Enchentes urbanas: a criminosa insistência em um modelo fracassado

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

13 Março 2019

"Há uma explicação elementar para tanto: resistindo a admitir o total fracasso do modelo adotado para o enfrentamento do problema, todas essas cidades continuam a cometer os mesmos erros básicos que estão na origem causal das enchentes urbanas", escreve Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”, “Cidades e Geologia”, consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia, em artigo publicado por EcoDebate, 12-03-2019.

Eis o artigo.

Apesar dos grandes recursos financeiros já investidos em obras e serviços de infraestrutura hidráulica, como ampliação das calhas de seus grandes rios, a dura realidade vem mostrando que um enorme número de médias e grandes cidades brasileiras estão cada vez mais vulneráveis a episódios de enchentes.

Há uma explicação elementar para tanto: resistindo a admitir o total fracasso do modelo adotado para o enfrentamento do problema, todas essas cidades continuam a cometer os mesmos erros básicos que estão na origem causal das enchentes urbanas.

Relembremos a equação básica das enchentes urbanas: “volumes crescentemente maiores de águas pluviais, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.

Ou seja, a cidade, por força de sua impermeabilização, perde a capacidade de reter as águas de chuva, lançando-as em grande volume e rapidamente sobre um sistema de drenagem – valetas, galerias, canais, bueiros, córregos, rios – não dimensionado para tal desempenho. E aí, as enchentes. Ao menos em seu tipo mais comum.

Excessiva canalização de córregos e o enorme assoreamento de todo o sistema de drenagem por sedimentos oriundos de processos erosivos e por toda ordem de entulhos de construção civil e lixo urbano compõem fatores adicionais que contribuem para lançar as cidades a níveis críticos de dramaticidade no que ser refere aos danos humanos e materiais associados aos fenômenos de enchentes. E, lamentável e inexplicavelmente, as cidades continuam a cometer todos esses erros.

Da equação hidráulica enunciada decorrem duas linhas básicas de ação para a redução das enchentes urbanas: a primeira, voltada a aumentar a capacidade de vazão de toda a rede de drenagem, a segunda, voltada a recuperar a capacidade da cidade reter uma boa parte de suas águas pluviais, reduzindo assim o volume dessas águas que é lançado sobre as drenagens.

Muitas cidades, a exemplo de São Paulo, tem quase exclusivamente atuado na primeira linha básica de ação, ou seja, procurado aumentar a capacidade de vazão de córregos e rios principais através de obras e serviços de engenharia, a um custo extraordinário e com resultados altamente comprometidos pelo violento processo de assoreamento a que todo esse sistema de drenagem continua sendo submetido. Infelizmente, ainda dentro dessa primeira linha de ação, praticamente nada se faz no que conta à indispensabilidade de atualização/readequação hidráulica da velha rede de drenagem já instalada, ou seja, canais, galerias, bueiros, etc.

Quanto à segunda linha de ação, ou seja, a recuperação da capacidade do espaço urbano em reter águas de chuva, priorizou-se a construção dos malfadados e dispendiosos piscinões, uma obra que por suas terríveis contra-indicações urbanísticas, pois que na prática constitui um verdadeiro atentado urbanístico, financeiro, sanitário e ambiental, deveria ser a última das últimas alternativas a serem pensadas.

No entanto, com esse mesmo objetivo de retenção máxima de águas de chuva, e sem as contra-indicações dos piscinões, há um enorme elenco de medidas, virtuosamente utilizadas em vários países, que sequer foram consideradas, apesar das insistentes cobranças do meio técnico: reservatórios domésticos e empresariais para acumulação e infiltração de águas de chuva, calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, multiplicação dos bosques florestados por todo o espaço urbano, etc.

São as chamadas medidas não estruturais, que uma vez aliadas a um vigoroso combate aos processos erosivos e a uma radical coibição do lançamento irregular de lixo urbano e entulho da construção civil, constituem providência indispensável para o sucesso de qualquer programa de combate às enchentes. E mesmo que isoladamente não suficientes para a eliminação total do problema, terão a propriedade de reduzir drasticamente a quantidade, as dimensões e os custos das medidas estruturais de aumento de vazão que ainda se façam necessárias.

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Enchentes urbanas: a criminosa insistência em um modelo fracassado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU