Baltazar Porras Cardozo, 74 anos, de Mérida, Venezuela, como outro presidente delegado para o Sínodo da Amazônia. Mesmo com o colapso da economia e das estruturas internas da Venezuela, seu país está cada vez mais envolvido na geopolítica da mineração ilegal de ouro.


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Documentário denuncia mais uma ameaça à Amazônia: a mineração ilegal de ouro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU